21/04/2017 18:02
Élida Galvão¹
“Remédio Bom” é a tradução de Pusanga Katu, dialeto indígena da língua Nheengatu que dá nome ao projeto desenvolvido pelas famílias da aldeia de Pinhel, no município de Aveiro, no Pará. Povos da etnia Maytapu², da comunidade situada em meio à Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns, na região do Baixo Amazonas, vivem basicamente da pesca, da criação de pequenos animais, da agricultura familiar e do cultivo de plantas medicinais nos quintais familiares.
Na área coletiva de 300 hectares em que habitam, as 30 famílias da aldeia contam com uma rica diversidade biológica que inclui a diversificação de animais silvestres, aquáticos, além das inúmeras espécies de aves e da grande variedade de frutíferas e essências florestais e a prática da medicina tradicional é tida como um costume herdado por gerações.
A partir dessa relação com a natureza, as famílias da comunidade resolveram atuar em proteção e pela garantia destes saberes e aproveitaram a oportunidade com lançamento da primeira Chamada Pública de Apoio a Projetos Socioambientais do Fundo Indígena do Xingu (FIX), lançada pelo Fundo Dema em parceria com o Fundo Amazônia. As famílias da aldeia Maytapu, por meio da Associação Indígena Patauí de Pinhel do Povo Indígena Maytapu Aipapi, passaram a desenvolver o projeto Pusanga Katu, com objetivo de resgatar e fortalecer o conhecimento da medicina tradicional, contribuindo para a valorização e preservação da vegetação nativa existente na Terra Indígena (TI) de Pinhel.
Enquanto patrimônio cultural da comunidade, a medicina exercitada a partir de matéria-prima natural leva em consideração, sobretudo, o comprometimento com a cidadania e com a natureza, estabelecendo respeito à dignidade humana, à construção coletiva e à diversidade biológica e cultural. Assim, com foco na valorização da floresta, a produção caseira de medicamentos envolve o conhecimento e o uso de ervas, raízes, folhas e cascas utilizadas para no tratamento de enfermidades.
Valorização do conhecimento
Nascida e criada na aldeia, Margareth dos Santos tem acompanhado todas as etapas do projeto. Professora de língua portuguesa e artes na escola de ensino fundamental do município, ela sabe bem a importância de repassar às crianças os costumes indígenas. “No dia da oficina, por exemplo, convidamos todos a participarem da produção, para as palestras sobre como são feitos os remédios, quais são as plantas medicinais que compõe cada comprimido e como o projeto envolve também a questão da educação, a gente acaba incluindo esses e outros saberes para estimular adultos e crianças”, explica.
De acordo com a professora, a parceria com o Conselho Indígena Missionário (CIMI) possibilitou o intercâmbio de conhecimento entre seus familiares e os ensinamentos em fitoterapia compartilhados pelo Frei Amarildo Mascarenhas. Para ela, a trajetória foi muito boa, pois os indígenas trocaram experiências aproveitando o conhecimento dos mais antigos. “Foi uma troca de experiência que está servido pra esse trabalho que estamos fazendo hoje, que é a produção de remédio a partir das plantas que já tínhamos cultivado e outras que passamos a conhecer”, avalia.
Perspectivas de um Bem Viver
Além da produção de medicamentos, o projeto também prevê a reforma do barracão comunitário como suporte para a exposição e comercialização dos produtos naturais, e ainda a construção de um viveiro para plantação de mudas de essências medicinais. Com a etapa de produção de medicamentos concluída, os indígenas já geraram mais de 50 vidros de pomada, 18 litros de xarope, dezenas de pílulas para verme, reumatismo, inflamação na garganta e garrafadas³ para diversos outros tipos de enfermidades. Todo esse material, assim como o serviço delas, já está sendo divulgado na comunidades e aldeias vizinhas. “Até o momento, temos um bom resultado. A nossa farmácia ainda não ficou pronta, mas estamos trabalhando porque pretendemos colocar nas prateleiras nossa produção”, relata Marilza Tuchaua.
Tuchaua conta ainda que a produção de medicamentos envolve cerca de 100 pessoas, sem distinção de idade ou gênero. “Todas as famílias da comunidade trabalham no projeto. Quando a indígena não pode trabalhar, o esposo vai e para nós isso não faz diferença”, afirma. Essa união tem fortalecido a comunidade, que pretende dar continuidade à ação que visa democratizar o acesso à saúde, levando em conta, porém, o equilíbrio com os seres e a harmonia com a natureza. “Agradecemos o apoio dado porque não tínhamos como dar continuidade a esse trabalho. O projeto veio para fortalecer. A partir de agora, com a finalização do projeto, vamos conseguir prosseguir com o trabalho e iniciar a divulgação com panfletos”, conclui Margareth.
[1] Comunicadora do Fundo Dema, do qual a FASE é parte.
[2] Em português, Maytapu significa “agrupamento de muitas etnias”. Os relatos dão conta de que esta etnia foi constituída pela junção de várias etnias, como Tapuia, Bulgre e Tupinambá. Foragidos de combates entre índios e portugueses, no período da Revolução Cabana (1835-1840), os indígenas se agruparam na floresta para garantir a sobrevivência. Assim, o conflito cultural foi inevitável, especialmente em relação às línguas faladas.
[3] Mistura de ervas, cascas e raízes naturais da Amazônia.