17/09/2015 10:51
Economia verde, REDD [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], financeirização da natureza, energias renováveis são termos que se ouve falar, mas que nem sempre se entende bem o que querem dizer. Apesar da pouca compreensão sobre estas questões, constantemente os noticiários narram as preocupações quanto ao aquecimento global, à emissão de gases poluentes na atmosfera, à poluição dos rios, aos altos índices de desmatamento, entre outros assuntos relacionados ao meio ambiente. Com o foco nesta temática, entre 24 a 27 de agosto, a Fundação Heinrich Böll realizou, em parceria com diversas organizações, entre elas a FASE e o Fundo Dema, a Conferência Latino-Americana sobre Financeirização da Natureza em Belém (PA).
O evento reuniu cerca de 100 participantes. Os dois primeiros dias foram dedicados à realização de quatro caravanas nos municípios de Barcarena, Abaetetuba, Igarapé-Miri, Acará e São Domingos do Capim. A partir daí os presentes, vindos de países como Equador, Costa Rica, México, Uruguai, Chile, Nicaragua, Colômbia, Peru, El Salvador, Honduras e Paraguai, além do Brasil, puderam problematizar os temas da Conferência. Maureen Santos, em entrevista à Radio Mundo Real, explicou que a escolha pela Amazônia como cenário para a realização do evento se deu em razão de a região ser considerada um espaço emblemático de lutas sociais em territórios atingidos por um modelo de desenvolvimento devastador e excludente.
“Cada uma dessas regiões tem alguns elementos em comum, como por exemplo o avanço do monocultivo da palma africana, que vem devastando o território da Amazônia. Você tem experiências de introdução da agroecologia em comunidades quilombolas. Algumas lutas de resistência por demarcação de território, não só indígena, como também quilombola. Tem experiências de pagamentos por serviços ambientais, especialmente nas regiões das ilhas perto de Abaetetuba, onde a economia verde vem trazendo esse espectro mais visível. Tem várias experiências de mineração, da indústria extrativa por conta do alumínio, mais na região de Barcarena, e por conta da Vale do Rio Doce, que está ali na região de Acará para a produção de carvão vegetal para biodiesel”, detalhou a integrante da Fundação Heinrich Böll.
Ao retornarem das caravanas para Belém, os participantes estiveram reunidos por mais dois dias. Foram levantadas questões em torno do mercado de carbono, dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), do REDD, da Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB) e de diversos outros mecanismos criticados por mercantilizarem os recursos naturais e os bens comuns.
Capitalismo Verde
Camila Moreno, integrante do Grupo Carta de Belém, disse que o processo de financeirização da natureza está mais naturalizado no cotidiano das pessoas do que se pensa. Chamado de ‘codificação dos intangíveis’, justamente por ser um processo que não se consegue tocar, ver ou cheirar, ele entra com facilidade no universo das mercadorias e da circulação internacional do capital. Um exemplo concreto disso são as sementes transgênicas. “No campo, os campesinos têm as sementes e aí [dizem que] é melhor produzir as sementes más. Mas ali não são sementes, porque ali estão os royalties que tem que pagar às empresas”, lembrou.
Analisando a apropriação da natureza a partir de uma reorganização tecnológica, produtiva e geográfica do capitalismo, Luiz Zarref, do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), destacou dois elementos fundamentais. O primeiro, segundo ele, se materializa no agronegócio e na utilização excessiva de agrotóxicos, já que a destruição da terra incita mudanças tecnológicas de forma a intensificar a produção de commodities. O outro elemento salientado foi a renda da terra a partir do pagamento a comunidades tradicionais para a manutenção de áreas compensem os desmatamentos.
“Aqui no Brasil isso tem se dado via Código Florestal. A partir desse código se diz que cada hectare de floresta no Brasil pode ser transformado em uma cota de reserva ambiental, que é um título financeiro que foi criado há três anos. E a partir disso, um latifundiário que está produzindo mil hectares de soja sem um palmo de árvore, de proteção de nascente, de Reserva Legal, ele pode ir à Bolsa de Valores e comprar essa cota de reserva ambiental. Mas antes dessa cota – aí temos a virtualidade comandando a materialidade – é necessário construir uma imensa base de dados no território brasileiro”, explicou Zarref. Ele também lembrou que esse mapeamento hoje está sendo feito com objetivos de mercado por “grandes aparelhos de hegemonia do capital internacional do ambientalismo”.
Comunicar para fortalecer as lutas
As organizações e movimentos destacaram que a financeirização da natureza vem acontecendo a partir de uma negação dos direitos dos povos de decidirem sobre o uso e convivência nos seus territórios e de reformas nas legislações e centralizações do mercado como ente promotor das políticas ambientais. Para apoiar a circulação de informações críticas sobre o tema e para fortalecer articulações no campo de resistência ao capitalismo verde, o Grupo de Trabalho de Comunicação da Conferência produziu os boletins informativos número 1 e número 2. Um vídeo elaborado coletivamente e editado pela Rádio Mundo Real também retratou um pouco das experiências vivenciadas nas caravanas e durante o evento.
* Com informações do Fundo Dema, da Radio Mundo Real e da Heinrich Böll.