08/05/2019 17:13

A sede da Vale no bairro carioca Botafogo amanheceu, no dia 30 de abril, com um memorial em homenagem às vítimas do rompimento da barragem de rejeitos do Córrego de Feijão, em Brumadinho (MG). A ação aconteceu no marco da primeira Assembleia de Acionistas após o crime. A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale distribuiu 233 placas com os nomes das vítimas fatais, e 37 placas com os nomes das pessoas ainda desaparecidas em decorrência do desastre protagonizado pela empresa. A iniciativa procurou impedir que a dor das centenas de famílias mais duramente afetadas caia no esquecimento.

(Foto: Daniela Fichino/AVs)

Os acionistas críticos integrantes da Articulação participaram da Assembleia. Nela, pediram a rejeição do Relatório de Administração referente às atividades da empresa no último período, além de exigir a paralisação integral das atividades da mineradora e a destituição completa de sua diretoria. Tais medidas, segundo a Articulação, são necessárias frente à situação de completa indeterminação do risco inerente às atividades da Vale. Para os acionistas críticos, o seguimento da empresa sob o comando da atual diretoria significaria um obstáculo às investigações.

Os acionistas críticos também demandaram um reconhecimento efetivo da responsabilidade da Vale e um pedido público de desculpas, a ser veiculado nos órgãos de imprensa. Menos de quatro anos após Mariana (MG), o rompimento da barragem em Brumadinho (MG) levanta um questionamento incisivo entre os acionistas críticos: Há ainda a possibilidade de a mineradora continuar em operação? Sob quais critérios? “Não podemos aceitar que o investimento na Vale possa ser responsável quando desastres dessa monta ocorrem envolvendo justamente a atividade fim da empresa: a exploração e gestão da cadeia produtiva de minério, incluindo o acondicionamento de seus resíduos”, declara Carolina Moura, acionista, moradora de Brumadinho (MG), e integrante da Articulação.

Dentre os principais motivos que elencam para a reprovação do relatório de administração da empresa, está a crítica situação de gestão das barragens. Há 17 barragens de rejeito da Vale em Minas Gerais que são consideradas instáveis ou não têm a segurança atestada. Paralelamente, mais de mil pessoas foram evacuadas de suas casas, como consequência dessa situação de incerteza. No entanto, a empresa não forneceu detalhamento sobre a situação de risco efetivo dessas estruturas, incluindo os coeficientes de segurança aplicáveis, além de falhar na apresentação da análise de risco dos projetos de descomissionamento e estabilização que pretende implementar.

Chega de crimes

Durante a Assembleia, os acionistas críticos apresentaram graves falhas na assistência aos atingidos pelo desastre. A mineradora apresenta empecilhos para o recebimento da ajuda emergencial, dificuldades de obtenção de orientações adequadas nos postos de atendimento, e mesmo a recusa da mineradora em quitar parte das despesas efetuadas com sepultamento e funeral das vítimas fatais. Esses graves relatos, que são documentados inclusive em processos judiciais em curso, infringem princípios básicos de dignidade humana.  A ausência de pagamento das multas ambientais também é alvo de críticas pelos acionistas. A Vale soma quase R$ 142 milhões em multas desde 2014, valor que permanece completamente em aberto. A situação mostra-se ainda mais escandalosa ao comparar o montante devido com o lucro de seus empreendimentos: o valor total das multas em aberto representa apenas 0,05% do valor de mercado da mineradora, e 2,46% de seu lucro líquido registrado no terceiro trimestre de 2018.

Há, ainda, indícios de ilícitos de manipulação de mercado. Ao ocultar de seus investidores os riscos de seus empreendimentos, a Vale acaba gerando uma valorização artificial e enganosa de seus ativos, que sofrem brusca variação a cada evento desastroso que a empresa protagoniza. Esta suspeita foi alvo de pedido de investigação junto à Comissão de Valores Mobiliários, protocolado pelos acionistas críticos logo após o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho (MG). A denúncia também ressaltou a falta de transparência da empresa em expor os riscos atrelados a outros importantes negócios, como a ocultação da decisão judicial que implicou na paralisação do empreendimento Onça Puma, no Pará, em 2017.

Os acionistas da Articulação encaminharam, no dia 5 de fevereiro, um pedido de destituição do Diretor Presidente da Vale ao Conselho de Administração, mas a empresa demorou ainda um mês até efetivar seu afastamento. “O Conselho deve explicações sobre as razões de somente ter substituído o CEO e demais executivos diretamente implicados em 2 de março, depois de mais de um mês do fato e somente após recomendação contundente das instituições de justiça e de investigação, ignorando um pedido realizado pelos acionistas da Articulação”, afirma Danilo Chammas, acionista e integrante da Articulação. O afastamento da diretoria da Vale foi desde o início frisado pelos membros da Articulação.

Histórico de denúncias

(Foto: Felipe Wesneck/ Ibama)

“Diversos dos pontos que abordados na Assembleia não são novos. Há anos vimos apontando a gravidade do modelo de gestão que a Vale implementa, e hoje podemos dizer, mais do que nunca, que este é um negócio que custa a vida das pessoas”, declara Ana Paula Santos, acionista e também integrante da Articulação. “Violações e mortes não ocorrem apenas nos desastres de Minas Gerais, são eventos frequentes em todos os locais onde a Vale atua, como é o caso do Corredor Carajás. Nas regiões norte e nordeste, o cenário tende a se agravar com o incremento das operações da Vale após os desastres do quadrilátero ferrífero”, reforçou.

Os acionistas críticos reforçam que é necessária a moratória das atividades da empresa até que a gravidade do quadro seja comprovadamente superada. “Demandamos a paralisação imediata das atividades da empresa. E fazemos um chamado aos demais investidores: lavem as suas mãos desta lama. É inaceitável que fundos que administram as contribuições de milhões de funcionários de empresas públicas façam vistas grossas a violações de tamanha gravidade sem que haja uma cobrança efetiva nos espaços coorporativos da mineradora”, finaliza Ana Paula Santos.

[1] Originalmente publicado pela Articulação Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale, da qual a FASE é parte.