20/07/2017 13:08

Lilian Campelo¹

Diante do avanço de empreendimentos que estão causando impactos ambientais, a comunidade quilombola de Abacatal, no Pará (PA), está construindo o protocolo de consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais. Situada em Ananindeua, município que integra a região metropolitana de Belém (PA), os comunitários se reuniram para ler e aprovar do texto, com previsão para o lançamento em agosto.

Ouça a reportagem: 

Mapa da rodovia Liberdade com propostas de traçado. (FASE / AM)

A construção do texto para o protocolo, que utilizou como base uma consulta feita pelos Mundurukus, começou há três meses. A comunidade contou com a colaboração de parceiros em reuniões e oficinas sobre os princípios da Convenção 169. Em um processo de empoderamento e participação política, homens, mulheres e jovens, trabalharam sobre o texto, debatendo, tirando dúvidas, criando um documento com a identidade da comunidade para definir como desejam ser consultados com relação à construção de grandes empreendimentos.

Pressão

Vanuza Cardoso, coordenadora da Associação de Moradores e Produtores Quilombolas de Abacatal/Aurá (AMPQUA), afirma que a comunidade vem sendo pressionada pelo processo de urbanização. A preocupação aumentou depois que souberam da possibilidade da construção de uma rodovia. Vanuza possui poucas informações sobre o projeto, mas sustenta que o traçado irá bloquear o acesso ao território tradicional. “Vai cortar diretamente a via que dá acesso a comunidade e cortando essa via, ela vai impedir a gente de passar”, explica. Raimundo Nonato Cardoso, pai da coordenadora, lembra que no dia 13 de maio de 1999 foi feita a entrega do título definitivo à comunidade e naquele momento ele pensou que a luta tinha acabado. “Eu pensei que ia terminar a nossa luta no dia que a gente pegasse o título, mas não terminou, foi pior. Hoje, no dia a dia, temos uma luta muito árdua”, constata.

Maria Dalvina no quintal de casa. (Foto: Lilian Campelo/BrF)

De acordo com o site da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme), a rodovia, denominada Liberdade, será um eixo rodoviário alternativo à BR-316, e irá partir de Belém até o município de Castanhal. Segundo o consultor da FASE, Tarcísio Feitosa, os Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) serão realizados pela empresa Terraplena.

No Diário Oficial de 4 de janeiro de 2017, consta a informação de que a empresa foi autorizada em 2015 a iniciar os estudos preliminares de viabilidade, que foram concluídos em 2016 e, no mesmo ano, a empresa deveria fazer a apresentação do resultado preliminar ao governador do PA, para assim prosseguir com a elaboração do EVTEA. Porém, naquele momento, os resultados não foram apresentados.

Diante da possível ameaça, Vanuza argumenta que para garantir que mais nem um empreendimento seja implementado sem que a comunidade seja consultada, os moradores decidiram construir o protocolo. “Falar do protocolo é uma maneira de ser consultado porque a Convenção 169 diz que temos o direito de sermos ouvidos, de sermos respeitados. E isso não acontece no Brasil. Que fique claro que a gente não é contra o progresso, desde que ele esteja adequado a comunidade e seja respeitada na sua vivencia e na sua identidade”.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato por e-mail e por telefone com a Sedeme para apurar se o EVTEA foi concluído e se é possível afirmar que a rodovia irá bloquear o acesso dos moradores à comunidade, mas não houve retorno até o fechamento da edição. 

Já a Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) afirmou em nota que existe uma carta consulta tratada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor). Haverá ainda consultas aos órgãos que estão intermediando o projeto. À comunidade  “a rodovia praticamente incide sobre a comunidade e, dependendo dos resultados dos procedimentos relacionados a consulta, o traçado da rodovia pode ser ajustado”.

Estrada que dá acesso à comunidade quilombola é margeada por conjuntos habitacionais. (Foto: Lilian Campelo/BrF)

Impactos ambientais

A comunidade de Abacatal tem 304 anos e está há dez quilômetros da BR-316. Ao longo da estrada de chão batido, casas do Programa Minha Casa Minha Vida estão sendo construídas e o esgoto dessas residências cai no igarapé que abastece a comunidade. A estrada que dá acesso a comunidade é conhecida como estrada do Aurá, nome que batiza o bairro do entorno e que também abrigava um enorme lixão a céu aberto.

Outra degradação ambiental observada pela reportagem é a extração mineral às margens da estrada que dá acesso à comunidade. Enormes “curvões”² foram formados, segundo Vanuza, por causa das empresas de construção que retiravam areia, argila e área branca do subsolo para utilizar em obras de pavimentação.

Na comunidade vivem cerca de 122 famílias, aproximadamente 500 pessoas, algumas exercem atividades na cidade, mas também trabalham com a agricultura familiar como Maria Dalvina, 51 anos, que “nasceu e se criou na comunidade”, como conta. Muitos vivem da plantação e produção dos derivados da mandioca como a farinha de tapioca, goma e o tucupi³ vendidos na Feira do Produtor, organizada pelos próprios comunitários. Assim como outros moradores, Dalvina possui no quintal as árvores frutíferas de açaí, rambutan⁴ e banana, que em época de safra aumenta a renda.

[1]Para o Brasil de Fato, onde a matéria foi publicada originalmente. Edição: Mauro Ramos.

[2] Crateras.

[3] Sumo amarelo extraído da raiz da mandioca e muito utilizado na culinária paraense.

[4] Fruto muito abundante no Sudeste Asiático, sobretudo na Tailândia.