02/09/2010 12:17
Um novo filme brasileiro merece atenção de tantos quantos tenham preocupação com nossa crise social e guardem dentro de si um sentimento de solidariedade. Trata-se de Luto Como Mãe, produção assinada pelo diretor Luis Carlos Nascimento e pelo projeto Escola Audiovisual Cinema Nosso. Seu tema é ao mesmo tempo doloroso e necessário. Em pouco mais de uma hora, Luto Como Mãe nos leva para dentro da trajetória sofrida de mães do Rio de Janeiro que perderam seus filhos em casos de violência policial e extermínio.
Ocorrência trágica e infelizmente comum no Rio de Janeiro de antes e também de depois da chamada “Pacificação”, o extermínio de jovens é um flagelo que assombra as classes populares. Isto porque, na quase totalidade dos casos, são jovens negros de bairros e municípios periféricos aqueles que morrem pelas mãos de uma polícia ainda regida pela lógica do confronto que justifica tudo. Inocentes, culpados, todos são jogados na mesma panela mortífera de agentes do Estado que praticam execuções sumárias e arbitrárias. Cada morte deixa um rastro de dor e desmazelo, que intoxica a vida das famílias, dos amigos próximos, das comunidades, mas que desespera especialmente uma figura central em todo este quadro: a mãe.
“Ignora-se que para cada marido, cada filho, cada homem morto existe sempre uma mulher por trás”. É a frase do diretor que está estampada no cartaz do filme e que pode muito bem ser uma síntese da proposta. O que fica com estas mulheres quando chega a notícia de que um filho foi morto numa chacina feita por policiais, como o filme rememora nos casos conhecidos como Chacina de Acari e Chacina do Via Show? Um abalo moral sem fim, uma personalidade arrasada irrecuperavelmente? Estas são respostas que a maioria pode pensar que sejam as corretas. Mas não são.
Luto Como Mãe mostra exatamente como, dentro de uma experiência extremamente dolorosa e destruidora, estas mulheres se reúnem e organizam uma resistência coletiva. Em ambos os casos, elas levaram à frente a luta por justiça, contra toda a estrutura machista do Estado e toda a morosidade da Justiça, contra as muitas ameaças que às vezes se transformam em atentados contra sua vida. Lutam como mães, que continuam sendo mesmo após a morte injustificável de seus filhos. “Cada vez mais morrem mais jovens, cada vez mais mães estão chorando e isso não pára”, diz uma delas no filme. Sua vitória particular nos processos contra os policiais não significou o fim de sua luta. Ao contrário, na trajetória de luta perceberam que não estavam sozinhas. Há muitos outros casos iguais aos de seus filhos. E pior: há uma cultura de violência social e policial a modificar. Este pode ser o sentido maior do filme Luto Como Mãe: sua participação intensa na busca coletiva por uma mudança maior, pelo fim do extermínio como política de segurança.
“É um filme de resistência”, disse o diretor Luis Carlos Nascimento à Fase, que por meio do Serviço de Análise e Assessoria a Projetos deu apoio cultural ao filme. “Mas não é um filme contra a polícia do Rio de Janeiro. A polícia tem 200 anos, foi criada para proteger o rei e a corte, e até hoje segue a mesma lógica. Ela é parte da sociedade e a sociedade é responsável por ela. É cruel responsabilizar só o policial. A resposta tem que ser dada pela sociedade que clama todo dia por este tipo de operação. Não existe reforma policial sem reforma social”.