01/09/2021 21:11
Maria Moura¹
Segundo o MapBioma, mapeamento da superfície de água no Brasil entre 1991 e 2020, registrou perda de 3 milhões de hectares de área úmida, o equivalente a redução de 15,7%, quatro vezes o estado do Rio de Janeiro. As imagens de satélite evidenciaram perda de água em todos os biomas, mas o Pantanal teve maior perda, 68% da área alagada. Em seguida estão a Caatinga, com redução de 17,5% e a Amazônia, 10,4%.
A Bacia do Alto Paraguai, por exemplo, foi a que mais sofreu nesse período, perdendo 65% da sua área. Esses são reflexos da devastação sofrida pelo Cerrado nos últimos 40 anos, principalmente com o avanço da fronteira agrícola, que provoca a degradação das nascentes que alimentam a bacia do rio. Assim, em agosto de 2021, o rio voltou a registrar, pelo segundo ano consecutivo, o menor nível de água desde 1965.
Em Cáceres, no Mato Grosso, município banhado pelo Rio Paraguai, o nível do rio chegou a apenas 35 cm, recorde histórico que levou essa e outras cidades da região a decretar estado de emergência na última semana de agosto. O relatório do MapBiomas, evidencia que Cáceres é a terceira cidade que mais perdeu superfície de água no Brasil nos últimos 30 anos, depois de Barcelos, no Amazonas, e Corumbá, em Mato Grosso do Sul, que também é situado às margens do Rio Paraguai.
O rio está com sede
Além dos danos causados pela agropecuária, desmatamento, queimadas e poluição, o Alto Paraguai também sofre com as consequências da instalação de Usinas Hidrelétricas (UHEs) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). As UHEs e PCHs são, muitas vezes, tidas como uma fonte limpa de energia elétrica, mas, segundo a ONG ECOA, essa matriz energética pode causar danos à fauna e à flora onde são empreendidas. O Pantanal, um local tão sensível em relação a seu equilíbrio hídrico, é fortemente prejudicado pela instalação dessas barragens, pois a alteração do pulso de inundações na planície pode desencadear graves prejuízos à biodiversidade. Nessa relação, as populações ribeirinhas que vivem às margens dos rios são as mais atingidas.
A ECOA aponta a existência de 38 hidrelétricas em operação na Bacia do Alto Paraguai, quatro estão em em construção, sete outorgadas e 11 em fase de estudo. Apenas no Rio Jauru, um dos principais afluentes do Rio Paraguai, há seis PCHs em funcionamento, sendo que a construção de uma sétima usina foi aprovada em 2018.
Constantino Pires da Veiga Filho, pescador profissional que vive há 51 anos na comunidade Porto Limão, às margens do Rio Jauru, conta que após a construção da primeira PCH, em 2007, a pesca abaixo da barragem nunca mais foi a mesma. “Antes era bem melhor para pescar. Depois da construção da hidrelétrica a pescaria ficou péssima”. Sobre o processo de construção dessas barragens, ele diz não ter ocorrido, em momento algum, um acordo ou uma conversa entre as construtoras e as comunidades ribeirinhas.
Constantino conta que aprendeu a pescar com o pai e que, naquela época, a região era uma maravilha. “Meu pai saía para pescar antes do almoço e meia hora depois voltava com um peixe fresco. Agora você passa o dia inteiro para pegar um peixe. Isso se pegar”. A partir de 2007, com a construção das barragens, é possível perceber que o rio está secando. Os peixes, antes abundantes, estão sumindo aos poucos. “Nós pegávamos muito Jaú, mas de um tempo para cá não se pega mais. Outros animais também estão sumindo”. O turismo também fica impraticável durante a seca porque os barcos e as chalanas não conseguem navegar”.
Ainda de acordo com o pescador, o período de seca nos anos em que ele era criança não era tão perceptível quanto agora. “Quando tinha 8 anos, a época da seca era normal. Não tinha muita diferença. O rio não baixava tanto e não tinha queimadas como tem hoje”. Em relação aos incêndios de 2020, ele relata que, nos arredores da comunidade em que vive, as queimadas se estenderam até às margens dos rios, impedindo também a pesca. Nesse local, o fogo se estendeu por um trajeto de cerca de duas horas e meia de barco, entre o Rio Jauru e o Rio Paraguai.
Enquanto o esgoto urbano da cidade de Cáceres é despejado diretamente no Rio Paraguai, famílias utilizam do rio para comer, beber, tirar sua renda, sobreviver. Nas palavras do senhor Constantino, “hoje o rio é uma lembrança, está apenas nas minhas memórias”.
A água que também pode estar contaminada
De acordo com o relatório Agrotóxicos e Violações de Direitos Humanos, o Mato Grosso é o estado que mais consome agrotóxicos no Brasil. Somando a seca histórica no Pantanal mato-grossense à contaminação dos recursos hídricos pelos agrotóxicos, que são utilizados nas monoculturas do agronegócio, principalmente na soja, milho e algodão, forma-se um cenário onde acesso a água de qualidade não é uma realidade para todos.
Conforme citado na cartilha publicada pela FASE, um estudo realizado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 2011, detectou a contaminação por agrotóxicos no sangue, urina e leite materno da população de Lucas do Rio Verde (MT). Essa contaminação é recorrente entre os expostos ao veneno e os que consomem água e alimentos contaminados, trazendo graves consequências para a saúde da população, desencadeando doenças como depressão, má formação e câncer. Os trabalhadores do agronegócio, as comunidades rurais e os centros urbanos próximos às monoculturas são os mais afetados por essas consequências, mas a poluição dos rios, do solo e do ar também tem sérios problemas ambientais, como a morte em massa das abelhas.
O relatório também destaca dados referentes aos impactos do uso de agrotóxicos por grandes fazendas, que podem afetar outras comunidades, muitas das quais produzem de forma agroecológica. Um exemplo disso é o assentamento Facão, em Cáceres (MT), que fica próximo a uma grande fazenda pertencente ao grupo Grendene do Rio Grande do Sul. A pulverização de agrotóxicos na fazenda acaba poluindo o ar, a água e as plantações do assentamento. “Observamos que depois que passavam o veneno, os pés de mamão, laranja e banana morriam”, fala de assentado descrita no relatório. Apesar das denúncias feitas pela comunidade, nenhum órgão ambiental foi fiscalizar a fazenda e, mesmo após uma conversa com o gerente, quando ele afirmou que iria evitar a pulverização de agrotóxicos, essas continuaram.
O Pantanal é Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, sua devastação tem influência no mundo. Não são apenas as comunidades pantaneiras que sofrem com a destruição desse bioma, mas são elas que o conhecem, e são elas que devem ser ouvidas para que daqui para frente as mudanças no Pantanal sejam para melhor.
[1] Estagiária com supervisão de Claudio Nogueira.