08/03/2022 13:34

Maria das Graças Figueiredo Costa, Sara da Costa Pereira e Simy de Almeida Correa*

Acordar, respirar, trabalhar, cuidar, protestar, defender, proteger, movimentar, insistir, resistir, reagir, chorar, gritar, irmanar, lutar. Não há dicionário que dê conta de quantificar os inúmeros verbos que tecem a ação cotidiana das mulheres no Brasil governado pela extrema direita. Depois de quase quatro anos sob a presidência de Bolsonaro, os direitos e as políticas públicas para as mulheres sofreram graves retrocessos que vão desde ataques aos direitos sexuais e reprodutivos à facilitação ao porte de armas, além de não ter aplicado nem um terço dos quase R$ 400 milhões previstos para as políticas de atenção às mulheres.

Mas, além de modificar as normas legais, os riscos e ameaças aos direitos e à vida das mulheres se intensificam no campo ideológico. Discursos de ódio e misoginia verbalizados por Bolsonaro desde antes de assumir a presidência, como quando disse que não estuprava a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia, foram amplificados por seus seguidores nas redes sociais. A objetificação e o desejo de domínio sobre a mulher são inflados pela onda conservadora e fascista que emana dos pronunciamentos e práticas do presidente e aliados políticos, ganhando materialidade nos crescentes índices de violência contra a mulher. De acordo com pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizada em 2021, 1 em cada 4 mulheres afirmou ter sofrido algum tipo de violência em 2020. Além disso, 46,7% dentre as mulheres que sofreram violência, perderam emprego durante a pandemia.

 

O aumento do desemprego, o desmonte de inúmeras políticas sociais e a volta do Brasil ao mapa da fome em pleno contexto pandêmico, deixaram as brasileiras ainda mais expostas aos diversos tipos de violência, sobretudo as que são arrimo de família, pretas e periféricas. O peso do cuidado com doentes e a responsabilidade de estar na linha de frente do combate à pandemia, também recaíram sobre as mulheres, contribuindo para a fragilização da saúde física e emocional.

Para complementar o quadro, é no contexto da pandemia que assistimos o aumento, de forma significativa, de feminicídios, em alegados e injustificados atos por ciúme. Em média, três mulheres foram mortas por dia. De acordo com monitoramento de mídias independentes, em 2020, pelo menos 1.005 mulheres morreram entre março e dezembro, no país.

Protagonistas da resistência

Embora sejam um dos principais alvos da política de morte do governo Bolsonaro, as mulheres não se curvaram e assumiram a trincheira da resistência. Em 2019, fizeram Brasília florir e tremer com a Marcha das Mulheres Indígenas e a Marcha das Margaridas, denunciando o desmonte das políticas agrárias e ambientais e o consequente acirramento das invasões nos territórios rurais e indígenas, colocando em risco a floresta e sua sociobiodiversidade. As mulheres são as principais afetadas por esse modelo exploratório hegemônico, branco, heteronormativo e colonial, pois são as maiores detentoras dos conhecimentos tradicionais e que diversificam a produção de alimentos a partir do manejo da biodiversidade.

Ainda que fortemente afetadas pela pandemia, as mulheres também lideraram as redes de solidariedade nas periferias urbanas, no campo, nos quilombos, nas aldeias e nos territórios tradicionalmente ocupados. As coletas e doações de cestas básicas, a produção de alimentos agroecológicos por agricultoras familiares e as cozinhas solidárias foram iniciativas que garantiram comida de verdade na mesa de milhares de famílias. Foi também pelas mãos delas que a confecção de máscaras, bem como chás e xaropes produzidos com ervas medicinais, ajudou muitas pessoas a se proteger e amenizar os efeitos da Covid. Além disso, foram as mulheres que desenvolveram estratégias de defesa dos territórios, impedindo a entrada de pessoas estranhas ou mesmo o trânsito de quem pudesse contaminar as/os mais idosas/os, as/os mais vulneráveis, especialmente como aconteceu com as quilombolas.

Apesar da erva daninha, a primavera feminista e Amazônica segue florindo

Mesmo com retrocessos e opressões impulsionadas pelo bolsonarismo, as mulheres seguem se posicionando politicamente e conquistando espaços historicamente comandados por homens. Em 2021, no Baixo Amazonas, no Pará, três municípios que estão no centro da expansão do agronegócio – Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos -, tiveram mulheres eleitas presidentas dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. A Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE), bem como o Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, também passaram a ser coordenados por mulheres. Esse processo pode até parecer irrelevante, mas, aponta a tendência de ocupação por mulheres de espaços de poder tradicionalmente exercido por homens. Quiçá esse fenômeno se espalhe para outras esferas da gestão política, como parlamentos e executivos país a fora.

São tantas Ivetes, Rosenilces, Sileuzas, Joices, Auricélias, Graças e Veras que seguem germinando as sementes de Margaridas, Luzias, Dorothys, Patricias, Marieles e Marias no diverso e plural chão do Brasil, ajudando a rebrotar a democracia.

Mesmo com estes significativos avanços, para a maioria da população brasileira – 51,8%, segundo o IBGE –, as mulheres ainda estão em posição inferior na sociedade, tanto no mercado de trabalho quanto na política. Mesmo festejando os 90 anos da conquista do direito ao voto feminino, a representação no setor político, ainda são muito baixos. Em 2020, estudo realizado pelo Instituto Update apontou que, no Brasil, apenas 15% dos espaços de tomada de decisão nos parlamentos são ocupados por mulheres.

Contra a exploração do sistema capitalista, patriarcalista, racista, machista e misógino, nesse 8 de março (8M), do Oiapoque ao Chuí, os tambores vão ressoar e o uníssono grito ecoar “Pela Vida das Mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome!”.

 

*Maria das Graças de Figueiredo Costa, é educadora popular na FASE na Amazônia e presidenta do Fundo Dema;

Sara da Costa Pereira, educadora da FASE na Amazônia e bacharel em Direito;

Simy de Almeida Correa, educadora da FASE na Amazônia / Fundo Dema e geógrafa.