26/01/2007 11:52
Fausto Oliveira
Muito diferente do que a grande imprensa anunciou na semana passada, a reunião da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul ocorrida no Rio de Janeiro foi um sucesso no caminho para a integração sul-americana. Passos importantes foram dados no sentido de uma maior aproximação política, econômica e social dos países da região, que pela primeira vez em décadas falam numa integração que vai além de questões isoladas de exportação e importação de mercadorias. Desta vez, o desenvolvimento sócio-econômico sustentável dos países da América do Sul parece estar em primeiro plano, e não apenas os interesses das grandes empresas de cada país. O Mercosul agora é um fórum desta integração.
É um problema de diferença de interpretações. Para os interesses das elites oligarcas, muitas vezes representados em editoriais de grandes jornais, o Mercosul deveria se ater a questões de liberalização comercial sempre maior. Para Fátima Mello, diretora da FASE e integrante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), “se nós considerarmos a integração apenas como um processo de liberalização dos fluxos de comércio e investimentos que beneficiam grandes corporações, então podemos achar que isso está mesmo ameaçado. Mas se vermos a integração numa direção diferente dessa, então não há crise no Mercosul. Ele está no seu momento mais promissor”.
O momento promissor já rendeu medidas concretas. Os pontos de maior vulto nas discussões foram projetos de integração energética, financeira e política. O projeto do Grande Gasoduto do Sul, que ligará Venezuela a Argentina passando pelo Brasil teve sua primeira etapa de estudos e obras já acertada. Também a idéia de criar um banco regional, o Banco do Sul, e uma série de questões dela derivadas, tiveram boa aceitação pelos países membros do bloco. Outro ponto de crucial importância é o Parlamento do Mercosul, que foi criado nesta Cúpula e deverá entrar em funcionamento em breve. Além das medidas concretas já tomadas e das idéias em discussão, houve progressos na ampliação do bloco, com o pedido da Bolívia e a intenção do Equador para entrar no Mercosul, e a participação mais intensa do Chile, associado do bloco.
Banco do Sul – “É uma proposta interessante feita pela Venezuela que está sendo cada vez mais acolhida pelos outros membros do Mercosul, cujo objetivo é fazer com que a região dependa sempre menos das instituições financeiras multilaterais, que são o FMI, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que têm agendas que a gente já conhece”, afirma Fátima. A agenda destas instituições, como qualquer um pode lembrar pela crônica do neoliberalismo sul-americano dos anos 90, é a que levou à crise aguda da economia argentina e ao arrocho fiscal extremado e recessivo da economia brasileira. Para ficar somente em dois exemplos. O Banco do Sul serviria para que os países tenham acesso a recursos financeiros de vulto sem assinar os “pactos de morte” com estas instituições. O Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) já funciona de forma semelhante, e pode ser um embrião do que, num futuro próximo, virá a ser o Banco do Sul: um financiador estável e forte do desenvolvimento da região.
Parlamento do Mercosul – Se o banco regional de desenvolvimento foi discutido, o parlamento sul-americano já é uma realidade. Foi criado antes da Cúpula do Rio de Janeiro, em dezembro, e reforçado na reunião dos presidentes. “Existem muitas expectativas de que ele seja um espaço que dê muito maior institucionalidade ao Mercosul. A perspectiva é que se elejam parlamentares da região num futuro próximo. Isso ajuda muito a harmonizar políticas públicas para a região”, avalia a diretora da FASE. Ela cita como exemplo a decisão, já tomada, de que o comércio entre Brasil e Argentina seja feito em moedas locais e não mais em dólar. Uma decisão como esta, que vai reduzir preços e possivelmente aumentar o volume de transações, será parte da rotina do Parlamento do Mercosul e portanto pode-se esperar que este espaço contribua para a integração trazendo para o dia a dia questões fundamentais que hoje precisam de uma cúpula de chefes de estado para entrar em discussão.
Gasoduto do Sul – Este é um ponto em que presidentes e sociedade civil têm um dissenso. Não se sabe que impactos socioambientais podem advir de um empreendimento com esta dimensão. Além disso, a sociedade civil organizada da América do Sul está discutindo a diversificação das matrizes energéticas com uso de energias alternativas, além de uma revisão dos motivos pelos quais a demanda por energia cresce tanto. Há, portanto, críticas ao projeto. Entretanto, é um sinal claro de que a integração regional está avançando. E até certo ponto é alentador que o documento final que estabelece os primeiros passos para a obra diga que “o traçado considerado deverá situar-se o mais próximo possível em áreas já tocadas pelo homem, tais como as estradas já existentes, com o objetivo de respeitar o meio ambiente”. Outro ponto positivo da questão energética é a criação de empresas mistas. Petrobrás e PDVSA (petrolífera venezuelana) já têm acordo para empreendimentos conjuntos com divisão de 60% e 40% dos investimentos e ganhos de acordo com o território nacional onde estejam os empreendimentos. “O que houve de interessante foi a idéia de ampliar essa noção de empresas públicas mistas para outras áreas, como educação e meio ambiente”, afirma Fátima.
Assimetrias – Os países integrantes do Mercosul têm economias de tamanhos e abrangência diferentes. Uruguai e Paraguai, por exemplo, dizem que é difícil para eles obter vantagens comerciais no bloco dadas as assimetrias que suas economias têm para com as de Brasil, Argentina e Venezuela, os demais integrantes. Segundo a diretora da FASE, o desafio para a redução das assimetrias passa pela criação de um sistema de produção e comércio regionais em que os países se complementem. “O Mercosul tem que começar a pensar em mecanismos de ativação do comércio da região, mas de forma complementar e não competitiva. Por exemplo, podem-se criar complementações das cadeias produtivas dando preferência a parceiros regionais”, afirma Fátima.
Como se vê, o Mercosul tomou novos rumos e uma nova face com a intenção dos presidentes da América do Sul em consolidar a integração regional. Mais do que uma reprodução dos modelos de liberalização comercial apregoados por países hegemônicos, a integração regional propõe iniciativas de interesse dos povos, e não só das grandes corporações. O Mercosul passou a ser um instrumento disto.