30/05/2012 10:23
Por Gustavo Cunha, da FASE
Há alguns anos, a Fase estabelece laços com o segmento juvenil, principalmente nas regiões metropolitanas de Recife, Rio de Janeiro e Belém. No dia 12 de abril, os vínculos apenas se estreitaram, e a FASE se elegeu como uma das novas representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), compondo a Comissão de Acompanhamento de Política e Programas.
Para Aercio de Oliveira, coordenador do Programa Regional Rio de Janeiro, presente na assembléia de eleição, a participação da FASE no Conjuve – como entidade de apoio às políticas públicas – reflete a importância que tem nesse campo de atuação. “As organizações parceiras esperam que a FASE preste uma contribuição efetiva no enfrentamento dos desafios e questões contidas na agenda do Conjuve”, avaliou.
Em entrevista, Aercio faz um balanço sobre as propostas e resultados das atividades desenvolvidas – e em desenvolvimento – pelo PNDC, além de traçar considerações sobre o significado da eleição da FASE no Conjuve. Leia abaixo.
O Programa Nacional Direito à Cidade (PNDC), da FASE, desenvolve projetos em diferentes cidades, como Belém, Recife e Rio de Janeiro. Mesmo assim, busca a construção coletiva de pensamentos em conjunto e estratégias nacionais, como aconteceu no projeto “Juventudes e Direito na Cidade”. Gostaria que fizesse um balanço sobre as propostas e resultados das atividades desenvolvidas pelo PNDC.
A relação da FASE com o segmento juvenil ocorre há bastante tempo, principalmente nas unidades que atuam nas regiões metropolitanas. Além da relação dos grupos juvenis que acessam recursos do fundo de apoio a pequenos projetos do Serviço de Análise e Assessoria a Projetos (SAAP), e o trabalho que essa unidade desenvolve de maneira continuada com determinados grupos, as unidades regionais do PNDC têm trabalhado com jovens em processos de formação, articulação e lutas por direitos.
Durante 10 anos, realizamos regularmente ciclos de debates com grupos jovens. Na Baixada Fluminense, era o “Café Filosófico”; em Recife, era o “Papo Cabeça”. A metodologia desses encontros aliava o pensamento crítico à estética. Havia troca de experiências, e abordagens de temas envolvidos na política – impactantes ou de interesse dos jovens. Toda a conversa era atravessada por música, literatura, vídeo-arte, teatro, dança, arte circense e outras linguagens artísticas. Os jovens também identificaram esses espaços de debate como a oportunidade de constituir articulações mais estáveis. Na Baixada Fluminense, região do Rio de janeiro, por exemplo, constituiu-se o Fórum de Juventudes da Baixada Fluminense. Em Recife, os jovens fortaleceram o Fórum de Juventudes de lá.
Dessas atividades de debates, estabeleceu-se um intercâmbio entre jovens do Brasil (Pernambuco e Rio de Janeiro) e jovens do Uruguai e da Alemanha com a utilização de tecnologias da informação, o que possibilitou o diálogo e a realização de debates sobre pontos comuns e a relação dos jovens em seus países. Notadamente, foi algo importante, já que possibilitou um conhecimento de realidades diferentes e das diversas dificuldades enfrentadas por outros jovens. O intercâmbio também teve encontros presenciais no Uruguai, na Alemanha e no Brasil.
A partir dessa articulação juvenil, realizamos jornadas culturais anualmente – sendo a primeira em Recife, durante o Fórum Social Brasileiro (FSB). Grupos da Baixada Fluminense apresentaram trabalhos artísticos no Alto José do Pinho, em Recife, e conheceram a efervescência cultural daquele lugar. Todos, além de apresentar trabalhos, participaram das discussões do FSB. Já a segunda jornada cultural na Baixada Fluminense teve uma dimensão internacional. Aqui estiveram jovens da Alemanha e do Uruguai. Foi um processo muito rico, que, além de amplificar nossas relações e metodologias, deu-nos segurança para outras ações. Depois, ocorreram mais duas jornadas culturais: uma em São João de Meriti, e – no ano seguinte – outra, em Duque de Caxias – ambos municípios da Baixada Fluminense, região da metrópole do estado do Rio de Janeiro.
E, no meio disso tudo, iniciamos o projeto de “juventudes e direitos” – envolvendo jovens da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, países do MERCOSUL – além do Chile. Esse projeto foi marcante para o nosso trabalho com juventudes e cidade, pois pudemos entender mais profundamente os conflitos e violações de direitos sofridos pelos jovens. Desenvolvemos uma metodologia que possibilitou a cada jovem a leitura de sua realidade, carregando particularidades e interseções com os jovens de outros pontos da metrópole de Recife e Rio de Janeiro. Cada vez mais, enquanto educadores, fomos testados frente a surpresas, frente ao imponderável de um determinado contexto onde os jovens estavam imersos. Em vários sentidos, o processo foi muito gratificante.
Reconhecendo-se como sujeitos de direitos – ainda que com efeitos e resultados limitados –, os jovens elaboraram processos de pressão, através de audiências públicas, manifestações impressas e em rádios, reuniões com agentes públicos e conselheiros de juventude, realização de abaixo-assinado no bairro, exposições fotográficas de denúncia das péssimas condições de vida no bairro… Também nesse projeto ocorreram encontros presenciais entre os grupos juvenis do Rio de Janeiro e de Pernambuco, Na Argentina e no Rio de Janeiro, jovens de todos os países envolvidos puderam se reunir.
Imagine o impacto disso na cabeça de cada um de nós. Poder ouvir, ver e trocar tantas experiências é algo muito forte para um período da vida em que se está ávido por descobertas.
O projeto tinha como objetivo incidir na legislação dos países do MERCOSUL, naquilo que se relaciona à juventude, com políticas que assegurem direitos econômicos, sociais e culturais aos jovens. Hoje, passado quase cinco anos, vemos muitos daqueles jovens atuando na esfera pública, em redes e fóruns, fortalecendo as suas próprias organizações. Isso é muito valioso.
Ao mesmo tempo, a FASE adquiriu experiência e efetuou ajustes pedagógicos para se relacionar com esse segmento, com características individuais, organizativas e de propósitos bem diferentes das organizações que trabalhamos há muito mais tempo.
Agora, estamos numa nova etapa. Iniciamos o trabalho com jovens de modo a relacioná-los com as questões do direito à cidade, justiça ambiental e mudanças climáticas. Esse trabalho, que conta com o apoio da AIN/OD – organizações da Noruega –, tem em sua metodologia e questões o acúmulo de mais de uma década de construção coletiva com jovens. As ações estão sendo desenvolvidas nas cidades de Belém, Recife e Rio de Janeiro. Partimos para o segundo ano de trabalho. Mesclamos atividades com jovens de unidades de ensino da rede pública, como acontece no Recife e em Nova Iguaçu [no Rio de Janeiro], e grupos jovens envolvidos nas atividades de extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Mais uma vez, estamos desafiados a possibilitar aos jovens a apropriação crítica, a partir das suas percepções, de seus lugares de experiências existenciais e coletivas, de temas tão abrangentes, mas de muita concretude e impacto no cotidiano. E isso vai desde o lixo não recolhido, o esgoto não tratado, até o risco da elevação do nível do mar e, consequentemente, efeitos danosos aos que residem em áreas mais vulneráveis geográfica e socioeconomicamente. Além do trabalho de mobilização, leitura crítica da realidade, apropriação e desconstrução de determinados conceitos, há também o estímulo para a ação coletiva, para o fortalecimento e inserção nas redes e fóruns – e outros espaços – para o exercício da democracia participativa. O objetivo fundamental é de que, ao identificar violações de direitos, a crítica possa contribuir para a mobilização e pressão sobre os agentes públicos. E assim, se institua uma nova realidade com políticas públicas vigorosas dirigidas às juventudes. Que os jovens sejam vistos como sujeitos de direitos – de fato.
O que significa, para a FASE, ser eleita titular no Conselho Nacional de Juventude (Conjuve)?
Antes de responder diretamente a questão, vale destacar o quanto as organizações parceiras, que trabalham com jovens sistematicamente, foram generosas ao nos convidarem para participar do Conjuve. E tamanho apreço se refletiu no plenário que elegeu os representantes do segmento de entidades de apoio às políticas públicas de juventudes. Fomos eleitos por aclamação para ocupar a vaga de titular no primeiro ano do biênio do Conjuve. A instituição suplente, que assumirá em 2013, é a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, representada por Silvia de Castro Resende.
Ao mesmo tempo, sabemos que a nossa responsabilidade é grande. As organizações parceiras esperam que a FASE preste uma contribuição efetiva no enfrentamento dos desafios e questões contidas na agenda do Conjuve, sobretudo as que interessam as organizações do nosso campo.
Bem, agora indo ao ponto da pergunta. O significado da eleição da FASE para o Conjuve é múltiplo, e posso dividi-lo em duas ordens. A primeira ordem seria para a cena pública, para o conselho em si, digamos. Ter no Conjuve uma instituição com as características da FASE pode ser algo positivo. A FASE tem trabalhado com o segmento juvenil em três regiões diferentes do país: atuamos no Conselho Nacional das Cidades, com a presença de um dos nossos diretores Evanildo Barbosa, e agora temos na presidência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, nossa querida Maria Emília Pacheco – além de atuarmos em fórum e redes de dimensão nacional e internacional. Isso, de cara, evidencia uma potencialidade: abre possibilidades de uma interlocução ainda mais intensa entre as questões juvenis presentes nas áreas rurais e naquelas urbanizadas precariamente.
Cada vez mais as questões relativas ao meio ambiente, segurança alimentar, mudanças climáticas ocupam o noticiário e impactam com muita concretude a vida das pessoas, principalmente aquelas que têm pouco poder político e econômico. Nossa instituição tem atuado nesses temas através do Programa Nacional de Agroecologia e Segurança Alimentar e do Núcleo de Justiça Ambiental e Direitos, além de desenvolvermos um projeto com jovens que abordam essas questões nas cidades de Belém, Recife e Nova Iguaçu, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. O último ponto, que o considero fundamental, é a nossa histórica atuação no campo da Reforma Urbana, na luta por cidades justas, democráticas e ambientalmente sustentáveis.
Mantemo-nos firmes ao lado dos movimentos sociais e grupos de base, nos espaços de conflitos fundiários urbanos, como é o caso dos que ocorrem em função dos megaeventos esportivos, nas cidades do Rio de Janeiro e Recife. Nesta seara de conflitos urbanos e de distribuição tão desigual dos recursos, em que a regra é “gastar muito aonde já tem muito e gastar pouco onde não tem nada”, a juventude sente na pele os efeitos de tamanha desigualdade social. Ainda que algumas políticas públicas alterem objetivamente determinados pontos da realidade dos jovens, a juventude do nosso país ainda está muito aquém dos padrões de vida digna que assegurem o acesso pleno a direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. São os jovens que mais sofrem com o desemprego. São eles as principais vítimas da violência diária nas cidades – as taxas de jovens mortos com arma de fogo são aterrorizantes. As dificuldades para circulação na cidade são inúmeras, O ensino público, de baixa qualidade, é desestimulador. Os equipamentos públicos para o desenvolvimento de potencialidades cognitivas e estéticas são quase inexistentes. Os melhores serviços e recursos públicos se concentram nas áreas da cidade onde estão aqueles com elevado poder econômico.
Com a nossa prática, podemos contribuir na estruturação, na criação ou no fortalecimento de mecanismos de controle social e participação de políticas para a juventude, reforçando algo já presente no Conjuve bem antes de nosso ingresso.
Tendo essas questões em vista, avaliou-se coletivamente, entre as organizações do nosso campo, que seria melhor entrarmos na Comissão de Acompanhamento de Política e Programas do Conjuve. Esta comissão estará sob a coordenação do Fransérgio Goulart Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), organização do Rio de Janeiro, e do Alessandro Melchior Rodrigues, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Agora vamos para o significado disso internamente para a FASE. É sempre bom lembrarmos que a FASE é uma organização que, por sua história e espaços de atuação, traz em si uma cultura institucional muito própria. Em seus 51 anos de história, a FASE foi uma instituição que sempre esteve ao lado dos oprimidos, procurando estimular a indignação e a mobilização, formando sujeitos coletivos e atores sociais. Todas essas iniciativas se juntaram a grandes movimentos e organizações sociais. Movimentos de luta pela redemocratização do Brasil, por moradia e infraestrutura urbana, de luta por terra, por alimentação saudável para todos, agora estamos envolvidos na luta que tenciona por outro modelo de desenvolvimento. Seguramente deixo de mencionar outras lutas. Mas o que desejo com essas indicações é mostrar a capacidade que nós temos de mudar e manter uma forte interação com a realidade – ainda que em muitos momentos sejamos lentos, fato compreensível e justificável para uma instituição com a nossa história e tempo de existência. A participação da FASE no Conjuve reflete essa nossa característica tão difusa, abrangente e plural. Trabalhar com o segmento juvenil impacta nossa pedagogia e nossa maneira de interagir com o mundo.
O segmento juvenil, pelas suas determinações biológicas e interações sociais, tem a capacidade de produzir inovações organizativas e discursivas que nos ajudam enquanto educadores. Por exemplo, quando pensamos em uma nova sociedade, em uma forma de relacionamento entre humanos e natureza, diferente da existente, os jovens são fundamentais para esse debate e mobilização. Mas para tal, precisamos estar com eles, discutindo, pensando, lutando juntos, interagindo.
Inclusive, os mais velhos – muitas vezes acompanhados pelo fantasma do ceticismo – podem encontrar energia para o bom combate entre os jovens progressistas, entusiasmados, dispostos a mudar o mundo. E a FASE é uma instituição, como muitas outras, que precisa de muita energia e criatividade.
Como você avalia a mobilização e a articulação entre os movimentos de juventude no país?
A mobilização juvenil no Brasil é extremamente difusa. Você tem desde anarquistas até grupos organizados, com personalidade jurídica, que desenvolvem atividades no seu bairro, na favela ou comunidade. Temos uma presença cada vez maior de jovens nas universidades públicas e um expressivo contingente nas universidades privadas, que de alguma maneira se mobilizam ou se envolvem mesmo que pelas redes sociais, em causas.
Tenho identificado a presença expressiva de muitos jovens estudantes e pesquisadores em redes e fóruns. As mobilizações em torno dos megaeventos esportivos são um bom exemplo.
Os temas que os jovens estão envolvidos são variados: saúde, educação, cultura e arte, meio ambiente, tecnologia da informação, comunicação, gênero, raça, orientação sexual. O fato do pluralismo parece ficar mais evidente entre os grupos juvenis. É o reflexo da profusão de valores, típica de uma sociedade cada vez mais complexa e híbrida – que ainda encontramos trabalho escravo ao lado de um sofisticado sistema financeiro.
Claro que a cultura e arte, ainda são questões que atraem mais os jovens. Mas, para mim, o significativo é que as mobilizações são difusas. Emerge uma juventude que passa a ter mais tempo de educação formal, de maneira a adquirir outros repertórios analíticos e discursivos. Eles estão atentos para a necessidade de tratar das questões públicas, coletivas. É o caso da participação ou interação com espaços e mecanismos da institucionalidade democrática. Por mais que se critique a falta de efetividade das resoluções aprovadas em conferências, a juventude, de alguma forma, procura participar ativamente desses espaços, das conferências e dos conselhos de juventude. Houve, por exemplo, mobilização para garantir a promulgação da Emenda Constitucional 65, reconhecendo a juventude como prioridade na constituição federal. Tramita no Congresso Nacional o Plano Nacional da Juventude e o Estatuto da Juventude. São aspectos ligados ao ordenamento jurídico que impactam o sistema de direitos juvenis, que, de alguma maneira, também mobilizam parcela da juventude.
Qual é a principal importância política do Conjuve para tais organizações? Que papel o Conselho pode assumir na construção de novas realidades?
Todos já sabem, sem fazer muito esforço, dos avanços e limites dos conselhos setoriais. Existem bons diagnósticos que demonstram que há baixa efetividade das deliberações dos conselhos. Isso é o que predomina em nosso país. Mas, por outro lado, não podemos ignorar que os conselhos setoriais – e tudo que deles decorrem – podem promover ou promoveram algum impacto em determinadas políticas.
Não é fácil em um país como o nosso, com a nossa história – em que o Poder Público, o Estado, sempre ignorou a sociedade – ter conselhos setoriais funcionando plenamente, numa relação simétrica de diálogo em que as deliberações incidissem em políticas, programas e ações governamentais.
Creio que precisamos estar em constante vigília e pressão. A tensão faz parte do jogo democrático. Ninguém deveria ter medo disso, principalmente o agente público. O conselho deve ser visto como um espaço privilegiado para o debate e formulações, atravessado por dissensos e consensos.
Nesse sentido, o Conjuve carrega essas contradições, e é mais um espaço de disputa de sentido e de elaboração de políticas públicas para a juventude. Ele é mais um importante ente dentro do sistema político institucional, que deve ser aproveitado numa combinação com outros espaços de defesa de direitos e de pressão.