13/09/2021 17:49
Carolina Alves, Letícia Tura e Maureen Santos¹
No Brasil há 215 milhões de cabeças de gado, é o segundo maior rebanho bovino do mundo e ultrapassa o total da população humana brasileira. A criação de gado é a atividade econômica que ocupa a maior extensão de terras no país,
juntamente com a produção de outros animais e de cultivos agrícolas, ocupa um total de 350,2 milhões de hectares. O Brasil é também o maior exportador mundial de soja, as commodities agrícolas representam 46% das exportações brasileiras, sendo a maioria delas destinada a Ásia. Além disso, as empresas brasileiras respondem por uma parcela significativa do mercado mundial de carne bovina e o país é o 3º maior produtor de leite do mundo.
O crescimento do setor é incentivado por investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais, e sua escala econômica é proporcional ao tamanho dos problemas socioambientais que o setor gera. Uma série de programas governamentais compõe a política nacional agropecuária (Plano Safra), incluindo um forte fomento à produção de ado. Muitos destes programas afirmam promover uma pecuária sustentável, como o Plano Agricultura de Baixo Carbono/ABC e a Política Nacional de Integração LavouraPecuária-Floresta/ILPF, mas a realidade está longe disso.
Em uma publicação recente, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com a Amazon Watch, mostrou as ligações entre grandes instituições internacionais de financiamento e a produção e exportação de commodities associadas a conflitos em Terras Indígenas, desmatamento, grilagem e enfraquecimento das proteções ambientais. De acordo com o relatório, a safra de soja de 2019/2020 atingiu quase 120 milhões de toneladas, recorde histórico que só foi possível graças ao aumento do desmatamento e das violações dos direitos socioambientais.
O modelo de produção no setor da soja é baseado em grandes monoculturas, e as corporações transnacionais dominam todas as partes da cadeia de produção. Somado à intensa expansão das áreas de pastagem de gado em direção à Amazônia e ao Cerrado, estas atividades tornam-se o principal vetor de destruição ambiental no país, causando desmatamento, poluição da água, emissões de gases de efeito estufa e perda de biodiversidade. Essa destruição tem profundas repercussões sobre os direitos territoriais de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e camponesas e para a soberania alimentar no campo e nas cidades.
A criação de gado é um dos motores do desmatamento observado no país e, frequentemente, há denúncias de que as quatro maiores empresas globais do setor – JBS, Marfrig, Minerva e BRF – compram gado de pecuaristas multados por desmatamento ilegal. Nos últimos anos, o Brasil vem apresentando índices alarmantes de desmatamento, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que o desmatamento na Amazônia Legal brasileira alcançou 11 mil km² entre agosto de 2019 e julho de 2020.
Além do poder econômico, o agronegócio detém grande poder político. Um dos principais meios para exercer sua influência política é a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne a maioria dos membros da chamada Bancada Ruralista. A FPA conta entre seus membros a 39 senadores e 245 deputados federais e opera no Congresso Federal, mas também tem influência nas Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais. De acordo com um relatório do De Olho nos Ruralistas – principal fonte de monitoramento das ações da Bancada – ela é financiada pelo setor bancário (Banco do Brasil, Santander, Itaú BBA) e por, pelo menos, 22 das 50 maiores corporações do agronegócio e da pecuária brasileira, incluindo a Bayer, Basf, Syngenta, Bunge e Cargill BRF, SEARA, Aurora, JBS e Ceratti.
Com efeito, apesar da situação de calamidade ambiental e da pressão internacional que o governo Bolsonaro vem sofrendo por parte dos países membros da União Europeia, preocupados com os possíveis impactos do tratado de livre comércio União Europeia-Mercosul, o apoio estatal e privado para a o setor agropecuário não para de crescer.
Conforme dados divulgados pelo Plano Safra 2020/2021, o governo federal investirá R$236,3 bilhões (39 bilhões de euros) no setor, o que representa um crescimento de 6% em relação a 2019, sendo grande parte dos recursos provenientes de bancos públicos, como o BNDES. Dessa quantia, R$1,3 bilhões (200 milhões de euros) serão destinados à subvenção das despesas em seguro. Outras formas de subsídio estatal incluem investimentos em pesquisa e novas tecnologias e mudanças legislativas favoráveis ao setor.
A grande onda nesse momento é o crescimento do chamado financiamento verde. O Brasil é líder na emissão de títulos verdes (green bonds) na América Latina, com US$5,13 bilhões emitidos desde 2014, e os setores da agricultura e da pecuária são considerados os principais mercados para investimentos “verdes”. Esta tendência vem sendo apoiada por novas políticas que facilitam o acesso do investidor internacional, financiando indiretamente a expansão da agroindústria e seus impactos.
Atualmente, a economia brasileira está em crise por causa da desaceleração provocada pela pandemia e pela falta de um projeto econômico de governo, e as graves queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal deixaram os investidores ainda mais cautelosos. No entanto, o Brasil continua sendo um terreno fértil para investimentos no agronegócio. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a baixa taxa de juros registrada no país é um grande incentivo para investidores e, junto à desvalorização da moeda brasileira, torna os investimentos mais baratos e aumenta a concorrência entre os investidores.
Além disso, as importações de carne do Brasil pela China aumentaram 65,8% no acumulado do ano até agosto de 2020, aliviando parcialmente os desafios econômicos.
Ao mesmo tempo em que o Estado continua garantindo o apoio ao agronegócio, os recursos para setores essenciais como a agricultura familiar, que produz a maioria dos alimentos consumidos no país, vêm sendo minados enquanto o setor é fortemente atingido pela pandemia. Recentemente, o governo federal vetou a lei que aprovava um plano emergencial para a agricultura familiar (PL 735) e tentou vetar também o plano emergencial para os povos indígenas (PL 14.021). Argumentou-se falta de recursos, demonstrando claramente as escolhas políticas por trás de uma gestão que prioriza o lucro por cima das pessoas.
[1] Integrantes da Plataforma Socioambiental e FASE. Artigo publicado originalmente na revista virtual “Economia circular ou círculo vicioso?”, da Global Forest.