17/10/2016 18:27
Maria Emília Pacheco¹
No dia 16 de outubro, desde 1981, por iniciativa da FAO, órgão do sistema das Nações Unidas que trata da Alimentação e Agricultura, celebramos o Dia Mundial da Alimentação. Mais de 150 países no mundo organizam diversas atividades e a data já é uma das mais destacadas do calendário da ONU. “O clima está mudando.
A alimentação e a agricultura também” foi o tema deste ano. “O que podemos fazer a respeito?”, pergunta a FAO. E responde sugerindo que lutemos contra as mudanças climáticas, mudando hábitos cotidianos e tomando decisões simples. Convida-nos a eleger algumas iniciativas como: conservar os valiosos recursos naturais do planeta, evitando desperdiçar água, diversificar a dieta, comprar produtos ecológicos, manter limpo solos e água; desperdiçar menos, comprar só o que se necessita, limitar o uso de plástico, escolher frutas e hortaliças com sabor e qualidade, sem se fixar na aparência; e, ainda, que sejamos conscientes como consumidores(as), mantendo-nos informados sobre as mudanças climáticas, usando bicicleta, caminhando ou viajando em transporte público.
Não há como refutar essas propostas e entender que somos instados como cidadãos e cidadãs a nos engajarmos na defesa dessa causa. Mas cabe-nos, sobretudo, perguntar sobre a responsabilidade dos Estados nacionais e da própria ONU. Não é a soma de ações individuais que responderá pelas ameaças, desafios e impactos no sistema alimentar no mundo sob o efeito das mudanças climáticas, elas próprias provocadas pelo modelo dominante de exploração da natureza, das práticas da agricultura convencional, do crescimento da indústria de alimentos ultraprocessados e da crescente adoção das medidas neoliberais pelos governos.
Nesse contexto, há resistência. É importante informar que durante a 21ª Cúpula sobre Clima, que em 2015 teve lugar em Paris, ocorreu a iniciativa de criar um Tribunal contra a Monsanto no Dia Mundial da Alimentação deste ano. Uma iniciativa emblemática que coloca em questão o poder das corporações.
A Assembleia dos Povos é um tribunal cidadão informal que acusa a Monsanto, gigante americana de produção de sementes transgênicas e fabricante de pesticidas, de cometer os crimes de “ecocídio”, em relação ao meio ambiente, e de violação dos direitos humanos. Cinco juízes profissionais internacionais ouviram 30 testemunhas, incluindo cientistas, agricultores e apicultores, durante os três dias dedicados a esta importante iniciativa. O tribunal dará um parecer consultivo legal destinado a alimentar as leis existentes, sobretudo, por meio da criação de jurisprudência no Direito Internacional.
Libertem nossas sementes! Libertem nossos alimentos! Estes são clamores dos camponeses e das camponesas, protestando contra o cerco crescente ao direito do livre uso da biodiversidade, contra os transgênicos, contra a ameaça de liberação da tecnologia “terminator”, mais conhecida como sementes suicidas. Os reais produtores de alimentos são os agricultores e as agricultoras familiares que garantem a preservação da polinização, a conservação dos solos e a biodiversidade como co-criadores e co-produtores da natureza. Eles fornecem cerca de 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas².
Mas os marcos regulatórios em debate atualmente, cada vez mais defendidos pelo poder do agronegócio e da indústria de alimentos, atendem aos interesses de mercado. Como se vê no Brasil, as ameaças de mudança da lei de cultivares, e a nova lei de acesso aos recursos genéticos, a flexibilização da lei de agrotóxicos e a proposta de pagamento por serviços ambientais colidem com o direito à alimentação adequada e saudável, com o direito às salvaguardas das expressões culturais da alimentação como patrimônio cultural de quem produz e também do direito dos consumidores (as).
Por isso, é fundamental que nos mobilizemos contra essas ameaças.
Depois de comemorarmos a saída do país do Mapa da Fome, em 2014, com a redução dos índices de insegurança alimentar e de redução da pobreza, estamos diante dos riscos de voltar a este lugar de indignidade e de violação dos direitos com a proposta da PEC 241 de congelamento de gastos públicos. Possíveis consequências das medidas previstas na PEC poderão ser a revogação ou alteração da política de valorização do salário mínimo e mudanças nas regras de acesso e valor dos benefícios previdenciários e assistenciais.
Programas com caráter emancipatório, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que em sua evolução determinou que pelo menos 30% dos recursos sejam investidos na compra direta de produtos da agricultura familiar, medida que estimula de forma sustentável a economia das comunidades, podem estar em risco, assim como o Programa Saúde nas Escolas.
“Nenhum direito a menos” é o clamor das organizações da sociedade civil. Por isso, o momento é de conclamar a população a resistir e a denunciar retrocessos e desmontes das políticas públicas no Brasil.
[1] Maria Emília Pacheco é antropóloga, assessora da FASE e atualmente atua como presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
[2] Dado oficial do então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).