30/03/2007 15:37
Gloria Regina Amaral
Nesta quinta-feira, a Universidade do Estado da Bahia, através do Centro de Estudos dos Povos Afro e Indígenas Americanos (Cepaia), entregou o Troféu Zeferina, que contempla mulheres negras e indígenas que se destacaram na luta por direitos coletivos em suas comunidades de origem. Neste segundo ano de premiação, Núbia Batista da Silva, técnica em educação não formal da Fase Bahia, é uma das dez homenageadas por sua fundamental atuação no processo de etnogênese do povo Tupinambá de Olivença.
O prêmio recebe o nome de uma negra que, no ano de 1826, lutou à frente do Quilombo do Urubu, na Bahia. Segundo os organizadores da premiação, Núbia, que é uma Tupinambá de Olivença, foi escolhida por “sua capacidade de organização e seu esforço firme e persistente, fundamentais para dar início ao processo de reorganização e reelaboração identitária do seu povo.” Fazendo jus ao nome (Nubiã – nome tupi que designa um instrumento de sopro tocado pelos Tupinambás para reunir o povo em assembléia) Núbia conseguiu, com seu esforço e determinação, ajudar a organizar e animar sua comunidade para que o povo Tupinambá de Olivença tivesse sua identidade reconhecida pela Funai em 2000.
Quando recebeu a notícia da premiação, Núbia nem acreditou. Primeiramente pensou que não havia feito nada demais pra merecê-lo, mas depois entendeu que esse prêmio é uma forma de reconhecimento da luta, não apenas dela, mas de muitas mulheres que trabalham no anonimato pelos direitos de suas comunidades: “Esse prêmio não me pertence… pertence ao Povo Tupinambá de Olivença que com a minha contribuição conseguiu se reerguer. E às forças divinas que me movem. Para mim e para o Povo não tem outra explicação: recebi esse prêmio por que me dispus a estar aqui com meu povo e essa força divina, muito iluminada que nos move” . Núbia continua: “Esse prêmio também é da Fase, pois se não tivesse tido esse apoio, se a entidade não tivesse assumido a luta da questão indígena, eu não teria tido a liberdade e as condições necessárias pra desenvolver esse trabalho”, afirma Núbia.
Desde 1995, como fundadora e primeira secretária do Caporec, Coletivo dos Alfabetizadores Populares da Região Cacaueira, esta índia nascida em Ilhéus e ainda estudante de pedagogia, movida pelas questões ligadas à identidade de seu povo e de sua própria educação formal, volta à aldeia, de onde sua mãe saíra com quinze anos de idade. Núbia conhece a índia Pedrísia Damásio Oliveira e a encaminha para ser alfabetizada no Caporec. Pedrísia vem a ser a primeira professora da aldeia formada pelo Coletivo e junto com Núbia começa, em 1996, uma luta pela alfabetização na comunidade. Em 1999, já pedagoga formada pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Núbia começa a trabalhar na Fase, onde continua sua luta pela conquista do direito à educação escolar diferenciada para os Tupinambás de Olivença. E foi através dessa luta pela educação diferenciada de seu povo que ela acabou conseguindo organizar a comunidade para outras duas: pelo reconhecimento étnico e pela demarcação do território Tupinambá de Olivença.
A visita de um GT da Funai para estudos da área, que passou um mês na Aldeia no final de 2001, acabou acelerando o processo e em 2002 a Funai reconheceu o Povo Indígena Tupinambá de Olivença. No entanto, o processo de demarcação das terras ainda não se resolveu. Núbia acredita que forças políticas e econômicas não permitiram ainda que a demarcação se concretizasse pois na área a ser demarcada há a presença, de latifundiários, de médios fazendeiros, do setor hoteleiro e até de Áreas de Proteção Ambiental, o que pode estar dificultando a resolução da questão. Mas na luta pela educação a comunidade acaba sendo vencedora: conseguiu a criação da EITO – Escola Indígena Tupinambá de Olivença; a contratação de 42 professores indígenas e diretores; e o acesso à material didático e à merenda escolar. Com essa luta, o povo Tupinambá também conquistou um destaque muito grande junto aos movimentos de direitos políticos na Bahia, diz Núbia, “somos sempre chamados pra participar de reuniões e encontros, dar palestras, falar da nossa luta”.
Em 2003, acompanhando de dentro o processo de oficialização do Fórum de Educação Indígena do Estado, ela chega à secretaria do Fórum onde fica até 2005. Entre dezembro de 2003 e maio de 2005, Núbia também participou do Projeto Construindo a Consciência do Direito a ter Direitos junto a jovens afrodescendentes do Bairro Maria Pinheiro (Itabuna) e com o povo indígena Tupinambá de Olivença (Ilhéus, Una, Buerema) desenvolvido pela FASE Bahia e seus parceiros nos municípios de Itabuna, Ilhéus, Una e Buararema, com o apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A experiência envolveu quatro comunidades, capacitou, atendeu, orientou e encaminhou as pessoas que procuravam seus serviços. Foram prestados atendimentos e orientações jurídicas, administrativas e de acesso à documentação civil, como ações civil pública, ações de representações, além do fornecimento de fotografias para documentação e matrícula nas redes públicas de educação municipal e estadual. O projeto produziu material didático sobre Direitos Humanos; atuou na divulgação dos direitos humanos em atividades relacionadas ao exercício da cidadania e à participação popular em políticas públicas; conseguiu que o programa de rádio “Direitos Humanos” fosse ao ar por 53 vezes na Rádio Conquista.