20/06/2017 12:33
Paulo Demeter e Veronice Souza¹
Apesar do contínuo bombardeio de ideias que reproduzem o individualismo e a competição, esforços feitos por agricultoras e agricultores familiares demonstram que iniciativas pensadas e implementadas coletivamente são capazes de conquistar melhorias nas condições de vida de pessoas que decidem caminhar juntas. O programa da FASE na Bahia vem acompanhando processos com esses princípios nas regiões baianas do Baixo Sul e do Vale do Jiquiriça. Educadores populares, que agem junto a parceiros como movimentos sociais, organizações e sindicatos, percebem a necessidade de sempre criar e recriar alternativas para o fortalecimento da agricultura familiar.
Estando atentos às novas demandas em cada um dos oito municípios em que a FASE atua², associações e a Cooperativa dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, Economia Solidária e Sustentável dos Municípios de Mutuípe e do Vale do Jiquiriçá (Coopeípe) são informadas a respeito da existência de oportunidades de acesso a recursos para ampliar e diversificar a produção de alimentos realmente saudáveis. Iniciativas comunitárias relacionadas a plantios e à agregação de valor aos alimentos, por exemplo, vêm sendo acompanhadas com a preocupação permanente de encontrar frentes de trabalho que se complementem e gerem sinergias.
Um caso promissor é o que vem se verificando com grupos de mulheres agricultoras que trocam experiências na busca e na implementação de alternativas de geração de renda, consagradas à conquista de maior autonomia econômica. São iniciativas de agroindustrialização da produção, como de frutas para obtenção de polpas congeladas, geleias e doces. Ou então da fabricação de pães, bolos, temperos e biscoitos, utilizando o máximo possível de ingredientes locais. Essas iniciativas reconhecem e valorizam os saberes e as habilidades das mulheres, resgatando a cultura alimentar de comunidades e potencializando o aproveitamento dos poucos espaços disponíveis nas propriedades familiares da região que, em sua absoluta maioria, são de tamanho reduzidíssimo.
Também cabe destacar a trajetória percorrida por famílias agricultoras para acessar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) desde 2009, quando foi feita a nova lei que regula a merenda nas escolas públicas brasileiras. A ação de agricultoras e agricultores vem provando que para transformar realidades é preciso juntar os pensamentos e estar constantemente atualizado sobre as mudanças no contexto, de modo a adaptar-se aos novos obstáculos. Nesse sentido, o ano de 2017 possibilitou a ampliação no número de municípios que lançaram Chamadas Públicas do PNAE, com mais respeito à legislação vigente, bem como trouxe tímidos avanços na operacionalização do Programa nas unidades escolares da rede estadual no estado da Bahia.
Em meio aos avanços, novos desafios foram surgindo para a FASE e seus parceiros. Nem sempre os grupos de mulheres, por exemplo, têm recursos disponíveis e infraestrutura adequada de armazenamento para atender à grande demanda proveniente de um contrato de fornecimento ao PNAE, assinado após disputarem uma Chamada Pública. São grupos pequenos, com pouco capital de giro e quase sempre sem condições de armazenar grandes quantidades de ingredientes para serem utilizados, ao longo de quatro, seis ou até mais meses, na elaboração de produtos a serem consumidos pelos estudantes nas escolas atendidas pelo Programa com produtos da agricultura familiar. As entregas de alimentos, sejam in natura ou processados, têm de ser regulares e não podem sofrer atrasos.
Diante disso, foram importantes não só para divulgar o potencial de produção local e regional, mas também para elevar a autoconfiança de famílias agricultoras em sua capacidade de assumir a responsabilidade pelo suprimento da alimentação escolar. Outra saída tem sido a utilização de recursos do Fundo Rotativo e Solidário (FRS), fomentado pelo Fundo SAAP. Grupos de Mulheres de São Miguel das Matas, de Mutuípe, de Laje, dentre outros municípios da região, fizeram empréstimos junto ao Fundo, em variadas situações, seja para responder às demandas de contratações do PNAE ou de eventos, ou para fornecer alimentação durante a realização de uma Jornada Pedagógica na abertura do ano letivo. Estes são apenas alguns dos exemplos de como a conquista de novas alternativas de comercialização, com certa previsibilidade em termos de quantidade e tipo de produtos demandados, permite aos Grupos de Mulheres se planejarem e viabilizarem um acesso regular à renda.
Diante dessas experiências, analisamos que o fortalecimento da agricultura familiar passa pela existência de formas concretas de associação e cooperação, seja no âmbito da produção, da agregação de valor aos alimentos, como também na comercialização e qualificação de suas organizações e nas ações pela garantia e defesa de seus direitos. Além disso, o trabalho de agricultoras e agricultores familiares tem promovido a transformação de realidades. Suas experiências permitem o abastecimento das escolas com alimentos produzidos localmente, evitando o transporte por grandes distâncias e fortalecendo a economia regional.
Percebemos, ainda, a ampliação do controle exercido pela sociedade civil no PNAE, por meio de conselhos municipais de políticas públicas em diversos municípios da região. Mais pessoas e organizações querem saber o que é e como vem funcionando o Programa. Isto é positivo e pode despertar parcelas crescentes da população para que exerçam o controle social sobre um número maior de políticas públicas e de programas governamentais que afetam a qualidade de suas vidas.
[1] Respectivamente, coordenador e educadora do programa da FASE na Bahia.
[2] Esse trabalho é possível por meio do apoio da União Europeia. O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.