28/01/2010 12:23
Há cem anos, em Pernambuco, nascia um brasileiro que mudaria para sempre nossa forma de ver a sociedade. Josué de Castro foi médico de formação, mas expandiu-se rumo à geografia, à sociologia, à política, à literatura. No entanto, é a marca de um profundo humanismo que sobrevém quando, neste 5 de setembro de 2008, prestamos nossas homenagens. Seria fácil demais lembrá-lo apenas pelo clássico livro que publicou em 1946 e revolucionou a forma de pensar o Brasil, esta obra seminal chamada Geografia da Fome. Por isso, devemos pôr em relevo algo mais de sua biografia no dia de seu centenário.
Josué de Castro lecionou em diversas universidades brasileiras e de fora, pois sempre foi grande o reconhecimento de seus estudos acerca das causas da fome no Brasil e dos problemas relativos ao direito à alimentação. Antes mesmo de 1946, ele já havia sido professor catedrático da área de Geografia Humana na Faculdade Nacional de Filosofia (Fenefi) da antiga Universidade do Brasil. Também na década de 1940, ele já havia sido convidado oficialmente para estudar problemas da alimentação pelos governos da Argentina, Estados Unidos, República Dominicana, México e França. Entre as muitas honras que recebeu, destacam-se os títulos de doutor honoris causa em universidades da República Dominicana e do Peru; e prêmios, como o Prêmio Roosevelt da Academia de Ciências Políticas dos Estados Unidos, em 1952, e a Grande Medalha da Cidade de Paris, em 1953. Com legitimidade incontestável, Josué de Castro presidiu a FAO, órgão das Nações Unidas para alimentação e agricultura, entre 1952 e 1956.
Foi, portanto, um brasileiro que se projetou para o mundo por pensar o país. E só pôde chegar a este ponto porque dedicou sua vida a um problema nacional, a fome. Depois de uma série de primeiras obras que alguns consideram descritivas e analíticas, é com Geografia da Fome (1946) que ele estabelece uma batalha política e crítica contra o flagelo da falta de alimentação. Ali, o pensador define um conceito de fome e divide o Brasil em áreas, identificando onde havia fome endêmica (crônica) e epidêmica (transitória). Hoje pode parecer lugar comum afirmar que a fome não é um fenômeno natural, e sim provocado pelas relações sócio-econômicas. Em 1946, contudo, não era. Ao contrário, Josué de Castro apontou que o tema da fome era um tabu. Ainda envolto em mitos de auto-referência, tais como o “bom selvagem”, o “homem cordial”, a “democracia racial”, o Brasil se recusava a discutir a fome que matava e fazia sofrer milhões ano a ano. Josué chutou a porta fechada do tabu com inteligência e espírito de pesquisa, denunciando a fome como construção coletiva do Brasil e buscando suas causas históricas, sociais, políticas e econômicas.
Geografia da Fome foi complementado poucos anos depois por Geopolítica da Fome, obra de teor e método muito similares, com abordagem da fome no plano mundial. São, sem dúvida suas obras mais famosas. Mesmo que se queira lançar um olhar bibliográfico, seria forçoso reconhecer a importância dos demais livros e artigos escritos por ele. Mas neste momento de celebrar o centenário de um grande brasileiro, a Fase chama a atenção para a imensa contribuição política de Josué de Castro, o estudioso humanista e ativista que inaugurou a luta pelo direito à alimentação no país.
Editorial publicado em 5 de setembro de 2008