29/03/2019 16:37

(Foto: Angélica Almeida/ANA)

Acalorando ainda mais Aracaju (SE), representantes de diferentes redes, movimentos sociais e organizações que constroem a agroecologia no Brasil se reuniram, entre os dias 19 e 22 de março, na Plenária da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)¹. Em um ambiente de convergências impulsionador da potência criativa e afetiva da ANA, foram geradas reflexões sobre a atuação no atual contexto, considerando os desafios e retrocessos em direitos enfrentados, bem como as alternativas conjuntas para o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e dos povos e comunidades tradicionais na construção da agroecologia e da soberania alimentar. [Clique para ver cobertura fotográfica]

Todas e todos foram convidadas (os) a se conectar com o IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) e trazer à memória aprendizados e desdobramentos do evento promovido no ano passado em Belo Horizonte (MG). À luz da força mobilizadora do IV ENA, foram pensadas agendas prioritárias e estratégias políticas a serem fortalecidas e incorporadas nos próximos períodos pela Articulação, como: a Marcha das Margaridas, a luta contra a Reforma da Previdência, a defesa da Reforma Agrária, dentre outras.

Para aquecer as lembranças do Encontro, foi apresentado o documentário produzido pelo Curta Agroecologia. Na ocasião, também foi distribuída a versão impressa da Carta Política do IV ENA. Ao enfocar o lema “Agroecologia e Democracia Unindo Campo e Cidade”, no marco dos 30 anos da Constituição Federal de 1988, o movimento agroecológico articulado na ANA destaca a importância das lutas populares por democratização e pela sustentabilidade da vida, avaliando como a formulação e o aprimoramento de políticas públicas foram essenciais para o crescimento das experiências em agroecologia. Apesar do momento político desafiador, o movimento permanece acionando parlamentares do campo democrático e popular.

“Vamos monitorar constantemente as ameaças de desmonte na legislação ambiental e de proteção dos trabalhadores e das trabalhadoras, bem como das políticas públicas para a agricultura familiar, os povos indígenas, a reforma agrária e as comunidades tradicionais, acionando o Ministério Público quando for necessário”, explica Dênis Monteiro, da Secretaria Executiva da ANA.

 

Redes de redes

As realidades vividas pelas redes locais, estaduais e regionais de agroecologia também foram compartilhadas na Plenária, ampliando entendimentos sobre como as dinâmicas acontecem e aprofundando olhares sobre como as experiências podem ser traduzidas em uma maior conexão entre os movimentos sociais e também com a sociedade em geral.  Jorge Rabanal apresentou um pouco da caminhada da Rede Sergipana de Agroecologia (Resea). Junto de Rita Fagundes e Fernanda Amorim, também integrantes da Rede, ele relembrou uma trajetória “marcada por aventuras”.  A ideia de compor a articulação surgiu durante o II Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) de Recife, em 2006, seguida de um período que Jorge chamou de “amadurecimento”. “É como se a Rede tivesse sendo preparada para nascer”, disse.

(Foto: Gilka Resende/FASE)

“O nascimento mesmo ocorreu em 2011, quando foi promovido um encontro onde apenas agricultores e agricultoras falavam”, lembrou. De lá para cá, a Resea trouxe para o seu cotidiano princípios como coletividade e descentralização de processos políticos. “Não concorremos, nos somamos”, disse Fernanda. “Fazemos reuniões em diversos locais, assim todo mundo se entende como parte, se sente anfitrião”, exemplificou Rita.

Cada pessoa, organização, movimento ou coletivo na Plenária coleciona diversas memórias de seus territórios. Paulo Rogério Gonçalves, mais conhecido como Paulão, levou todas e todos a viajar para o Tocantins por meio de seu relato. Ele lembrou que a agroecologia sempre esteve nos territórios do estado. Mesmo que não fosse nomeada, já era prática de indígenas, quilombolas e, depois, seguiu seu caminho até os dias atuais com esses sujeitos políticos, mas também por meio do trabalho de organizações, coletivos e movimentos sociais. Paulão, que integra a Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), compartilhou ainda as vivências dos encontros estaduais de agroecologia, que ocorrem no Tocantins anualmente desde 2015.

“Sempre fazemos nossos encontros nas comunidades, com os pés no chão”, disse. Dessa forma, comunidades indígenas, quilombolas, de quebradeiras de coco, dentre outras, foram recebendo as atividades de braços, corações e mentes abertos, demonstrando toda a diversidade da agroecologia. “Fazemos uma mistura de temperos e geramos uma comida muito saborosa. Sempre ficamos felizes após as convivências agroecológicas”, ilustrou Paulão, despertando sorrisos e inspirando a Plenária.

“Se tem racismo, não há agroecologia”. (Foto: Gilka Resende/FASE)

Durante sua apresentação sobre o Núcleo Planalto da Rede Ecovida de Agroecologia, Alvir Longhi falou sobre a trajetória desta rede territorial dos anos de 1980 até hoje. Ele destacou o quanto as feiras foram definitivas na compreensão do conceito de agroecologia, sua interação e diálogo com os públicos consumidores. Atualmente, a cadeia produtiva de frutas nativas determina a relação das famílias agricultoras com o urbano. “A partir do ‘comer’ incentivamos o debate em torno da agroecologia, suas dinâmicas interativas e as logísticas de comercialização”, expôs. 

Já Paulo Petersen, ao falar do Projeto Ecoforte Redes, que reuniu 24 redes de agroecologia brasileiras, completou: “A agroecologia é o acúmulo de práticas, ciências, movimentos e culturas que se fazem a partir dos territórios, e a ANA abarca todos estes saberes e práticas respeitando e reconhecendo as especificidades das redes e seus movimentos heterogêneos de identidade”.

Agroecologia: encontro de lutas

Homenagem à Marielle Franco durante a Plenária. (Foto: Carú Dionísio/Cepagro)

A Plenária incluiu também a troca de saberes em cinco rotas que percorreram territórios de Sergipe, promovendo vivências em experiências agroecológicas construídas nos distintos locais do estado. Foram visitados assentamentos da reforma agrária, uma casa de sementes crioulas, unidades familiares e coletivos camponeses de produção de alimentos saudáveis, uma escola família agrícola, experiências de transição agroecológica e de organização de mulheres extrativistas. A vitalidade da comunicação e da cultura popular também se fez presente no encontro, de modo especial no diálogo com a população local durante a noite cultural. A atividade, realizada embaixo da ponte de Barra dos Coqueiros, no bairro Industrial, contou com apresentações de grupos protagonizados por mulheres e com uma feira popular de alimentos artesanais.

Expressando e buscando cada vez mais “unidade na diversidade”, o movimento agroecológico se fortaleceu na Plenária como um terreno fértil para a construção de outras relações possíveis, justas e sustentáveis, entre as pessoas e a natureza e das pessoas entre si. Os diferentes sujeitos políticos que se auto-organizam na ANA – mulheres, juventudes, indígenas e quilombolas – e grupos e coletivos temáticos refletiram e apresentaram perspectivas de organização nos próximos períodos, enriquecendo as discussões sobre os temas mobilizadores da Articulação. Saíram fortalecidos lemas como: “Sem Feminismos, não há Agroecologia”; “Se tem racismo, não há agroecologia”;  e “Se há LGBTfobia, não há Agroecologia”.

[1] Cobertura: Angélica Almeida, Gilka Resende, Renata Garcia e Caru Dionísio, da Coletiva de Comunicação e Cultura da ANA. Acesse mais fotos da Plenária da ANA.