10/04/2018 12:44

Apresentação do estudo seguido de debate aberto ao público.

Centenas de edificações do centro da cidade do Recife estão desocupadas ou subutilizadas. Enquanto isso, a capital pernambucana acumula um déficit habitacional de mais de 62 mil unidades. Essa constatação levou a organização Habitat para a Humanidade Brasil¹, em parceria com o programa da FASE em Pernambuco, o coletivo A Cidade Somos Nós e o Coletivo Arquitetura, Urbanismo e Sociedade (CAUS), a realizar um levantamento para identificar imóveis ociosos e vazios no centro do Recife. Os resultados encontrados no estudo foram apresentados nesta sexta-feira (6) seguido de um debate aberto ao público. O evento contou com a participação de Betina Guedes, Promotora de Habitação e Urbanismo, Antônio Alexandre, Secretário de Planejamento Urbano da Prefeitura de Recife, Ivan Moraes, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal do Recife, e Jô Cavalcanti, coordenadora nacional do MTST-Brasil.

“Nosso objetivo com esse levantamento é provocar o debate para promoção de habitação de interesse social em áreas centrais da cidade. Estamos em um momento essencial para essa discussão uma vez que o Plano Diretor da cidade está em processo de revisão e é justamente nele que estes mecanismos devem estar contemplados”, explica Mohema Rolim, gerente de programas da Habitat para a Humanidade Brasil e responsável pela coordenação do estudo. Ainda de acordo com Mohema, existem ações que a Prefeitura pode tomar de imediato para transformar esses imóveis em habitação.

Sobre o estudo

O trabalho teve duração de aproximadamente dois meses e foi desenvolvido a partir da análise de dados censitários, pesquisas de campo e de dados secundários, ferramentas de geoprocessamento, construção do banco de dados e simulações. “Nós começamos analisando dados dos censos de 2000 e 2010, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde é possível identificar os setores censitários com maior número de ‘domicílios particulares permanentes não ocupados’ dentro do território municipal”, explica Mohema. Essa análise foi utilizada como ponto de partida para a escolha do recorte territorial do mapeamento, que já tinha como objeto a região central, e confirmou que alguns bairros do centro, que compõem a Região Político Administrativa 01 (RPA01), possuem um grande percentual de domicílios não ocupados.

“Desde 2016, o coletivo A Cidade Somos Nós vem realizando o que chamamos de Rolês da Função Social, um evento para observar e mapear de forma colaborativa a ociosidade de imóveis dos bairros do Centro do Recife. O objetivo, além de fazer esse levantamento, era o de realizar um debate ao vivo sobre soluções e sensibilizar as pessoas para o potencial de transformação da cidade que poderia vir de um aproveitamento desses imóveis para a moradia popular”, explica Leonardo Cisneiros, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e integrante do coletivo.

A análise da desocupação dos “Domicílios Particulares Permanentes Não Ocupados” em Recife aponta a concentração nas RPA 1 e RPA 6, com desocupação superior a 10%.

A partir do censo, foram identificados 21 setores censitários com mais de 100 domicílios particulares permanentes não ocupados, entre eles o setor que corresponde ao bairro de Santo Antônio: dos 243 domicílios particulares permanentes recenseados, 100 aparecem como não ocupados, totalizando 41,15% do total de domicílios do bairro. O número apresenta um crescimento considerável em relação aos 7,49% no censo anterior (2000), onde 20 dos 267 domicílios particulares permanentes recenseados estavam vagos.

“Além disso, é importante destacar que os 243 domicílios de Santo Antônio representam apenas 16,71% do total de endereços urbanos do bairro”, aponta Mohema. Para a ONG, esta informação reafirma o caráter comercial do bairro e aponta para uma possibilidade de que o número de imóveis vagos é muito superior ao levantado pelo censo. Por fim, a presença de edifícios verticais, com maior potencial para viabilizar habitação de interesse social, levou à escolha do bairro de Santo Antônio para a realização do mapeamento.

Para este levantamento, apenas edificações com 5 pavimentos ou mais foram analisadas. Esse parâmetro foi estabelecido para filtrar as edificações com maior potencial de reabilitação para habitação. Dos 1.002 lotes do bairro de Santo Antônio, cadastrados na base do Sistema de Informações Geográficas (ESIG), 155 possuem edificações com 5 ou mais pavimentos.

Em Santo Antônio 41,15% do total de domicílios particulares estão entre os “domicílios particulares permanentes não ocupados”. Crescimento de 33,66% em relação ao censo anterior (ano 2000 – 7,49%).

Esta base inicial de 155 lotes foi atualizada após as visitas ao campo, essenciais para confirmar a informação e identificar distorções. A partir dessa análise, um lote foi acrescido e outros 44 retirados. Os edifícios foram excluídos pela diferença entre as informações contidas no cadastro da prefeitura e a observação no próprio local. Em alguns casos, o número de pavimentos do cadastro não correspondia com a realidade ou eram imóveis históricos/institucionais em que não seria possível a produção de habitação, como no Teatro de Santa Isabel ou no Palácio da Justiça. Isso totalizou um número final de 112 lotes analisados.

Resultados

  • Das 112 edificações, 12 foram identificadas como completamente desocupadas, 30 com menos da metade da área ocupada, 16 com mais da metade da área ocupada e 52 com a maioria ou totalmente ocupada, além de 2 edificações que não tiveram situação de ocupação assinalada.
  • Ou seja, das 112 edificações, 42 estão totalmente desocupadas ou com menos da metade de sua área ocupada. Isso quer dizer que 37,5% dos imóveis analisados estão ociosos.
  • Dos 30 imóveis identificados como menos da metade da área ocupada, 26 concentravam a maioria da ocupação no térreo e/ou na sobreloja.
  • Em relação ao estado de conservação, em sua grande maioria, os imóveis foram classificados como Bom (74) e Regular (33), com apenas 4 apresentando conservação Ruim e 1 sem opção assinalada.
  • Se somarmos a área dos 42 imóveis desocupados e menos da metade ocupados, após a exclusão do térreo e sobreloja nos casos necessários, chegamos a 325,71 m² de área construída desocupadaIsso significa 14,37% do total de 732.806,83m² de área construída em todo o bairro, incluindo igrejas, conventos, palácios e sobrados.
  • Nestes 42 imóveis, é possível construir 106 unidades habitacionais pela conversão desses imóveis em habitação².
  • Para isso, seria necessário um investimento estimado de R$252.781.694,85.

 Dívidas

  • De acordo com dados recentes sobre dívidas de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) na RPA01, a inadimplência no pagamento do imposto em imóveis chega a R$346 milhões – R$94 milhões a mais do que o necessário para converter os 42 prédios em habitação.
  • Os 42 imóveis desocupados têm uma dívida ativa de IPTU somada de R$20.692.050,56.
  • O edifício Tebas, por exemplo, tem uma dívida ativa de R$ 5.720.833,49. Esse débito é quase o dobro do seu valor de venda, estimado em R$3.430.764,51
  • Já o edifício JK (Ocktus Participações LTDA) tem uma dívida ativa de R$4.551.022,53 e valor venal de R$10.652.409,52.

“Esse levantamento evidencia o potencial habitacional nos inúmeros edifícios abandonados ou parcialmente desocupados, muitos dos quais acumulam dívidas de IPTU enquanto seus proprietários especulam com os imóveis, esperando possíveis investimentos públicos na área. Além do não cumprimento da função social, obrigação legal imposta a todos os imóveis, e da evasão de receita com conivência do poder público municipal, o patrimônio construído dessa área da cidade vai sendo cada vez mais degradado pelo descaso e a ação do tempo, enquanto milhares de famílias permanecem sem uma moradia digna”, conclui Mohema.

 [1] Texto publicado originalmente no site Habitat para Humanidade Brasil

[2] As simulações do quantitativo total foram feitas pela soma das áreas construídas dos imóveis desocupados. Para os imóveis com menos da metade ocupados, que concentravam a ocupação no térreo e na sobreloja, foram excluídos o proporcional a dois pavimentos de sua área construída total da conta, considerando que as lojas do térreo permaneceriam enquanto o restante do imóvel seria revertido em habitação. Para os imóveis com menos da metade ocupado que concentravam a ocupação nos pavimentos tipo, foram excluídos o proporcional a 50% da área, para garantir que a área calculada é efetivamente desocupada. Desse número geral de área construída foi subtraído 20% de área, relativo às áreas condominiais de circulação, chegando a um número de área útil. Essa área útil total é dividida pela área construída de cada unidade, que nesse caso foi considerado 40m², chegando ao número de unidades habitacionais que poderia ser produzido com a reabilitação desses imóveis. O número de unidades foi multiplicado pelo valor unitário do recurso do programa Minha Casa Minha Vida para esse tipo de intervenção, de R$120.000,00.