27/01/2023 10:52

*Paula Schitine

Os protocolos de consulta e consentimento prévio são um conjunto de regras aprovadas pela comunidade para facilitar o passo-a-passo às autoridades públicas no processo de Consulta e buscam garantir direitos, especialmente o direito à livre determinação de condução dos processos pela comunidade, como também garantir o direito de consentir ou não a implementação da medida que afete a comunidade. O instrumento tem base na Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Decreto Nacional nº 5051, de 19 de abril de 2004.

O Protocolo é, acima de tudo, uma ferramenta de defesa dos direitos culturais, territoriais das comunidades, objetivando que seja realizada uma Consulta que respeite os conhecimentos, o tempo necessário e a linguagem para que este povo entenda todos os detalhes das medidas que o governo quer tomar, seja a construção de uma hidrelétrica, um porto, a extração mineração, a construção de uma escola ou uma Lei, tudo que possa afetar a comunidade. “São os povos das comunidades que dizem quem eles são,  onde se localizam, como vivem, e as regras que os governos devem se3guir pra consultá-los, então é um instrumento para facilitar os governos consultar quando os atos administrativos ou legislativas que vão impactar essa comunidade”, afirma João Gomes, coordenador adjunto da FASE Amazônia.

Comunidade do território no Pará elaboram regras do Protocolo de Consulta.

Há 60 anos, a FASE presta assistência a territórios que solicitam dela o trabalho de educação popular e consultas técnicas, desenvolvido através de oficinas  e muito diálogo para que os próprios povos construam as suas regras e normas.  “A FASE acumula experiência em educação popular e também respeita e incentiva a autonomia, os conhecimentos, a visão de mundo dos povos tradicionais.  E cada povo tem uma história e uma visão de mundo.  E o protocolo não é apenas um documento,  é um processo educativo, político, de autodeterminação, de afirmação de identidade, de capacitação e leitura do contexto, até a construção das regras”, descreve João Gomes. “A FASE procura atual na mediação facilitando o diálogo entre os diversos territórios na Amazônia. Então, quando vamos  assessorar normalmente levemos lideranças de outros territórios que já tenham  Protocolos de Consulta para facilitar também para o território que está construindo”, explica.

João também explica que o processo de direito à consulta não é fácil de ser assimilado, já que por séculos essas comunidades foram invisibilizadas,  e muitas vezes o Estado ou as empresas seguem agindo conforme os seus interesses e não buscam ouvir as pessoas que vivem nesses território0s.  “Mesmo aqueles que realizaram seus protocolos ainda encontram dificuldade de entender a importância deste instrumento, e como se daria na prática essa consulta. Então, não é um processo fácil.

Assédio aos territórios

No Brasil e na América Latina governos e iniciativa privada têm investido no mercado de commodities (mercadorias produzidas em grande escala e que podem ser estocadas sem perda de qualidade como o petróleo, ferro, alumínio,
soja e que são comercializadas globalmente e em grandes volumes). Para produzir essas mercadorias voltadas para o mercado externo, as empresas precisam de mais terra, rodovias, energia, ferrovias, sistemas de comunicação mais sofisticados, poucos impostos e fraca regulamentação e fiscalização pública e isso tem provocado sérias consequências para os povos indígenas, quilombolas e agroextrativistas da Amazônia.

Os povos da comunidade escrevem as regras de seus territórios.

Com base em um discurso ideológico sedutor, que afirma ser esse modelo econômico garantidor do desenvolvimento, emprego e melhoria do padrão de vida dos povos indígenas, quilombolas e agroextrativistas, na prática quando esses megaempreendimentos são instalados acontece a contaminação de rios e igarapés, mortandade de peixes, aumento do desmatamento, poluição do ar, população acometidas por doenças graves, aumento da violência, pobreza e prostituição de crianças e adolescentes. O avanço e o controle sobre os  territórios dos povos e comunidades tradicionais por parte das empresas são feitos também com a distribuição de alguns benefícios, pois os interesses por trás disso passam pelo faturamento de bilhões de dólares com a exploração de minérios, petróleo, aquisição de grandes extensões de terra, construção de portos, barragens, ferrovias, linhas de transmissão, e assim por diante. Elas distribuem de forma vil algumas migalhas para lideranças e comunidades “esquecidas” pelo poder público. Aliado a essa estratégia, toda sorte de violência é cometida contra.

A FASE realizou assistência aos povos Mundurucu, em 2015, e na época eram 12 mil indígenas distribuídos em 134 aldeias ao longo do rio Tapajós.  E estavam prevendo a construção de hidrelétricas, sendo a primeira a de São Luiz.  A FASE foi convidada pelo Ministério Público Federal e junto com outras organizações ajudou os mundurucus a construir o seu protocolo de consulta. E ao terminar essa construção, eles conseguiram frear a construção do empreendimento, exigindo a consulta, e a obra acabou não indo adiante”, lembra. “Os protocolos têm servido como uma ferramenta de defesa dos territórios porque ao exigir a consulta, o Governo tem que mostrar o projeto, demonstrar quais serão os impactos, e deve haver o consentimento daquele território ou não “, conclui.

Clique aqui para conhecer mais a fundo sobre o Protocolo de Consulta produzido pela equipe da FASE Amazônia

 

*Paula Sxhitine é jornalista da comunicação da FASE.