08/07/2020 15:27
Evanildo Barbosa e Taciana Gouveia¹
Desde o anuncio da pandemia por Covid-19 no Brasil, a FASE se engajou nas ações de solidariedade para fortalecer as existências e resistências das pessoas, grupos, coletivos e organizações que no seu dia a dia enfrentam as mais diversas desigualdades, a ausência de direitos e as várias formas de violências e de negação dos direitos em curso.
Quando iniciamos as nossas ações, ainda não sabíamos exatamente como daríamos conta de tantas demandas. Só tínhamos a certeza de que as nossas práticas de educação popular, a nossa presença cotidiana nos territórios e a nossa rede de parceiros nos garantiriam as condições para mobilizar os recursos – materiais e humanos – para fazer chegar os insumos necessários para seguir a vida e a luta das famílias.
Passados 100 dias, desde aquele 15 de março, conseguimos apoiar 9.100 famílias através da doação de cestas básicas, além de 5.661 máscaras, 1.200 garrafas (de 500 ml) de água, 720 sabonetes, 3.210 remédios homeopáticos. Quase dobramos os números de itens doados e de famílias apoiadas, o que significa que a ação humanitária da FASE seguiu firme no apoio necessário às famílias, nesse período.
É interessante observar que, nas nossas primeiras ações, as demandas eram focadas principalmente em itens de alimentação, uma vez que as famílias dos territórios em que atuamos vivem de trabalhos informais e precarizados, perderam , desde o começo da pandemia, as suas poucas fontes de ganho. Com o passar do tempo, novas ações se agregaram: doações de máscaras, remédios ou mesmo de água potável. Ou seja, tanto nós quanto elas e eles aprenderam fazendo, entendendo a cada dia as novas necessidades e dificuldades que o contexto nos impõe. Por isso também ajudamos inúmeras famílias no processo de cadastramento para recebimento do Auxílio Emergencial do governo federal, pois assim teriam acesso a esse direito, mitigando um pouco a grave situação em que se encontram.
Solidariedade que diz “sim à vida”
A nossa estratégia para a aquisição dos insumos de alimentação, higiene e proteção buscou, sempre que possível, ser feita para fortalecer o comércio local e em especial à agricultura familiar. Nesse caso fizemos compras diretas de mais de 200 agricultoras e agricultores.
Tais ações ocorrem em quatro regiões do Brasil (Nordeste, Sudeste, Norte e Centro-Oeste), abrangendo nove estados (PE, RJ, MT, ES, BA, PA, MG, CE e AM) sendo que três desses estados não são territórios onde a FASE atua cotidianamente (CE, AM e MG), mas tem importantes parceiros locais. Chegamos em 83 cidades e 337 bairros, comunidades e aldeias, o que demonstra o tamanho da rede solidária entre FASE, parceiros e comunidades. Destacamos aqui o papel das unidades da FASE em Pernambuco, Pará, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Mato Grosso, em especial o trabalho realizado pelos Fundo Dema e o Fundo de Serviço de Análise e Assessoria a Projetos (SAAP).
Na FASE, estamos certos de que nada disso seria possível sem uma ação articulada com os 74 parceiros diretamente envolvidos, já que para nós, as organizações, coletivos e grupos são os sujeitos que melhor conhecem as realidades de cada território, têm alta capacidade de mobilização e, acima de tudo, necessitam ser fortalecidos em um contexto tão adverso tanto do ponto de vista da pandemia, quanto das dimensões políticas que estão a revelar o tamanho da crise que se abateu sobre o país. Por isso, também os apoiamos na elaboração de projetos para participação em editais, aportamos recursos para o deslocamento atividades de compra e distribuição dos kits, vale alimentação, crédito de celular, dentre outros insumos diretos, contribuindo ainda financeiramente com campanhas realizadas por outros sujeitos políticos.
Em apenas três meses, mobilizamos R$ 668.605,00 a partir da solidariedade e do compromisso de instituições nacionais e internacionais que apoiam o trabalho da FASE na luta pela igualdade, acesso à direitos e democracia.
Quando pensamos na gravidade da situação em que estamos no Brasil, com o aumento assustador da fome, da pobreza, do desemprego, da falta de todas as políticas públicas básicas, da precariedade dos serviços de saúde, do agravamento da violência em todas as suas formas, em síntese, da deliberada política da morte que tem governado os nossos dias, pode parecer que o que já feito por nós foi pouco. Mas não foi! Não foi porque no dia a dia, cada uma das 9.100 famílias que puderam comer e se proteger com nossa solidariedade realizou um enfrentamento concreto que foi a negação da morte. Cada um dos grupos, coletivos e organizações apoiada significou o fortalecimento da sociedade civil. Cada conversa ocorrida quando da distribuição dos insumos foi um aprendizado coletivo. E a FASE confirmou, mais uma vez, o que já vem aprendendo ao longo dos seus quase 60 anos: agir em coletivo, compartilhando recursos, saberes, experiências, afetos é um ato político vital. É um dizer “sim à vida”. É alimentar a potência da transformação que mais do que nunca estamos precisando. E assim seguiremos!
[1] Diretor adjunto da FASE e coordenadora do Fundo SAAP.