14/10/2019 12:46

Rosilene Miliotti¹

A partir de agosto deste ano, diversos dados foram divulgados sobre o aumento do número de focos de incêndio na Amazônia. Nos meses seguintes, as queimadas continuaram crescendo, o que inflou o debate internacional. O assunto foi tema do programa EcoInspiração², apresentado por  Maurren Santos, com participação de Guilherme Carvalho, coordenador do programa da FASE na Amazônia.

Ele iniciou a entrevista trazendo o histórico do desmatamento na Amazônia. “Historicamente há um padrão. Esse padrão, de uma maneira muito sintética, envolve a grilagem de terra pública, o uso de trabalho escravo para desmatar essas terras e a criação de gado. Depois essas áreas, normalmente, são repassadas para a produção de soja e outras commodities. Isso é um ciclo sem fim”. Entretanto, ele alerta que agora existe outra situação porque há a efetiva ação do setor financeiro nesse processo. “Como vem sendo alterada a legislação do país, principalmente a legislação ambiental, a própria crise ambiental está servindo para que determinados setores, principalmente os que investem na bolsa de valores, possam ganhar muito dinheiro”.

 

“Quem são os responsáveis diretos pelo desmatamento?”, questiona Maurren. Guilherme responde explicando que há um consórcio que eles chamam de “consórcio do crime”. Esse “consórcio” envolve grileiros, milícia, contrabando, tráfico de drogas e pistolagem. “Esses grupos se associaram em torno da apropriação das terras da Amazônia, das terras públicas, e com isso fazem com que o desmatamento exploda. O próprio “dia do fogo” que ficou conhecido mundialmente, é isso. Esse setor do crime organizado, com diferentes segmentos, se associou para tacar fogo na floresta e ocupar essas terras”. Ele ressalta ainda que, no caso de algumas regiões como Santarém, o setor mobiliário, que quer transformar essas áreas em áreas de expansão de condomínios, também está envolvido nesse processo.

Sobre o atual contexto político, Guilherme diz que o governo Bolsonaro aprofundou a situação com uma violência institucionalizada, “uma violência escancarada na medida em que ele estimula as milícias e a pistolagem. E nisso ele é diferente dos outros governos”. Guilherme lembra também que a “Amazônia ainda é vista como uma grande colônia, como uma região desabitada, atrasada. Tudo isso para justificar a desapropriação dos territórios e exploração das riquezas existentes”.

Maurren comenta que esses fatos dão uma sensação aterrorizante. “Se pensarmos que, apesar de tudo e com muita resistência, existem algumas políticas que estavam sendo importantes para o desenvolvimento da região exatamente para a proteção a alguns direitos e, que nesse momento, essa questão da anuência das pessoas poderem fazer o que quiser aumentando essa violação, esses povos correm grande risco de perder”.

A apresentadora ressalta ainda que no Brasil há mais de 220 milhões de hectares usados para a pecuária, sendo que 40% desse setor está na Amazônia. “Entre todos os tipos de vetores, (mineração, agronegócio, garimpo, hidrelétricas, ferrovias, rodovias) a pecuária é, historicamente, um importante vetor desse desmatamento. Além de todo o impacto ambiental e a destruição de áreas gigantescas da Amazônia que vem sendo usurpadas, não só áreas públicas, mas também áreas de comunidades através da grilagem, você tem no brasil, por conta disso, mais de 60 milhões de hectares de pasto degradado ou subutilizado. 60 milhões de hectares é o dobro da área do estado de São Paulo. Não tem como falar de desmatamento sem falar da pecuária”.

Reforma fundiária

É possível controlar o desmatamento somente com a política de comando e controle? Para Guilherme, fiscalizar, monitorar e punir é importante e disso não se pode abrir mão. “Não podemos abrir mão dos avanços que alcançamos nessas áreas. Contudo, não é suficiente. Mesmo essas ações, de comando e controle, há muitas comunidades que reclamam, por exemplo, da ação do Ibama que, em algumas situações, praticamente inviabiliza o modo de vida dessas comunidades. Os grandes latifundiários também reclamam disso, mas os motivos são outros. Enquanto as comunidades querem uma política adequada aos seus modos de vida, os grandes fazendeiros e empresas que investem no agronegócio, na mineração e outros setores, querem um enfraquecimento desse sistema de monitoramento e punição e, ao mesmo tempo, mudanças na legislação ambiental (e outras) para que eles possam acessar terras coletivas, terras indígenas, terras quilombolas, áreas de preservação, florestas nacionais e estaduais e reservas extrativistas”.

“A mensagem que queremos passar é que o debate sobre o desmatamento é profundo. Obviamente o governo tem uma responsabilidade absurda sobre o aprofundamento desse problema, mas existe um histórico, um problema antecedente que não tem como resolver se nós não olharmos para isso com calma e pensar o que pode ser feito para frear não só essa devastação que está sendo promovida, mas pensar para o futuro mesmo, o que podemos fazer em relação a visibilidade dessas alternativas, de proteção da floresta e dos povos que ali vive e de toda região”.

Amazônia em chamas! O que fazer?

Em documento, a FASE faz uma análise de suas ações, um contraponto aos incêndios criminosos desencadeados na Amazônia Legal nos últimos meses. A organização chama atenção ainda para os esforços ecumênicos no plano local, nacional e internacional, “para a evolução do pensamento religioso que supere o fundamentalismo e estimule o desenvolvimento do pensamento holístico na perspectiva de libertação e defesa da vida. O Sínodo da Amazônia, convocado pela Igreja Católica Romana, pode ser uma excelente oportunidade neste sentido, a partir da reflexão desenvolvida na carta encíclica Laudato si do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum.

Os incêndios criminosos e a desarticulação dos órgãos governamentais podem desfazer toda esta dinâmica de fortalecimento do bem viver na Amazônia em harmonia com sua biodiversidade. Para todos nós, porém, significam o desafio de resistir apagando o fogo, cobrando a punição real e efetiva dos crimes socioambientais, exigindo a recomposição da floresta e das comunidades e prosseguir a luta fortalecendo o nosso compromisso e nossa unidade em defesa da Amazônia, com ações, corações e mentes”.

[1] Jornalista da FASE.

[2] O programa EcoInspiração vai ao ar no canal da Mídia Ninja no YouTube, toda quarta-feira, às 22h.