04/10/2008 21:28
Fausto Oliveira
Recentes declarações da governadora do Pará, Ana Julia Carepa, trouxeram preocupação aos muitos movimentos e organizações sociais do estado. A governadora declarou que o Pará não abre mão do projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, que está planejada para usar as águas do rio Xingu para produzir energia. Diversos pontos de divergência ainda estão pouquíssimo esclarecidos, e teme-se que os danos socioambientais provocados pelo projeto sejam maiores do que o governo federal, autor da iniciativa, prevê.
Um destes pontos pouco esclarecidos diz respeito ao número de barragens que serão feitas no rio Xingu para pôr a usina em funcionamento. O governo do Pará afirma que apenas uma barragem será construída. Entretanto, os segmentos sociais críticos à usina já perceberam que, como a diferença do regime de chuvas nos períodos de seca e de cheia é muito grande, apenas uma barragem não dará conta de movimentar as turbinas pelo ano inteiro. Diante desta contradição econômica, a idéia de que o Xingu será afetado por apenas uma usina simplesmente não vem recebendo credibilidade. “Não se gasta bilhões para manter turbinas paradas, e o governo não assume que terá que fazer outras barragens”, diz Guilherme Carvalho, técnico da Fase Amazônia que acompanha a questão de Belo Monte.
Como se sabe, a região do rio Xingu é densamente habitada por indígenas. Eles dependem do rio para seguir vivendo, e não se deve esquecer que é uma obrigação constitucional do Estado brasileiro garantir a eles condições de sobrevivência com dignidade ao seu modo tradicional. Pois a hidrelétrica de Belo Monte é altamente questionada pelos indígenas da região do Xingu, entre outras razões, porque fará um desvio no curso do rio. Teme-se que muitos igarapés venham a secar, e que isso possa comprometer as condições de pesca e transporte fluvial dos indígenas. “Está claro que vai haver impactos mas o governo não dá sinal de tratar disso”, afirma Guilherme.
Um grande questionamento é a já clássica pergunta: energia para que e para quem? As hidrelétricas atualmente planejadas na região norte do Brasil são obras que atendem majoritariamente interesses empresariais. As organizações paraenses têm tentado levantar o debate, apontando que a energia de Belo Monte será em parte transferida para as regiões sudeste e centro-oeste, e a parte restante será usada quase toda por empresas que fazem uso intensivo de eletricidade, como a metalúrgica Alcoa. Assim como acontece com a já construída usina de Tucuruí. Um terço da produção de Tucuruí é comprada a preços muito baixos pela empresa Albrás, que é um consórcio da brasileira Vale com empresas de fora do país. Energia para empresas exportadoras que no território deixam mais depredação do que benefícios é uma opção que de fato não tem nada para ter a concordância dos povos da região.
Outra questão é a idéia de transformar os rios da Amazônia em hidrovias. O caso do rio Madeira, que tem quatro hidrelétricas planejadas para os próximos anos, é bastante ilustrativo. Ali, há a discussão sobre dinamitar parte das pedras que compõem o leito do rio, para que junto com as barragens, o curso possa ser estabilizado e assim ser usado como via de escoamento da produção agropecuária do centro-oeste e do norte. “O Xingu também tem problemas de navegabilidade, portanto ali também há riscos de intervenções mais fortes para fazer dele uma hidrovia”, afirma Guilherme. Vê-se que o debate não é simples e tampouco restrito à questão energética. Trata-se de um modelo integralmente voltado para conseqüências que não interessam às maiorias que habitam a Amazônia.