20/10/2017 16:53
Rosilene Miliotti¹
Como vestir? Como e o que cozinhar ou comer? Onde sentar? Com o que beber? Onde colocar o lixo? E banho, cabelo, maquiagem? Como será possível uma semana sem petróleo? De acordo com os organizadores do evento, não é. Porém, reduzir o uso dos derivados do petróleo, sim e é preciso. A atividade aconteceu em Vitória, no Espírito Santo (ES), entre os dias 27 e 30 de setembro e reuniu ativistas, pesquisadores e pessoas diretamente impactadas pela extração de petróleo.
Idealizada pelo grupo Soy Loco por Ti, em parceria com o programa da FASE no ES, a proposta da “Semana Sem Petróleo” foi premiada pelo “Fundo Mais Vida Menos Petróleo” e teve como objetivo chamar atenção para a dependência dos produtos derivados do petróleo e visibilizar as alternativas. A “petrodependência”, como chamam os organizadores, é a causadora do incentivo para cada vez mais a indústria petroleira avançar e violar direitos. “A proposta de atividade surge a partir da nossa percepção dos impactos dos megaprojetos nos territórios, da luta pela construção do bem viver e de uma sociedade mais harmoniosa com a natureza”, explica Vitor Taveira, integrante do coletivo Soy Loko por Ti.
A “Semana Sem Petróleo” contou com uma programação extensa com oficinas, palestras, debates, exposições, atividades culturais e de comunicação, incentivou a reflexão para os níveis de “petrodependência” a que estão expostos, identificando os usos abusivos e desnecessários dos derivados do petróleo. Além disso, os participantes trocaram experiências de iniciativas que visam a redução gradual do consumo cotidiano. O uso de agrotóxicos nos alimentos também esteve na pauta com a nutricionista e pesquisadora do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares, Bruna Oliveira. Já o Babalorixá Gildo de Oxossi expos sobre “comida de santo, ancestralidade e sustentabilidade”.
De acordo com Vitor, os impactos do alto consumo dos derivados do petróleo são sentidos por quem está no campo, mas quem consome e alimenta essa indústria é a cidade. “O resultado dessa semana de atividade foi muito positivo porque o projeto foi crescendo ao longo do processo e a grande conquista foi unir os diversos coletivos, organizações, pescadores e pescadoras do Espírito Santo e da Bahia, quilombolas, artistas e comunicadores com objetivo de entender, aprender e partilhar que é possível sim ter um outro modelo de vida mesmo nas grandes cidades que seja menos dependente do petróleo e de todos os recursos químicos”.
Comunicação e arte contra a indústria do petróleo
O “Encontro de Comunicação, Arte e Cultura Anti-petroleira” foi realizado no marco da Campanha Nem Um Poço A Mais² e a análise do discurso feito pela “grande” mídia sobre o tema foi um dos objetos de estudo e critica dos participantes. Foi possível perceber que, por causa da 14ª Rodada de Licitações de Áreas de Petróleo e Gás Natural que acontecia na mesma semana da atividade, todos os jornais tinham na capa a notícia da possibilidade de geração de empregos por causa da exploração do petróleo na região e, durante a oficina, o público foi convidado a reescrever a notícia já publicada a partir de suas experiências. “É só ler direitinho. Por exemplo, eles escrevem que os empregos serão gerados por causa da indústria, mas são serviços indiretos, em bares, restaurantes. A indústria mesmo não gera emprego, ela tira o emprego do pescador, do agricultor, expulsa famílias inteiras das terras”, critica Ana Paula dos Reis Santos, pescadora do município de Marataízes, no ES.
A arte foi outra ferramenta usada para chamar a atenção dos participantes. Zé Bananeira, um personagem criado pelo já falecido Mestre Prudêncio, da comunidade quilombola Roda D’água, foi representado por Antônio Rodrigues de Oliveira, mais conhecido como Caboclo Sapeseiro, agricultor e liderança quilombola do Sapê do Norte, no ES, animava o encontro e cativava crianças e adultos que se aproximavam durante as atividades. Por onde passava, Zé Bananeira entoava o canto “Zé Bananeira é o povo do lugar, de que vale o dinheiro sem água pra pescar / Zé bananeira é o povo do lugar, olha o que fizeram com o nosso mar”.
Para Caboclo Sapaseiro, a arte é uma forma de quebrar a agonia que está dentro de cada povo que sofre com os impactos da exploração da natureza em nome do capital. “A arte não deixa que os nossos encontros sejam mecânicos, só em com falas políticas. Ela nos anima e nos ajuda a superar a opressão, por isso é importante que nesse momento de opressão que as comunidades estão vivendo, possamos levar a arte para as ruas, salas de aula e outros espaços”, explica.
Sapeseiro conta que conheceu o personagem há 15 anos, mas que durante a “Semana Sem Petróleo” foi a primeira vez que ele o representou. “Quando cheguei eu vi a roupa do Zé pendurada. Esse personagem tem um significado importante para o carnaval de máscara da comunidade Roda D’água, só que agora ele vem para trazer essa revolta, porque ele não se corrompe. Para ele, é melhor estar com o povo brincando do que ver isso tudo se acabar”, conta. O artista revela ainda que, apesar de ter participado de oficinas de teatro, é um autodidata. “Trabalho para que as comunidades quilombolas não se acabem e que tenham as suas histórias preservadas”, completa.
Vende-se petróleo e vidas
Por coincidência, as atividades coincidiram com o leilão de 287 blocos em nove bacias sedimentares do Brasil. A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a 14ª Rodada de Licitações de Áreas de Petróleo e Gás Natural e mais de 122 mil quilômetros do território brasileiro, o equivalente a 287 lotes em mar e terra foram colocados à venda. No total, a rodada arrecadou para o governo R$ 3,842 bilhões, superando a expectativa de R$ 1 bilhão do Ministério de Minas e Energia e de R$ 500 milhões da ANP.
O ES é um dos principais polos da expansão petroleira no Brasil. “Com a segunda maior extração de petróleo e gás do país, nos acostumaram ao discurso da ‘redenção capixaba’, que tiraria o estado do atraso graças ao boom petroleiro. Mas não nos contam sobre os impactos sociais e ambientais e sobre a concentração de renda envolvida no processo”, relata Daniela Meirelles, educadora do programa da FASE no estado.
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[1] Jornalista da FASE.
[2] A FASE faz parte da Campanha Nem Um Poço A Mais.