07/07/2015 12:05

Encontro reuniu cerca de 70 pessoas. (Foto: Gilka Resende/FASE)

Encontro reuniu cerca de 70 pessoas. (Foto: Gilka Resende/FASE)

Em um varal, pregadores sustentavam fotografias e cartazes sobre a degradação causada pela expansão da ‘sociedade do petróleo’¹. Também pendurados estavam textos sobre a luta de comunidades tradicionais em defesa de seus territórios, ameaçados pela invasão de poços, dutos, portos e estaleiros. A quilombola Joice Cassiano, 33 anos, chegou bem perto da instalação, ficando diante de suas própria história. Pouco depois, foi a vez de Thalita, de 11 anos, parar ali e dizer: “Tenho orgulho dela”. Mãe e filha estiveram entre os cerca de 70 participantes do encontro de lançamento da Campanha “Nem um Poço a Mais”, realizado em Vila Velha, no Espírito Santo, entre os dias 26 e 28 de junho. O evento reuniu integrantes de comunidades quilombolas e de pescadores artesanais capixabas, da Bahia, do Ceará e do Rio de Janeiro. Junto a eles, integrantes de redes, organizações e movimentos sociais.

De acordo com os participantes do evento, a complexificação dos investimentos em estruturas de grande porte ligados ao Pré-sal e, no rastro destes, os projetos de mineração, logística, energia, dentre outros, têm gerado um acirramento sem precedentes dos conflitos nos territórios tradicionais. Em carta redigida ao final do encontro, destacaram ainda que as sucessivas denúncias da Operação Lava Jato “revolveram um pântano de irregularidades na qual a cadeia produtiva da indústria petroleira” está metida há anos. O documento destaca que o momento evidencia uma “incômoda verdade”: a de que “sem violações e crimes de todo tipo, esta indústria, da forma em que está estruturada, não opera”. Para as mais de 30 entidades assinantes, a atual crise exige uma reflexão sobre a petrodependência econômica e política do país. Diante dessa realidade,  lançam  a campanha a partir de suas “realidades, vidas e quereres”.

Marcelo Calazans, coordenador da FASE no Espírito Santo, explicou que a iniciativa pretende ser o mais horizontal possível, articulando grupos a partir de seus locais de atuação e de suas lutas específicas. “Temos que pensar algo que perpasse desde os territórios, e aqui principalmente os pesqueiros, os quilombolas, os indígenas, onde a extração do petróleo está posta e a expansão se dá, mas também questionar os usos absurdos do petróleo, como em guerras, no trânsito urbano, o lixo que gera. ‘Nem um Poço a Mais’ não significa que a sociedade petroleira vai acabar de hoje para amanhã. Não vai. Mas ‘Nem um Poço a Mais’ diz que não queremos que essa sociedade se expanda”, pontuou.

Troca de conhecimentos

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Participantes montem a rede que conecta as lutas dos grupos presentes no evento. (Foto: Gilka Resende/FASE)

A troca de conhecimentos entre os participantes foi feita de diferentes maneiras. Nos intervalos dos debates, crianças apresentaram, por exemplo, músicas e poemas relacionados à temática do encontro. “Suja nosso mar, polui nosso chão. Mata nossos peixes, nosso-ganha pão”, dizia um dos conteúdos sobre a contaminação com vazamento de petróleo. Em outro momento, os participantes seguraram fios de barbante representando uma rede e sugerindo que todas e todos do evento estavam conectados entre si e à natureza. Também houve a apresentação de outras campanhas, que nesse momento se somam à ‘Nem um Poço a Mais’.

Martilene Rodriguês, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), falou sobre a Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, demanda que se tornou ainda mais urgente diante dos planos de exploração do Pré-sal. Lançada em 2012, o objetivo é recolher a assinatura de 1% do eleitores brasileiros, o que equivale a quase 1,5 milhão de apoios, e propor uma lei de iniciativa popular. Para mobilizar, o movimento tem realizado marchas e eventos junto às comunidades pesqueiras. “Aqui no encontro a gente trocou experiências. A gente está conhecendo a realidade de outras pessoas que, assim como os pescadores, são atingidos por empreendimentos do petróleo e outros mais. Pessoas que também perdem o direito de morar, de plantar. Junto com a exploração do petróleo chega a exploração dos direitos”, disse Martilene.

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Fernando Fajardo apresenta a Campanha Yasunidos. (Foto: Gilka Resende/ FASE)

Já o equatoriano Fernando Fajardo trouxe a experiência da Campanha Ysunidos, que mobilizou em defesa de Yasuní, um parque nacional da Amazônia equatoriana, e ganhou ampla repercussão. “Yasuni é considerada uma das regiões mais biodiversas do mundo. Defendemos Yasuni não só por causa de suas árvores e passarinhos, mas também por causa de seus povos. Povos que decidiram viver da natureza. Recordemos que a natureza e o território não são nossos. Nós somos do território. Isso representa lembrar que a natureza nos deixa viver, fazemos parte da natureza. Lutamos para que esse vínculo com a Mãe Terra não se perca”, relatou. De acordo com Fernando, uma estratégia da campanha foi a de procurar a adesão de diferentes grupos sociais, em especial de jovens. “As pessoas diziam que não faziam política porque a política é má. E a gente dizia: olha, a política pode ser uma festa, pode ser alegre, vivemos a política, fazemos política todos os dias”, completou.

Desenvolvimento que não serve

A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou recentemente que realizará em outubro a 13ª Rodada de Licitações de Blocos de Petróleo e Gás Natural. O leilão envolverá novos 266 blocos a serem explorados. Notícias como essa deixam a marisqueira Eliete Paraguassú revoltada. “Chega de perder tudo que a gente tem para essas empresas. Basta!”, afirma ela, que vive em Ilha de Maré, Salvador, Bahia. De acordo com ela, que também é quilombola, sua região sobre com os impactos de poços em terra e de plataformas em áreas de pesca. “Só um caminho dividia as casas de taipa dos poços. Todas as plataformas estão no territórios pesqueiros, ou seja, nas coroas onde a gente costuma mariscar. A gente tem que dividir espaço de coroa com as plataformas de petróleo, e isso a gente não admite mais. A gente admitiu lá atrás, quando a gente não conhecia os direitos”, garante.

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Varal com imagens e textos sobre a luta antipetroleira. (Foto: Gilka Resende/FASE)

Um trecho da carta do encontro ressalta essa posição expressada por Eliete: “Nós dizemos que este modelo não nos serve, e não estamos dispostos a nos sacrificar e perder os nossos modos de vida em nome de um desenvolvimento que não nos diz respeito”. “Eles massacram a gente não é de agora. São quantos anos de escravidão? E olha o que a gente vem sofrendo aí até hoje. É uma suposta libertação, uma suposta carta de alforria. Desenvolvimento para mim é autonomia na cultura, na tradição. É alimentação saudável, são os nossos direitos. É vida plena”, completa Joice, moradora da Comunidade Quilombola Linharinho, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo. Lá, ela e sua família também resistem aos impactos do petróleo, assim como aos do monocultivo de eucalipto.

[1] Matéria de Gilka Resende, jornalista da FASE. Saiba mais sobre a campanha em areaslivresdepetroleo.wordpress.com.

Confira a mística final do encontro:

Acesse aqui a carta final do encontro de lançamento da Campanha “Nem um Poço a Mais”, evento chamado pelo programa da FASE no Espírito Santo, pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), pela Federação das Associações de Pescadores e Aquicultores do Espírito Santo, pela Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), pelo GT Petróleo da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e pela Oilwatch.