06/04/2017 18:39
Gilka Resende¹
A iniciativa “Mulheres de Fibra”, proposta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em parceria com Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), inclui atividades de educação popular com cerca de 100 mulheres agricultoras do Vale do Jiquiriçá, no interior do estado. O programa da FASE na Bahia participa da ação com o objetivo de criar novas possibilidades de construir mais autonomia econômica para as agricultoras familiares, estimulando simultaneamente o engajamento dessas mulheres em ações de promoção, defesa, garantia e ampliação de direitos.
Entre as atividades previstas pela articulação “Mulheres de Fibra”² estão : a preparação e a realização de eventos de formação em boas práticas agroecológicas; o estímulo e a criação de condições para viabilizar trocas de experiência entre os diferentes grupos de mulheres da região; e a implantação de áreas de experimentação da agroecologia e de banco de sementes crioulas. “A gente entende que as parcerias são essenciais para potencializar esforços, pois permitem a construção de situações que favorecem a união entre diferentes atores com objetivos semelhantes”, destaca Veronice de Souza, educadora do programa da FASE na Bahia.
Quatro grupos de mulheres estão unidos na iniciativa e demonstram disposição para avançar nas lutas por direitos: o Grupo de Mulheres Guerreiras, da Comunidade de Riacho da Cruz, em Mutuípe; o Grupo Mulheres Dignas, da Comunidade da Moenda Seca, em São Miguel das Matas; o Grupo Mulheres na Luta, da Comunidade do Km 17, em Laje; e o Grupo Mulheres Produtivas, de Maracás.
Mulheres e a agricultura familiar
“Criamos o grupo porque queremos o melhor para a nossa comunidade. É um jeito das mulheres estarem todas organizadas”, destaca Marinalva Gonçalves dos Santos, presidenta da Associação Comunitária Moenda Seca e Gavião e integrante do Grupo Mulheres Dignas. Ela conta que a produção das mulheres inclui alimentos in natura cultivados em suas hortas, assim como produtos artesanais como bolos de farinha, banana chips e cocadas.
Nalva, como é mais conhecida, explica que por enquanto a produção ainda está mais voltada para a comunidade. No entanto, as mulheres sonham e trabalham para que os alimentos produzidos por elas cheguem às mesas de comunidades e municípios vizinhos. “Alguns dos alimentos entregamos para a merenda escolar por meio do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], mas ainda estamos engatinhando”, pondera.
Algo que anima as agricultoras familiares é o ato de guardar sementes tradicionais, sem transgênicos ou contaminadas por agrotóxicos. Veronice explica que as mulheres têm um papel de destaque na preservação do patrimônio genético dos alimentos. O depoimento de Nalva confirma: “Guardo milho, feijão, amendoim. Quando chega o período de plantar, já tenho essas sementes. Agora estamos organizando e construindo um banco de sementes na comunidade. Temos algumas armazenadas dos alimentos que plantamos no ano passado”, relata. Trata-se de uma estratégia para aumentar a diversidade de cultivos da agricultura familiar na região e ainda fugir da necessidade de ter que comprar sementes de empresas.
Combate ao trabalho invisível
Embora as atividades das agricultoras gerem valores e viabilize a existência e funcionamento da unidade familiar produtiva de alimentos, o que ainda se verifica na região, na maioria das situações, é que o trabalho das mulheres é considerado como uma “ajuda nas roças”. E as tarefas dentro de casa, muitas vezes, ficam invisíveis. Frente a esse contexto, o programa da FASE na Bahia vem apoiando a constituição e funcionamento de 14 Grupos de Mulheres nos territórios do Baixo Sul e do Vale do Jiquiriçá, dos quais três fazem parte também da articulação “Mulheres de Fibra”.
Veronice pontua que esse trabalho se mostra ainda mais importante pelo fato das sobrecargas de trabalho das mulheres. “São elas que ficam com a responsabilidade de acompanhar doentes em suas idas aos postos médicos para atendimento, exames e vacinações. Elas também são as principais cuidadoras de crianças e idosos”, lembra ela sobre a realidade das mulheres com os quais a FASE desenvolve atividades com o apoio da União Europeia³. Veronice afirma também que as mulheres assumem, por vezes sem qualquer reconhecimento, a maior parte das tarefas comunitárias essenciais ao funcionamento de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. Elas estão presentes, por exemplo, em reuniões relacionadas às escolas, ao transporte, ao atendimento previdenciário, a documentação civil e em muitas outras.
Ao longo dos anos, a FASE e seus parceiros vêm percebendo que mulheres motivadas pela perspectiva de conquistar mais autonomia econômica também demonstraram a necessidade de debater o enfrentamento de situações de violência de gênero.“Este aspecto da intervenção educativa da FASE decorre da percepção de que é praticamente impossível contribuir para a afirmação da agricultura familiar, enquanto setor econômico e de sujeito de direitos, sem que se busque relações de gênero mais equilibradas e justas”, conclui Veronice.
[1] Jornalista da FASE, com apoio da equipe regional na Bahia.
[2] As entidades que se articulam no “Mulheres de Fibra” são: a UFRB; NEDET’s – Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial; SINTRAF de Mutuípe; e a Câmara Técnica de Mulheres do Colegiado Territorial do Vale do Jiquiriçá.
[3] O trabalho do programa da FASE na Bahia junto às mulheres é possível a partir do apoio da União Europeia (UE). O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.