05/07/2018 19:24
Emilly Dulce¹
A comercialização de transgênicos é monopólio de poucas empresas estrangeiras, que se utilizam do poder econômico e político que detêm para garantir mercado para seus produtos e boicotar, de todas as formas possíveis, a produção. Os dados mais recentes sobre o setor de alimentação mostram como tem sido bem sucedida essa campanha permanente em favor do transgênico, modelo de produção indissociável do uso ostensivo de agrotóxicos, dos latifúndios, da monocultura e da exploração violenta dos trabalhadores do campo.
A área agrícola mundial ocupada por cultivos transgênicos ou cultivos geneticamente modificados chegou a 189,9 milhões de hectares no ano passado, três vezes o território de lavouras no Brasil, que corresponde a cerca de 63 milhões de hectares. Também em 2017, de acordo com dados do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), 77% da produção mundial de soja, 80% da produção mundial de algodão, 32% da produção mundial de milho e 30% da produção mundial de canola foram transgênicas. Já o índice de transgênicos entre as culturas brasileiras de soja, milho e algodão, foram de 96,5%, 88,4% e 78,3%, respectivamente, em 2016. O levantamento é do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês).
A ISAAA, apoiada pela Monsanto e pelos departamentos de Estado e de Agricultura do governo dos Estados Unidos, entre outras entidades públicas e privadas, é uma das principais promotoras do uso de sementes geneticamente modificadas no mundo. “A nossa cadeia alimentar está cada vez menos diversificada, com menos alimentos na mesa e mais alimentos processados. Isso tudo significa que a gente está ficando cada vez mais dependente do processamento de produtos de fora e estamos perdendo nossos insumos, nossas sementes, nosso material genético e nossa biodiversidade também”, avalia Naiara Bittencourt, da Articulação Nacional de Agroecologia e da organização Terra de Direitos.
Monopólios
As maiores empresas que atuam no ramo de alimentos – entre elas Syngenta, Bayer, Monsanto, Dow, Basf e Du Pont – controlam 60% do mercado de sementes e cerca de 70% do mercado de insumos, pesticidas e agrotóxicos, conforme dados do ETC. A compra recente da multinacional Monsanto, sediada nos Estados Unidos, pelo grupo alemão Bayer, concentra ainda mais esse mercado. Juntas, elas vão deter 34 das 75 variedades transgênicas registradas hoje no Brasil. A Syngenta tem o controle sobre 14 variedades transgênicas, seguida pelas estadunidenses Dow e Du Pont, com 10 cada uma.
Os dados são da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável por avaliar e liberar o uso de transgênicos no Brasil – a maioria deles produzidos pelas mesmas empresas que fabricam agrotóxicos. “Até essas questões que são consequências, por exemplo, os impactos na saúde, ao meio ambiente, aos direitos humanos em geral, também são o pano de fundo de uma estratégia maior, que é reposicionar e consolidar o Brasil em uma divisão internacional do trabalho, onde o país permanece nesse papel de exportador de commodities, grãos que não conformam a base alimentar da população brasileira”, analisa Bittencourt.
A configuração do agronegócio corporativo, baseada no monocultivo, no grande latifúndio e na produção de commodities para exportação, não permite ao Brasil ter soberania científica ou econômica e, principalmente, sobre a definição de seu modelo de produção agrícola. Essa dinâmica força o país à posição de “celeiro” subordinado às potências econômicas mundiais.
“Quando os ruralistas argumentam que quem defende o fim dos agrotóxicos vai causar fome e desabastecimento, na verdade quem coloca o Brasil nesse risco é justamente esse modelo do agronegócio defendido por eles. Se essas empresas por qualquer motivo geopolítico resolvem boicotar o Brasil, o país vai quebrar e ter um problema seríssimo justamente porque abdicou de ser soberano na sua produção de alimentos”, alerta Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Além disso, com grande volume de insumos externos, a produção local não é suficiente para impedir que os resultados financeiros da agricultura sejam escoados para fora, com pouco retorno para o Brasil. O controle do setor na mão de poucas empresas concentra também definição do preço dos alimentos, ou seja, influi diretamente sobre o bolso da população.
Lobbying
O monopólio empresarial sobre a alimentação é reforçado pelo poder de pressão das corporações sobre os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) do Estado, como destaca Diana Aguiar, da FASE. Dos 504 agrotóxicos liberados no Brasil, 30% são proibidos na União Europeia pelos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente. Aqui, são justamente os líderes de vendas. Essa é uma prova contundente do grau de desregulamentação do mercado interno. Há uma década, o Brasil lidera o uso de agrotóxicos no mundo, com 20% do comércio mundial.
“Por um lado, a liberação de transgênicos e agrotóxicos, que já é feita de forma muito pouco cautelosa, sem atenção para as questões ambientais e sociais, tem a tendência a se liberar ainda mais rapidamente pelo poder aumentado dessas empresas. Por outro lado, a tendência é que elas pressionem [ainda mais] pela imposição de leis de propriedade intelectual ainda mais restritivas, para que elas tenham um controle e uma garantia ainda maior sobre a propriedade dessas sementes”, pondera Diana.
A exigência de pagamento de royalties por patentes é mais uma forma de controle de mercado que negligencia o patrimônio cultural e agrícola das chamadas sementes crioulas – sementes não manipuladas que se desenvolveram organicamente, ao longo de séculos de cultivo, para se adaptar ao clima e ao bioma do local de cultivo. Essa estratégia para aumentar o lucro das agroquímicas tem escala global e começou na década de 1990 com o que ficou conhecido como “Lobbying da Monsanto”, que impingiu, por meio de acordos com os poderes públicos locais, o comércio das sementes patenteadas a diversos países.
“O agricultor que hoje planta uma semente transgênica, além de comprar a semente, ele paga royalties, ele paga direitos intelectuais para a empresa e isso é um custo bastante pesado para os agricultores, porque esses royalties pegam uma parte da produção que pode chegar a 4% do valor de venda dessas sementes”, avalia Tygel. “É no mínimo escandaloso que uma pessoa possa fazer uma modificação em algo que vem da natureza, patentear e dizer que aquela semente é dela e que para outra pessoa usar, ela vai ter que pagar”, completa.
Por meio da bancada ruralista, conjunto de deputados e senadores que representam o agronegócio corporativo no Legislativo brasileiro, as multinacionais tentam emplacar leis e regulamentações que favoreçam seu lucro, como o Projeto de Lei 6.299/2002, conhecido como Pacote do Veneno, aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados no último dia 25 de junho.
A tentativa de alteração na Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9456/1997) com o objetivo de aumentar o direito de propriedade das empresas que desenvolvem e pesquisam sementes geneticamente modificadas e, consequentemente, o pagamento obrigatório de royalties por parte dos produtores rurais, é outro ponto de pressão do lobby do agronegócio. O mesmo em relação ao Projeto de Lei Complementar 34/2015, que visa excluir o selo de transgênicos das embalagens.
Violência no campo
Nesse contexto de ofensiva do capital internacional sobre o campo, o quadro de violências contra a população rural só vem se agravando. De 2013 a 2017, o número de assassinatos no campo cresceu 105%, muitos deles em chacinas relacionadas à disputa por terra e meios de produção, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O relatório de 2017 destaca o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 14 anos. Das 71 mortes registradas, 31 delas, ou seja 44%, ocorreram em massacres. Além do aumento no número de mortes, as tentativas de assassinatos subiram 63% e as ameaças de morte 13%.
[1] Matéria originalmente publicada no Brasil de Fato. Edição: Diego Sartorato.