02/07/2020 16:44
Flavia Bernardes¹
Em maio, o programa da FASE no Espírito Santo, em parceria com o Movimento Pequenos Agricultores (MPA) e a Associação de Pescadores Artesanais de Porto Santana e Adjacências (APAPS), distribuiu cestas de alimentos para pescadores e pescadoras de Porto Santana, no município de Cariacica, metropolitana da Grande Vitória. Aipins, batatas, frutas, verduras, café, entre tantos outros alimentos agroecológicos compuseram a cesta solidária para 130 famílias de pescadores e pescadoras (cerca de 460 pessoas), que seguem sem conseguir pescar ou mariscar devido à pandemia de Covid-19.
“Antes da pandemia o mexilhão e o sururu, por exemplo, haviam diminuído consideravelmente. Devido à quarentena, o que é pescado não dá para comercializar. Os consumidores deixaram de comprar por falta de dinheiro e por receio de nos receber em suas portas. Também não há mais dinheiro para o combustível para sairmos de barco”, conta Rosinéia Pereira Vieira, presidente da APAPS. Ainda segundo Rosinéia, 90% das famílias da região vivem da pesca artesanal, mas a pandemia caiu como um raio na vida destas pessoas aprofundando as crises já existentes e afetando diretamente a renda e a segurança alimentar. Muitas famílias não conseguiram acessar o auxílio emergencial prometido pelo governo.
Essa realidade não é diferente nos demais territórios pesqueiros do Espírito Santo que acumulam impactos e hoje se encontram em um lugar de extrema vulnerabilidade social. Nos últimos anos, os pescadores e as pescadoras capixabas sofreram, e ainda sofrem, com a perda constante e abrupta do território pesqueiro para a indústria petroleira com seus gasodutos, plataformas e portos. Acumulam ainda as consequências da contaminação das águas pelos rejeitos da Vale/Samarco e da chegada de óleo na praia, o que inviabiliza a pesca. E, soma-se a isso ainda a dupla pandemia: os retrocessos cometidos pelo governo Bolsonaro e a Covid-19. Para os pescadores e pescadoras, neste ritmo não sobra tempo e nem fôlego para que se restabeleçam. Eles veem denunciando os sucessivos impactos como os prejuízos materiais, de saúde e também as perdas comunitárias que ameaçam o modo de vida tradicional dos pescadores e pescadoras no estado.
É preciso chamar atenção para o fato de que, durante a pandemia, mais um porto recebeu autorização do governo federal por meio do Ministério da Infraestrutura para ser construído no litoral capixaba, fragilizando ainda mais a situação dos pescadores e pescadoras capixabas. A “boiada” está passando por cima de muitas vidas, tradições e histórias.
Comer é um ato político!
Em uma realidade em que as políticas públicas se dão na base de intensa pressão e desgaste das lideranças comunitárias, fazer valer o direito à segurança alimentar garantido o acesso ao alimento e o fortalecimento de quem produz agroecologicamente é fortalecer o povo. “A cesta chegou em muita boa hora, fiz uso da abóbora e das sementes. Eu plantei as sementes! Comi e vou comer novamente quando ela nascer. Estamos empolgados com isso. As folhagens, verduras, mexerica, laranja, agradeço muito a FASE, o MPA e a APAPS, e desejo que outras pessoas também possam receber o que nós recebemos, é muito importante”, contou a marisqueira Benedita Siqueira Carvalho.
Estiveram envolvidos na produção e logística para a entrega dos alimentos 33 famílias do MPA dos municípios de São Mateus, São Gabriel da Palha, Baixo Guandú, Pancas, Domingos Martins e Santa Maria de Jetibá. “Pra nós, essa atividade com a FASE atende a vários aspectos da nossa luta, do que nós entendemos que é importante principalmente neste momento de pandemia. Possibilita que o alimento produzido pelas famílias camponesas chegue diretamente aquelas populações e comunidades que estão mais vulneráveis, não só no momento de pandemia, mas também por serem historicamente abandonadas pelos governos, e que neste momento precisam de toda ação de solidariedade, de companheirismo necessário para sobreviver”, afirmou Leomar Lírio, da direção Estadual do MPA.
Para o MPA, a aquisição de alimentos das famílias camponesas, além de conseguir atender as demandas e as dificuldades em vários sentidos nas pontas da cadeia alimentar e produtiva, fortalece a aliança campo-cidade e mostra que também na solidariedade se constrói segurança alimentar.
A distribuição de cestas foi possível através da parceria com a APAPS que mobilizou as famílias de pescadores e pescadoras em Porto Santana, e com o MPA que lançou durante a pandemia uma campanha nacional para incentivar a produção e consumo de alimentos oriundos do campesinato “#FiqueEmCasa, nós seguiremos produzindo seu alimento”. “A ação e a iniciativa da FASE de procurar uma organização social, um movimento camponês para concretizar este momento de solidariedade decidindo com quem comprar e o que comprar, é uma atitude política. Entendemos que o alimento tem poder político e ideológico, e para nós este é um exemplo a ser seguido por outras entidades que também se mobilizam em ações neste momento”, afirmou Leomar.
Além de Porto Santana, outras comunidades da pesca e de periferias da região metropolitana estão sendo mobilizadas para a entrega de alimentos agroecológicos no Espírito Santo.
[1] Educadora da FASE no Espírito Santo.