31/01/2012 09:51

Quem não sente (ainda) diretamente os efeitos climáticos intensos, pôde acompanhar as notícias: mais uma vez, milhares de pessoas iniciam o ano sofrendo com a estiagem nos estados do Sul e as chuvas excessivas no Sudeste. Os efeitos passam por grande prejuízo aos agricultores, principalmente à produção familiar, e também aos habitantes das cidades, com mortes, desabrigados e desalojados. Só no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, passa de 60 mil o número de pessoas que perderam o lar em janeiro depois das grandes precipitações. Já no Norte e no Nordeste a população está em estado de alerta: o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais prognostica a ocorrência de intensas chuvas no primeiro trimestre.

Contextos como o descrito passam a atormentar a vida de milhares de pessoas e exigem medidas de enfrentamento das agências públicas. Se as conseqüências destes fatos desaparecem das manchetes de jornal com o baixar das águas, seus efeitos permanecem, por longo período, na vida dos atingidos. Não é mais possível desconsiderar os efeitos das mudanças do clima em nosso país. Tais desastres, na sua maioria, têm origem atmosférica – são inundações graduais, inundações bruscas, escorregamentos e estiagens. Tipos de eventos que estão diretamente relacionados com o excesso ou ausência de chuva.

Em um país como o nosso, com dimensões continentais em que oito de cada dez brasileiros vivem em cidades, onde a ocupação e uso do solo ocorrem desordenadamente, acompanhados de um déficit habitacional de 5,5 milhões de moradias, as conseqüências das chuvas intensas nas cidades e em espaços urbanizados são drásticas.

Também não é possível desconsiderar que é a população pobre quem mais sofre os efeitos dos desastres naturais e os efeitos das chuvas. A maioria, por absoluta falta de opção, vive em áreas inundáveis, próximas aos cursos d’água, ou em encostas, em residências com construção inadequada.

Não é por acaso que o atlas de saneamento do IBGE, produzido com dados de 2008, aponta entre os principais fatores que agravam as inundações, a “ocupação intensa e desordenada do solo”, “obras inadequadas” e a “obstrução de bueiros, bocas de lobo etc.”. As informações produzidas pelo IBGE agregadas a outras análises e produções de inúmeras organizações da sociedade civil (ONGs, universidades, movimentos sociais, etc) que lutam por cidades justas, democráticas e sustentáveis econômica e ambientalmente, fortalecem a tese de que qualquer ação do poder público para obter êxito precisa contar com a participação ativa da sociedade e de suas organizações.

Portanto é preciso que o conhecimento acumulado ou gerado cotidianamente no interior das relações e estruturas sociais seja considerado “matéria-prima” para estruturar qualquer projeto técnico para as nossas cidades.

São as pessoas que vivem e circulam nos bairros do centro ou da periferia, em favelas ou comunidades as mais indicadas não só para monitorar a execução de projetos, por meio de arenas de participação institucionalizadas ou não, mas também para contribuir com seus diversos saberes na produção de projetos cuja finalidade é a de enfrentar os efeitos, por exemplo, da recorrência de chuvas cada vez mais intensas em nossas cidades.

Nesse sentido, as agências públicas e seus ocupantes precisam se colocar livres da soberba tecnicista e assumir que o saber é um bem coletivo localizado em diversos espaços das cidades e produzido por pessoas que ocupam posições econômicas, culturais e sociais significativamente heterogêneas.

Cabe exclusivamente ao poder público aportar recursos financeiros e executar políticas públicas vigorosas, por exemplo, as habitacionais e de saneamento, e desenvolver projetos capazes de enfrentar os males e desastres que degradam o ambiente urbano e são os responsáveis pela proliferação de inúmeros dramas, principalmente para a população que reside em espaços mais vulneráveis (encostas, várzeas, margem de rios etc).

Contudo, serão iniciativas vãs ou de baixa eficácia se não contar com a participação ativa da população, de uma forma em que as pessoas possam manifestar seus interesses e conhecimentos num ambiente democrático em que o direito de expressão seja assegurado simetricamente, sem constrangimentos.

Certamente, ainda com pouco tempo de prática democrática, constituímos em nosso país um estoque de experiências suficiente para defendermos que o conhecimento não científico, sem menoscabo à ciência, deve fazer parte daquele conjunto de elementos que estruturam as intervenções e políticas públicas em nosso país.