28/01/2010 15:00

RELATÓRIO
MISSÃO DE INVESTIGAÇÃO DO DIREITO À MORADIA
RIO GRANDE – RGS

Relatora: Lucia Maria Moraes
Assessor: Marcelo Dayrell

MISSÃO DE INVESTIGAÇÃO
RIO GRANDE – RGS

1. A RELATORIA NACIONAL DA MORADIA
A Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma DhESCA Brasil) é uma articulação nacional de movimentos e organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção, defesa e reparação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais visando o fortalecimento da cidadania e a radicalização da democracia.
A Plataforma com apoio do Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV/PNUD) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, criou em 2002 o Projeto Relatores, que conta com seis Relatorias Nacionais: Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana, Direito Humano à Educação, Direito Humano à Alimentação e Terra Rural, Direito Humano à Saúde, Direito Humano à Água e Meio Ambiente e, Direito Humano ao Trabalho com o objetivo de monitorar a implementação e efetivação destes direitos humanos no Brasil.
O Projeto Relatores nasce a partir da constatação da inexistência de mecanismos ágeis de monitoramento para realização destes direitos no país, da necessidade de participação efetiva da sociedade para sua implementação, como também da avaliação de que a cultura dos direitos é ainda frágil na sociedade brasileira, e especialmente dos DhESCA. O importante é que o Projeto estimula a ação organizada de cidadãos para exercerem o direito de participar, afirmando a exigibilidade e o exercício dos direitos humanos, democratiza a gestão do Estado aproximando-o de suas demandas e necessidades, potencializando a capacidade cidadã de influencia na esfera pública.
Por meio dos Projetos Relatores, a Plataforma busca dar atenção especial à concretização dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais, vindo a contribuir para a ampliação do significado prático desses direitos na nossa sociedade. O Projeto no seu conjunto exerce uma ação que poderíamos denominar de vigilância da gestão integral do Estado. Seu objetivo é funcionar como instrumento de ampliação da exigibilidade dos DhESCA no Brasil, tendo em vista sua realização integral (promoção, proteção e reparação) para todos e todas.
O Projeto Relatores, através de suas Relatorias vem atuando sistematicamente na luta em defesa dos Direitos Humanos, constitui, sem dúvida, um instrumento de exigibilidade e justiciabilidade da sociedade civil em comprimento à Constituição Federal e aos pactos assinados pelo governo brasileiro. A exigibilidade é uma construção social, é um processo social, político, legal e coletivo. Intervêm nela as pessoas, os grupos e as comunidades diretamente afetadas.
As Relatorias devem ser entendidas em função da condição de fragilidade e de subvalorização dos direitos humanos pelo Estado Brasileiro frente às obrigações definidas na Constituição Brasileira e assumidas com a adesão às convenções internacionais de direitos humanos. Muitos são os desafios para a garantia dos direitos humanos e para a consolidação dos seus instrumentos de exigibilidade e justiciabilidade em nosso país.

2. CONTEXTO DA MISSÃO

A Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana constitui uma das principais estratégias de monitoramento do direito humano à moradia e à cidade no país, favorecendo a articulação e o fortalecimento das organizações que atuam na busca da moradia como o Fórum Nacional da Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Saneamento Ambiental, entidades representativas dos Movimentos de Luta pela Moradia e ONGs. A Relatoria tem como objetivo desenvolver no Brasil uma cultura de respeito à moradia adequada e o direito de viver com dignidade na cidade.

A Relatoria do Direito Humano à Moradia recebeu a denúncia do a Fórum Nacional da Reforma Urbana (Regional Sul), COHRE, Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), e as associações e comunidades dos Bairros Getúlio Vargas, Barra Nova, Barraquinhas, Santa Tereza e Mangueira. sobre a violação dos direitos à cidade e à moradia das famílias que residem em Rio Grande.

Nesse sentido, os movimentos e organizações vêm tentado dialogar com o Porto a fim de discutir sua expansão e evitar a remoção das famílias. Os movimentos denunciam também a falta de articulação com os órgãos públicos responsáveis pela garantia do direito à moradia, dentre eles a Prefeitura Municipal e o Poder Executivo, inexistindo qualquer canal de interlocução com as lideranças locais ou com os moradores de baixa renda em situação de moradia precária.

A presente missão foi realizada nos dias 18 e 19 de novembro a fim de monitorar a situação do respeito e efetivação do direito à moradia na cidade de Rio Grande. Foram visitadas as seguintes comunidades: Barra Nova , Barraquinhas, Mangueira, Cidade de Agueda, Getúlio Vargas e Santa Tereza. No dia 19 foi realizada Audiência Pública no auditório da FURG – Fundação Universitária do Rio Grande, contando com a presença de diversas autoridades, entre estas representantes da Superintendência do Porto de Rio Grande, Secretaria Municipal de Planejamento, Câmara de Vereadores, Caixa Econômica Federal, Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público Estadual em Rio Grande, Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Pró-Reitoria de Extensão da FURG e representantes das comunidades e movimentos, oficializando as denúncias de violações de direito à moradia realizadas e identificadas durante a missão, conforme cronograma abaixo.

CRONOGRAMA MISSÃO DA RELATORIA NACIONAL DA MORADIA
18 e 19 de novembro 2007
DATA LOCAL ATIVIDADES
18/11
Manhã Rio Grande (RS) VISITAS – Ocupações e Comunidades
09:00 – Visita á Comunidade da Barra Nova
10:00 – Visita á Comunidade das Barraquinhas
11:00 – Visita á Comunidade da Mangueira

18/11
Tarde Rio Grande (RS) VISITAS – Ocupações e Comunidades
13:00 – Visita à Comunidade Cidade de Águeda
14:30 – Visita á Comunidade Getúlio Vargas
16:00 – Visita á Comunidade Santa Tereza

19/11
Manhã Rio Grande (RS) 10:00 – Reunião com representantes da Prefeitura Municipal, Porto e Caixa Econômica Federal

19/11
Tarde Rio Grande (RS) 14:00 – AUDIÊNCIA PÚBLICA
Local: Auditório da Fundação Universitária do Rio Grande
Endereço: Rua Alfredo Hulf, 475 – Centro – Rio Grande – RS
17:00 – Coletiva de Imprensa

3. DENÚNCIAS APRESENTADAS E SITUAÇÕES VERIFICADAS PELA RELATORIA NACIONAL

A cidade do Rio Grande atualmente possui uma população de 194.351 habitantes, distribuídos em um território de 2.814 Km. A pesca representa um papel de grande importância desde o início do povoamento da cidade, existindo muitas famílias em Rio Grande que vivem diretamente ou indiretamente da pesca, em especial da pesca oceânica. Sua ligação com o mar implica em toda sua cultura de vida, seu trabalho e suas relações sociais.

Estas comunidades pesqueiras se desenvolveram na costa oceânica, ponto geográfico que facilita a prática pesqueira e possibilita às embarcações chegarem à costa com segurança. No entanto, todas estas áreas na linha de costa são de propriedade da União, que atualmente está cedida ao Estado do Rio Grande do Sul, para exploração pela Superintendência do Porto do Rio Grande.

A ampliação do Porto do Rio Grande, na forma proposta, implicará a remoção de mais de 1000 famílias que moram próximas às áreas de intervenção. Os projetos estão sendo desenhados apresentados até o momento prevêem o realocamento em áreas mais distantes do mar ou onde o mar é mais agitado, o que impediria o desenvolvimento de seu trabalho. As comunidades atingidas por esta expansão foram visitadas pela Relatoria durante a missão, conforme cronograma já apresentado (Barra Nova, Barraquinhas, Mangueira, Bairro Getúlio Vargas e Santa Teresa).

Os dados e relatos aqui apresentados, verificados durante a missão, contaram com a intensa colaboração da COHRE – Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos, em especial do advogado Cristiano Muller e da arquiteta Karla Fabrício Moroso, ambos consultores do COHRE.

3.1. Barra Nova

Barra Nova é uma comunidade de pescadores composta por cerca de 200 famílias, situado ao lado da comunidade Barra Velha . Tratava-se, na realidade, de um único bairro que foi dividido por uma área da Marinha.
A comunidade Barra Nova existe há mais de 50 anos, dispondo de infra-estrutura básica de água encanada, luz, telefone e transporte urbano. Cerca de 90% dos moradores trabalha no próprio bairro, além de um grande número de pessoas de outras comunidades.

Os empregos são gerados pelos galpões e pelos barcos de pescas, existindo atualmente 18 galpões na comunidade que trabalham com 6 a 10 barcos cada. A maior parte dos homens são contratados e trabalham diretamente nos barcos de pesca ou na administração e manutenção dos galpões. As mulheres são remuneradas por tarefa, sem registro trabalhista, e são chamadas de acordo com a chegada dos barcos.

De acordo com as lideranças locais, o desemprego no bairro é inexistente e os valores pagos aos trabalhadores está de acordo com a atividade exercida. Segundo as mulheres que trabalham nos galpões, elas recebem R$ 40,00 por turno de 6 horas trabalhados durante o dia e R$ 50,00 por turno de 6 horas trabalhados durante a noite. Em regra, as mulheres trabalham de 3 a 5 dias por semana, de acordo com a chegada dos barcos. Como a comunidade é pequena, as pessoas não gastam com transporte, além de receberem refeições nos próprios locais de trabalho.

A proposta do Porto e da Prefeitura é a remoção das famílias para uma área no bairro de Barra Velha. No entanto, nestas áreas somente seria possível a construção de moradia para as famílias, não sendo possível a construção dos galpões para recebimento dos barcos e da pesca. Além disso, a área onde as áreas seriam construídas também é de propriedade da União, continuando a vila, desta forma, refém de uma nova transferência, e sem uma garantia efetiva do seu direito à moradia.
Algumas falas de moradores representam esta vontade de permanecer no bairro: “por mim, se eu pudesse morrer aqui, eu morreria” e “aqui tem mais jeito de viver, mais serviço”. Além disso, segundo os pescadores, o mar na área proposta é mais agitado e acabaria por deteriorar e inutilizar os botes e barcos.

Um outro fato relatado refere-se à atuação da Superintendência do Porto de Rio Grande para cercar uma vasta área com arame farpado (no intuito de delimitar e “proteger” a área destinada à expansão portuária). No entanto, a cerca de arame farpado impediu o acesso a diversas casas e bloqueou alguns caminhos, violando também o direito de ir e vir da comunidade.

3.2.Barraquinhas

A comunidade das Barraquinhas é uma pequena vila de pescadores, existente há mais de 200 anos, dispersa em uma área que atualmente abarca 48 famílias. Doze destas famílias já foram removidas para uma área na própria comunidade por conta da construção do “Dique Seco”, projeto do Governo Federal que objetiva a criação de um pólo naval em Rio Grande que atue na reparação de plataformas de petróleo no Brasil e gerará 8.000 empregos de alta especialização.

Estas doze famílias foram realocadas, durante um dia chuvoso, em pequenos casebres de madeira, sem isolamento térmico ou ambiental, e sem banheiro. Há somente um banheiro coletivo masculino e um banheiro coletivo feminino para as 12 casas e dois alojamentos de pescadores (para moradores de outros bairros que trabalham ali). Cada casa é formada por apenas dois cômodos (sala e cozinha) e sofrem com infiltrações, goteiras e areia continuadamente devido às frestas existentes entre as madeiras das paredes das casas.

O bairro não possui infra-estrutura básica de serviços, como energia elétrica, água encanada, telefone, transporte urbano, saneamento, escola, posto de saúde. As 24 casas que permanecem possuem banheiro externo e as famílias são compostas por 6 a 10 membros, segundo os moradores as famílias.

A proposta do Porto e da Prefeitura é remover estas famílias também para Barra Velha em casas de 27 m² (sala, quarto, cozinha e banheiro). Neste caso há um maior problema de utilização dos barcos pois se trata, na maior parte dos casos, de pequenos barcos artesanais, que vendem a pesca para barcos maiores ainda no mar ou para moradores da região.
Segundo o relato de uma moradora da comunidade sobre a mudança de área: “Lá não. Lá nem os barcos grandes agüentam. Imagina os barquinhos” . Além disso, as embarcações ficariam bem distantes das casas (cerca de 1 km) em comparação com o local atual, onde os barcos ficam amarrados próximos às portas das casas. É importante mencionar que nas moradias propostas pelo poder público as embarcações não são mencionadas.

3.3. Mangueira

A comunidade da Mangueira é composta por cerca de 260 famílias, dispondo de infra-estrutura básica (só não possui saneamento ambiental). Trata-se de um bairro consolidado, existente há mais de 100 anos, e que dispõe de economia e vida social próprias. Os moradores vivem, em sua maioria, da pesca ou da coleta de material reciclável.

O bairro surgiu com auxílio do Porto financiando a construção das moradias para os trabalhadores portuários, ainda no inicio do século passado.

Ao contrário dos demais bairros que serão atingidos pela expansão portuária, que já sofreram cadastro socioeconômico realizado pela prefeitura de Rio Grande, a Mangueira, ainda não tem cadastro e nem previsão para realização deste. As famílias do bairro sabem do possível deslocamento, no entanto as informações oficiais ainda são muito precárias.

Há na comunidade um duto que transporta amônia e, segundo o Porto e a Prefeitura, é uma área de risco. Estes dutos atendem a Empresa Ipiranga e cruzam outras áreas da cidade. Segundo alguns moradores, a discussão sobre este assunto tem mais de 30 anos (os dutos foram instalados após a formação do bairro). No entanto, em função do risco ambiental, a moradia tem se mostrado o uso mais seguro para a área.

É importante ressaltar que no caso da Mangueira a proposta de remoção das famílias ainda não apresentou um novo local para as moradias, existindo um grande medo entre os moradores de serem realocados na Cidade de Águeda. Segundo dados extra-oficiais, o levantamento sócio-econômico das famílias será realizado pela FURG – Fundação Universitária de Rio Grande.

Os moradores relatam como pontos positivos a grande inserção da escola na comunidade, a proximidade do centro da cidade, o baixo índice de criminalidade, o trabalho de conscientização ambiental, formação e responsabilidade social. Assim, algumas pessoas deslocadas para a Cidade de Águeda por conta de despejos de outras comunidades foram morar na Mangueira (em especial devido ao trabalho, costumes, cultura local e criação de animais).

A urbanização do bairro é recente, tendo sido instalada energia elétrica em 1998 e água em 2001. A reivindicação das famílias é a permanência na área e sua imediata regularização fundiária, garantindo assim seu direito à moradia e à cidade sustentável.

3.4. Conjunto Habitacional – Cidade de Águeda

Cidade de Águeda é um bairro construído há 4 anos, em área da Prefeitura, fora da área central, no caminho em direção a Pelotas. O propósito da criação do bairro foi abrigar moradias populares e implementar a política de produção habitacional municipal, contando atualmente com 580 familias. O projeto inicial previa 430 casas, para famílias inscritas em diversos programas habitacionais, como MorarMelhor (moradores de áreas de risco) e outros programas para moradia de população de baixa renda (PSH e 460). Além disso, houve uma ocupação por 150 famílias de sem-tetos há cerca de nove anos.

Atualmente está em construção estão sendo construídas 300 novas unidades habitacionais. Conforme placa indicativa do projeto, o valor aproximado das casas é de R$ 11.000,00, totalizando R$ 3.450.000,00.
No entanto, o projeto conta com três problemas críticos: a localização do bairro (14km da cidade), a habitabilidade das casas (27 m2 em terrenos de 6x20m e baixa qualidade técnica) e a infra-estrutura do bairro (sem posto de saúde, escola, policiamento, saneamento, transporte urbano, pavimentação, etc).

O projeto inicial previa também a construção de galpão de reciclagem e distribuição de cestas básicas, o que não foi feito. Atualmente a maior parte das famílias trabalha com coleta de material reciclável (extremamente dificultada pela distância até o centro da cidade) e com auxílio de programas governamentais (como o Bolsa-Escola). Além disso, a maior parte dos funcionários trabalhando na construção das novas moradias reside no bairro.

Dessa forma, o bairro é composto por famílias de diversas regiões da cidade, desde moradores de áreas centrais (com empregos formais) até pescadores, trabalhadores portuários e catadores e material reciclável. Dependendo do programa habitacional em que a família está inserida, ela deve pagar um valor mensal pela moradia, não sendo todas as casas construídas em programas habitacionais a fundo perdido.

O grande medo de boa parte da população da área de expansão portuária é a remoção para a Cidade de Águeda, já que além da distância, as moradias são de baixa qualidade, tamanho reduzido para o número de membros da família e a infra-estrutura urbana é precária. No entanto, este bairro tende a receber diversas famílias no caso de despejos das outras comunidades visitadas durante a missão.

3.5. Bairro Getúlio Vargas

Getúlio Vargas é um bairro consolidado em Rio Grande, formado por uma população que trabalha no porto ou atua com coleta de material reciclável. As famílias moram, em sua totalidade, em casas, abrigando no mesmo lote até 3 famílias (filhos e netos, em casas separadas).
Há no bairro uma forte organização da população, que tem conseguido discutir o projeto de expansão portuária. A remoção das famílias é justificada pelo Porto devido ao alargamento das vias próximas ao muro que separa o Porto da comunidade. Inicialmente a ampliação seria em 50 metros, mas graças à forte mobilização da comunidade a proposta atual foi reduzida para 15 metros.

A infra-estrutura do bairro é bastante precária, sem pavimentação e algumas casas próximas ao muro precisem de melhorias para garantir a segurança dos moradores. A grande reivindicação das famílias é a permanência na área, sua regularização fundiária e urbanização.
A prefeitura realizou o cadastro das 377 famílias atingidas e apresenta como proposta a realocação de 320 famílias em moradias horizontais, o que certamente não contempla as famílias acostumadas em casas e que criam animais, guardam carroças e material reciclável como sua atividade econômica principal.

A área destinada para este projeto comporta somente edifícios de apartamentos de cinco pavimentos, com apartamentos de dois dormitórios (38m²) e de um dormitório (30m²). Cada apartamento seria destinado para cada morador de um terreno, o que implica, por exemplo, a moradia de 10 pessoas de três famílias distintas em 38m² apenas. O recurso para construção é do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento e, segundo a prefeitura, o projeto não pode ser alterado por já se encontrar em fase de aprovação na Caixa Econômica Federal.

Além disso, mais famílias serão posteriormente atingidas pela ampliação da linha férrea, também adjacente ao bairro. As associações locais estimam, nesta segunda etapa, a ameaça de remoção de até 400 famílias.

3.6. Santa Tereza

Assim como o Bairro Getúlio Vargas, Santa Tereza é um bairro consolidado e que está ameaçado de remoção de famílias por conta da ampliação da via de acesso junto ao muro do Porto. Serão despejadas 154 famílias e 20 famílias serão atingidas com perda de parte de seus terrenos.

Santa Tereza é uma comunidade composta por pescadores e trabalhadores portuários, existente há mais de 80 anos. Não está claro para os moradores o motivo do deslocamento, existindo boatos de construção de novo cais ou de ampliação do Dique Seco.

Além disso, ainda não foi apresentado nenhum projeto de realocação das famílias em nova área, havendo propostas de remoção para a Cidade de Águeda ou para prédios de apartamentos. Nenhuma das propostas contempla as famílias: moradias horizontais mostram-se inviáveis pelos motivos já expostos quando ao Bairro Getúlio Vargas, e a Cidade de Águeda é um bairro afastado do centro da cidade e, principalmente, afastado da orla marítima, fonte de renda de grande parte das famílias atingidas.

4. VIOLAÇÕES IDENTIFICADAS PELA MISSÃO RIO GRANDE

Em todos os casos acima relatados, percebe-se um nítido desrespeito aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, tanto individuais quanto coletivos. Mesmo partindo das violações ao direito à moradia e à cidade, o relatório acaba por apresentar uma longa lista de desrespeito a outros direitos sociais, como a educação, a segurança, a proteção à infância, a assistência, a saúde, a água, ao meio ambiente e outros.

Com base no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e outros documentos normativos internacionais a partir da análise dos resultados e informações obtidas na cidade do Rio Grande, a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Moradia Adequada e à Terra Urbana da Plataforma DhESCA registrou várias violações que fere os direitos humanos como a falta de:

I. Política pública de habitação que garanta os interesses da população com menor rendimento econômico, sendo explicito o interesse do desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social;
II. Condições humanas de habitabilidade, de sustentabilidade e de segurança para as famílias que moram nas comunidades da cidade e que vivem em constante medo pelas ameaças de despejos;
III. Informações precisas dos projetos de ampliação do Porto do Rio Grande, não sendo apresentados nem discutidos com a comunidade que será atingida;
IV. Garantia do direito à cidade pela população de baixo poder econômico que estão ameaçadas de serem realocadas;
V. Respeito humano pela exclusão social imposta às famílias assentadas na Cidade de Águeda;
VI. Respeito aos direitos humanos e atuação arbitrária, de acordo com as denúncias apresentadas pelas comunidades;
VII. Intimidação contra a organização dos moradores, que lutam em defesa de seus direitos;
VIII. Ameaça psicológica aos moradores das comunidades visitadas pela relatoria;
IX. Ausência de ações de cunho social voltada à expansão da renda familiar e a melhoria das condições das famílias economicamente vulneráveis na Cidade de Águeda;
X. Implementação do direito a educação pela falta de unidades escolares para atender o grande número de crianças existentes na Cidade de Águeda;
XI. Garantia do direito à educação das crianças que trabalham nos galpões de pesca e estão fora das escolas;
XII. Efetivação do direito a saúde pela falta de saneamento básico e de unidade de atendimento à saúde e o baixo nível econômico da população, sendo que um grande número de famílias encontra abaixo da linha de pobreza;
XIII. Garantia do direito de ir e vir pela falta e/ou inadequação do transporte público e outras violações presentes no bairro;
XIV. Efetivação do direito à moradia adequada, com várias famílias residentes em casas horizontais ameaçadas de serem realocadas em apartamentos;
XV. Respeito ao direito ao trabalho, com ameaça das famílias dos pescadores que forem removidas para lugares longínquos perderem seu meio de sobrevivência.

5 – RECOMENDAÇÕES SUGERIDAS PELA RELATORIA DO DIREITO HUMANO À MORADIA ADEQUADA E TERRA URBANA

A realidade vivida pela população de baixa renda da cidade do Rio Grande fez com que a Relatoria da Moradia sugerisse várias recomendações ao Estado que possam sanar as violações do direito à Moradia Adequada e à Cidade:

5.1 – Ao Estado Brasileiro

A Relatoria registra que a Constituição Federal de 1988 traz a moradia como um direito fundamental social – o direito à moradia. A moradia foi incluída como direito social por meio de uma emenda constitucional fruto de luta dos movimentos sociais:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
A Constituição em seu Art. 5 assegura a todos o direito à propriedade, determinando, ainda, que toda a propriedade deverá cumprir com uma função social.

O Art. 182 da referida Constituição define que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções urbanas da cidade e garantir o bem-estar de todos e de todas.

O Estatuto das Cidades no seu bojo normativo cria todo um arsenal de obrigações estatais para a efetivação do direito à moradia adequada e à cidade digna, cabendo ressaltar a exigência dos planos diretores, discutido em audiências públicas e os Conselhos das Cidades, como mecanismos de uma política urbana pautada pela gestão democrática das Cidades.

A Relatoria Nacional da Moradia realça que o Brasil aderiu a grande parte dos trados internacionais em 1992, entre estes o Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1991) que define que o direito à moradia adequada englobe não só a questão da habitação, mas sim uma condição de vida digna que tem relação direta com a efetivação de vários outros direitos humanos. E, nesse sentido, estabelece que a moradia adequada deva incluir:

i. A segurança jurídica da posse;
ii. O acesso a serviços e infra-estrutura necessários à saúde, segurança, conforto e alimentação;
iii. Possibilidade financeira de custeio;
iv. A moradia deve ser habitável, servindo também de proteção contras as intempéries naturais;
v. Acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida;
vi. Localização, com acesso a opções de emprego, serviços de saúde, escolas e outras facilidades sociais
vii. Adequação cultural, em relação à forma da construção, aos materiais usados e demais requisitos relacionados à expressão da identidade cultural.

5.2 – Aos participantes da audiência pública:

Quanto ao Monitoramento a relatoria propõe a criação de uma Comissão Permanente de Prevenção, Acompanhamento e Monitoramento dos Conflitos Fundiários com representantes das comunidades, das entidades e das instituições públicas que participaram da Audiência pública e que lutam pelo direito à moradia e a cidade no Rio Grande. Entre estas citamos: Superintendência do Porto de Rio Grande, Secretaria Municipal de Planejamento, Câmara de Vereadores, Caixa Econômica Federal, Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público Estadual em Rio Grande, Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Pró-Reitoria de Extensão da FURG, Relatoria do Direito Humano à Moradia, Fórum Nacional da Reforma Urbana (Regional Sul), COHRE, Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), comunidades dos Bairros Getúlio Vargas, Barra Nova, Barraquinhas, Santa Tereza e Mangueira, Central dos Movimentos Populares – CMP, Força Sindical, Comitê do Fórum Social Mundial, Comitê de Cidadania e CUT – Central Única dos Trabalhadores.

5.3 – À Prefeitura, Governo do Estado e Governo Federal:

Quanto à expansão do Porto do Rio Grande:
i. Que todo e qualquer projeto ao ser elaborado assim com as e obras a serem executadas sejam apresentadas e discutidas com a comunidade a ser atingida;
ii. Que as administrações do Porte garanta o direito as informações as comunidades que serão atingidas pela expansão do Porto;
iii. Que as administrações do Porto do Rio Grande garante o direito à moradia e o direito a cidade das famílias que moram na região;
iv. Que as administrações do Porto garante o direito ao trabalho das famílias que vivem da pesca e que moram nas vilas de pescador: Mangueira, Barra Nova e Barraquinha;
v. Que todos os processos administrativos ou judiciais que visam ao deslocamento forçado das comunidades da Barra Nova, Santa Tereza, Mangueira, Barraquinhas e Getúlio Vargas sejam suspensos;
vi. Que o Porto fortalece o dialogo com a comunidade.

Quanto às comunidades Barra Velha, Mangueira, Barraquinha, Bairro Getúlio Vargas e Santa Tereza

i. Estabelecimento de convênio de cooperação técnica entre a União, por meio do Ministério das Cidades, visando o desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a qualificar e acelerar o processo de regularização fundiária em Rio Grande;
ii. Assessoria jurídica da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul para as comunidades das vilas relacionadas para CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA individual ou coletiva;
iii. Urbanização adequada para as comunidades de forma que seja garantido o convívio social das famílias que ali vivem há décadas;
iv. Garantir as características culturais e sociais das famílias que vivem há décadas nas comunidades;
v. Garantir o direito ao trabalho das pessoas que vivem da pesca e da coleta de material reciclável;
vi. Garantir o direito à educação das crianças das comunidades;
vii. Realizar campanhas e fiscalizações para a erradicação do trabalho infantil;

Quanto à cidade de Águeda – Conjunto Habitacional para Baixa Renda:
i. As unidades habitacionais a serem construídas devem proporcionar tecnologia e espaço adequado para as famílias;
ii. Implantação da infra-estrutura urbana (saneamento básico, acesso à água potável de qualidade etc.)
iii. Implantação de serviços/equipamentos urbanos básicos (posto de saúde, creche, escola, posto policial etc.) para a garantia de vida e do direito à cidade sustentável aos habitantes;
iv. Inclusão das famílias nos programas sociais federais, estaduais e locais de redistribuição e apoio à geração de renda;
v. Garantia da tarifa social de energia para as famílias de baixa renda;
vi. Ampliação das linhas e melhoria do transporte urbano;
vii. Garantir o direito ao trabalho das pessoas que ali moram

Nesse sentido, a Relatoria sugere a ampla participação do Governo Federal através do Ministério das Cidades, da Caixa Econômica Federal, da Casa Civil, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Secretaria de Patrimônio da União e do Ministério Público Federal para cessar as violações dos DhESCA na cidade de Rio Grande.

Relatora Nacional para o Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana
Arquiteta Lúcia Maria Moraes
E-mail: lucia.dhescmoradia@gmail.com
Telefones: (62) 3202 1620 / Fax: (62) 3202 2161 / (62) 92518244

Assessor da Relatoria Nacional para o Direito à Moradia Adequada e Terra Urbana / Voluntário das Nações Unidas (UNV/PNUD)
Advogado Marcelo Dayrell Vivas
E-mail: moradia@dhescbrasil.org.br e marcelo@cdh.org.br
Telefones: (31) 3292-5397 / (31) 9281-7568 / (11) 8326-3040