09/08/2011 10:38
Lívia Duarte
O acidente nuclear em Fukushima abriu os olhos do mundo, novamente, para os riscos em torno da produção de energia nuclear. Na Alemanha, por exemplo, a reação à tragédia japonesa veio com um plano de mudança da matriz energética e promessa de desativação de centrais atômicas até 2022. Já no Brasil, comenta Yuri Moraes, educador da Fase PE, a situação é diferente: recentemente o país reativou seu programa nuclear e no Plano Nacional de Energia está prevista construção de uma central atômica em Pernambuco.
Além das possibilidades de contaminação diante de acidentes, como foi o caso japonês, outros problemas como a disposição do lixo radioativo e toda a contaminação na cadeira produtiva, desde a mineração até a produção de energia, estão em cheque. Por meio de articulações e documentos como o Manifesto Antinuclear Brasileiro estes problemas são evidenciados, desmascarando o argumento de que a energia nuclear é limpa e seria um caminho viável para evitar o aquecimento global.
A Fase está no grupo de entidades que fazem parte da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e assina o manifesto publicado em maio, exigindo o fim do Programa Nuclear Brasileiro, a desativação das duas usinas em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, e o cancelamento da construção da Usina Angra 3. Entre outros pontos, o manifesto também requer a resolução imediata para os danos sociais e ambientais das localidades onde houve exploração de urânio ou instalação de depósitos de material radioativo, bem como justa indenização para seus habitantes e trabalhadores de instalações nucleares. Nunca é demais lembrar, como bem faz o manifesto, que a mineração em Caetité, na Bahia, é recordista em acidentes e multas ambientais (não pagas). A atividade vem contaminando a água no entorno da mina, ameaçando a integridade ambiental, a segurança alimentar e a saúde da população, com graves suspeitas de contaminação dos trabalhadores.
Moraes explica que desde que começou a tratar sobre o tema em Pernambuco, realizando a 1ª Oficina Nuclear do Nordeste em 2009, a Fase PE tem chamado atenção para a falta de transparência e debate público sobre as fontes de energia, especialmente a nuclear. Agora, com a realização da Semana Antinuclear de Recife entre 10 e 12 de agosto, ele espera que o tema volte à tona. Na opinião do técnico da Fase PE, também o recém-lançado Comitê Pernambuco da Rio+20 será lugar de diálogo sobre energia e as necessidades reais da população.
Leia a entrevista:
FASE – Depois da catástrofe de Fukushima, até a Alemanha renunciou à energia nuclear. Os planos de ampliação do uso de energia nuclear no Brasil mudaram de alguma maneira?
Yuri Moraes – O pronunciamento da Eletronuclear é de que não há razões para mudar o planejamento da implantação e retomada do Programa Nuclear Brasileiro. Mas não há debate sobre o tal programa. Ele não está na mídia e houve propostas de audiências públicas que foram suspensas aqui em Pernambuco. A justificativa dada foi de evitar uma reação “emotiva” baseada na tragédia do Japão ao invés de um debate técnico. Sabemos apenas, mesmo que extraoficialmente, que nada parou. Os planos de expansão do Programa Nuclear Brasileiro seguem como se nada tivesse acontecido.
FASE- O Plano Nacional de Energia até 2035 projeta a instalação de quatro usinas nucleares, uma delas possivelmente em Pernambuco. Como os movimentos sociais do estado têm lidado com essa questão?
Yuri Moraes – Tem uma certa incipiência neste debate por falta de conhecimento sobre o tema. Falta muita informação. Não se esperava, vamos dizer assim, até poucos anos atrás, que fosse haver essa retomada do Programa Nuclear Brasileiro. Quando surge a possibilidade de uma usina no nordeste, com planos para Salvador ou Recife, começou esse debate específico. Por isso, em 2009, a Fase realizou a 1ª Oficina Antinuclear do Nordeste. De lá pra cá, o debate ficou muito parado novamente, resultado da falta de informação ou de informações muito truncadas. Infelizmente, a dificuldade de interlocução por aqui é muito comum. Um exemplo drástico é o do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas, onde a participação social não está prevista nem no regimento – diz que a sociedade civil pode ser convidada a participar com direito a voz, nada mais. O mesmo acontece quando o assunto é a energia nuclear e, neste caso, toma novos contornos já que o argumento para o sigilo é de “segurança nacional”. No entanto, podemos perceber alguns movimentos do Estado, como a inauguração de um escritório da Eletronuclear em Recife no ano passado. Também está clara a decisão do governo de que a usina será em Itacuruba, às margens do São Francisco. O prefeito da cidade e deputados estaduais da região já se movimentam para que a usina realmente vá pra lá. Hoje, apenas o deputado estadual Daniel Coelho tem feito contraponto neste debate – e sem apoio do seu partido, o PV – e por isso realizou audiência sobre o tema em 29 de julho, apontando como possibilidades de reação a criação de uma frente parlamentar para estudar o tema.
FASE – O Fato de ter realizado uma oficina com o nome “antinuclear” já mostra uma posição sobre o tema. Que argumentos a Fase tem buscado incluir no debate sobre esta fonte energética?
Yuri Moraes – A questão vai além de dizer energia nuclear sim ou não. O que temos trabalhado mais é sobre a necessidade de expandir a produção de energia, ainda mais usando a matriz nuclear. Além disso, discutimos a questão da transparência e da participação popular na tomada de decisões. Portanto, hoje queremos debater sobre questões que são anteriores a temas como transporte, armazenamento e descarte de material radioativo. Começamos querendo saber se a população foi informada sobre os riscos que corre e se está disposta a tais riscos – ou se prefere investimentos em outras fontes de energia. Estima-se que o Brasil vai investir U$ 30 bilhões na retomada da Plano Nuclear. Diz-se que a energia solar hoje é muito cara. Mas será que continuaria sendo se o governo fizesse um investimento de grande porte como este?
FASE – E todos estes temas vão ser pauta da Semana Antinuclear que vai ser promovida em Recife?
Yuri Moraes – Estes debates que vão ser realizados nos dias 10 e 12 vão ser importantes para retomada deste assunto aqui na região e devem incluir estes temas. A iniciativa é do Movimento Ecossocialista de Pernambuco, que reúne movimentos sociais e também pessoas da academia. A Fase PE está ajudando apenas na mobilização e pela participação no Fórum Estadual de Reforma Urbana, que começou o debate sobre energia nuclear dentro da área de saneamento ambiental. Além de debates, a Semana Antinuclear também vai sediar o lançamento da Revista Ecos de Pernambuco e do cordel “Não queremos usina nuclear em Pernambuco, no Nordeste e no Brasil”. Também vale destacar que a questão energética, e especialmente os nossos debates sobre energia nuclear, vão estar presentes no Comitê Pernambuco da Rio+20 que foi lançado em 29 de julho. Já são doze, com a Fase, as entidades que fazem parte do comitê que tem o objetivo de articular o olhar de Pernambuco que vai ser levado para a Cúpula dos Povos no ano que vem.