28/08/2007 13:08

Fausto Oliveira

Foram anos de atividade e luta no Espírito Santo tentando corrigir uma injustiça histórica, e anos de divulgação massiva desta luta. Agora, o esforço está recompensado: o ministro da Justiça Tarso Genro assinou e mandou publicar no Diário Oficial da União as portarias em que, finalmente, ficam demarcadas as terras indígenas Tupinikim e Guarani. Aqueles mesmos 11.009 hectares tradicionalmente ocupados pelos dois povos indígenas e que desde o final dos anos 1960 foram apropriados indevidamente pela empresa Aracruz Celulose e sua monocultura de eucalipto.

As portarias foram publicadas no Diário Oficial da União do dia 28 de agosto de 2007. Elas estabelecem a posse permanente dos indígenas Tupinikim e Guarani sobre sua terra. É claro que isso não encerra o processo, mas está definido de uma vez por todas quem de fato é o dono daqueles hectares de terra apropriados indevidamente pelo gigante econômico chamado Aracruz Celulose. O próximo passo é a homologação das terras pelo presidente da República, o que deve acontecer rapidamente, uma vez que o Ministério da Justiça já determinou a posse permanente.

Resolvida a questão sobre o direito dos indígenas a terra, agora é necessário estabelecer como será feita a retirada dos eucaliptos que tanto destroçaram as condições de vida do lugar. Detalhes desta nova etapa do processo serão discutidos num Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser celebrado entre o governo, os indígenas e a Aracruz. Cabe à Fundação Nacional do Índio (Funai) mediar este acordo.

A vitória é incontestável e o clima no Espírito Santo é de comemoração entre os indígenas e todos aqueles que os apoiaram, mesmo contra toda a corrente hegemônica de opinião que tentou por várias vezes criminalizar a luta indígena. Houve campanhas racistas e difamatórias promovidas pela propaganda da Aracruz Celulose, houve dezenas de notícias veiculadas pela empresa Gazeta (no jornal, no rádio e na televisão) reafirmando mentiras sobre os indígenas e sua luta pelo território, e houve apoio de parte da classe política capixaba à Aracruz Celulose. Tudo isso tornou a luta mais difícil e árdua.

Mas havia duas coisas fundamentais. A primeira delas, a que se deve primordialmente esta vitória, foi a disposição de lutar até vencer. Os indígenas Tupinikim e Guarani fincaram pé na determinação histórica de retomar o território de suas antigas aldeias, mesmo aprendendo no sufoco do dia a dia o que significa encarar um gigante econômico. A segunda coisa fundamental foi o apoio de diversos movimentos do Espírito Santo e, depois, do resto do Brasil. São muitos os movimentos e cidadãos e cidadãs que apoiaram a luta indígena. Cada um contribuiu de alguma maneira para tirar a máscara da Aracruz e mostrar ao poder executivo federal a injustiça histórica que devia ser corrigida.

Para Arlete Schubert, uma dessas apoiadoras de toda as horas da luta Tupinikim e Guarani, deve-se atribuir aos indígenas a vitória desta semana. “Atribuo à própria firmeza dos índios, de não abrir mão de seus direitos. A grande maioria dos políticos não tem compromisso com os direitos do povo, são poucas exceções. A vitória é dos índios e dos que apóiam sua luta e observam de perto o processo”, diz ela.

Uma história resumida – Apesar de serem donos tradicionais deste pedaço de terra no Espírito Santo, os Tupinikim e Guarani ficaram por muitos anos espremidos em parte do território, cercados pelo eucalipto extensivo. Em 2005, fizeram uma assembléia em que decidiram voltar a reivindicar o direito a terra. Já havia, nesta época, quatro estudos territoriais da Funai afirmando sempre o mesmo, que a terra é indígena e o total da área a ser demarcada seria de 11.009 hectares. O governo não tomou providências imediatas, e assim eles fizeram a chamada auto-demarcação. Entraram na área, retiraram eucaliptos e reconstruíram suas aldeias. Meses depois, já em 2006, uma ação da Polícia Federal os retirou dali com muita violência. Em compensação, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, prometeu que até o fim de 2006 ele assinaria as portarias de demarcação. Não só não assinou como ainda devolveu para a Funai os processos, requisitando mais estudos. Thomaz Bastos saiu do ministério no início deste ano, dando lugar a Tarso Genro. Há pouco tempo, a Funai disse a Genro que não havia mais o que estudar, os quatro estudos já realizados apontavam a justiça da demanda dos indígenas. Não havia mais o que postergar. Agora, finalmente, as estruturas de poder político e econômico foram forçadas a se dobrar diante da voz de quem não aceitou mais uma injustiça tão flagrante.