13/05/2013 13:08
Lívia Duarte, jornalista da FASE – Solidariedade e Educação
Diante da 11ª rodada dos leilões do petróleo, a sociedade tem elementos para questionar se há mais valor no que vai vivo sobre a terra ou na matéria orgânica morta há milhares de anos, depositada no subsolo. O tema foi parte do debate realizado nos dias 9 e 10 de maio em encontro sobre a exploração do petróleo no Brasil, que reuniu membros da sociedade civil – ONGs, sindicatos de petroleiros e suas duas federações, além de atingidos pelas atividades da indústria em diversas regiões do Brasil. Os relatos repetem cenários de expropriação da terra e da água e de territórios marítimos, já que os pescadores têm sido impedidos de trabalhar pelo aumento de plataformas e consequente área de exclusão, além dos impactos da poluição, seja por vazamentos ou dragagens. Já os petroleiros questionam a inequalidade de direitos entre trabalhadores da Petrobras, de empresas privadas e terceirizados, além do crescimento exponencial aos riscos de acidentes. A sobreposição – de empresas, cadeias logísticas e impactos – é outra constante.
Apesar das distintas visões sobre a questão – que vão do nacionalismo da campanha O Petróleo Tem que ser Nosso! ao clamor por Nenhum poço a mais! – o debate entre estes setores da sociedade civil aponta para algum nível de compreensão comum. É preciso mudar o modo e a velocidade da indústria petrolífera estrangeira – e brasileira -, considerando o estratégico debate sobre fontes de energia no contexto dos motivos para o aumento da produção, a diversidade de tipos de fontes possíveis e quem são os reais beneficiados pelos investimentos feitos nesta área. Os grupos também concluíram que é preciso criar territórios livres da atividade petroleira, como afirma a carta Contra o 11º leilão e seus impactos socioambientais nos territórios.
[“Todos somos afetados onde não há correlação entre o crescimento econômico e o bem da maioria”, leia entrevista com Sergio Calundungo, da Ajuda da Igreja Norueguesa, sobre o petróleo no país dele, que participou do encontro no Rio]
Pernambuco – Na região metropolitana do Recife, o Fórum Suape – Espaço Socioambiental, fundado em março, não se organiza especificamente em relação à indústria do petróleo. Mas identifica os múltiplos impactos negativos impostos pelas 114 empresas já instaladas (e as 50 que serão em breve construídas) no Complexo Industrial Portuário de Suape.
Por solicitação do governo daquele estado, foram incluídos no leilão dos dias 14 e 15 de maio mais três blocos para exploração de gás e petróleo na bacia Pernambuco-Paraíba. O ofício enviado ao governo federal lembra que os blocos “deverão atrair investimentos e trazer conhecimentos a essa nova área de fronteira exploratória”. A bacia a ser explorada no sul do estado ‘coincide’ com o projeto Suape Global – Pólo Provedor de Bens e Serviços para Indústria de Petróleo, Gás e Naval – que receberá, até o ano que vem, investimentos em obras de infraestrutura no valor de R$ 3 bilhões com a construção de refinaria, complexo petroquímico e estaleiros. Ou seja: mesmo se os poços não forem viáveis economicamente, já terão sido feitos grandes investimentos públicos e privados.
Na região, formada por antigos engenhos, já foram expropriadas mais de 13 mil pessoas desde o início da obra, na década de 70. Outras 25 mil devem ser expulsas até 2020, quando o governo estadual, que administra a área, espera não haver mais moradores. O processo indenizatório, segundo nos conta Mercedes Solá Perez, do Fórum Suape, é realizado sem critérios claros, de maneiras muito diversas de acordo com a pessoa ou o poder de organização de cada comunidade. “Vemos famílias indenizadas com R$ 48 mil, sendo que no Cabo (município onde está Suape) uma casa pequena custa R$ 150 mil, no mínimo”, comenta, evidenciando os impactos do porto sobre a especulação imobiliária nas cidades ao redor. O trânsito virou um problema, assim como os altos índices de poluição, o crescimento da criminalidade, a dificuldade de acesso aos serviços públicos. Tudo isso também fica evidente no vídeo Suape – um caminho sinuoso, produzido pelo Fórum e disponível em sua página na internet, que mostra até os efeitos sobre o acesso a alimentos por parte dos pescadores (assista a seguir). Eles contabilizam que no período de uma semana, quando costumavam pescar cerca de uma tonelada, hoje não tiram do mar mais que 30kg de pescado. São quilômetros de manguezais já desmatados e aterrados, além de ameaças a enormes barreias de corais. As mudanças econômicas tiraram o trabalho da pesca, corroeram seus modos de vida e sobrevivência. Como sintetiza no vídeo um dos pescadores da região: “No passado, eu tinha futuro”.
Rumo ao Norte – Os impactos de um polo econômico como Suape, que está conectado a 160 outros portos no mundo, não podem ser medidos apenas pela região próxima. O complexo inclui uma ampla rede de dutos, ferrovias e estradas, que agora vai sendo ampliada para conectar-se aos portos de Pecém, no Ceará, e Itaqui, no Maranhão, e a empreendimentos no interior do Piauí, por exemplo. O mapa dos blocos de petróleo a serem leiloados no nordeste nesta rodada ajuda a enxergar as proximidades: serão pesquisadas áreas no mar no Maranhão, no Ceará-Rio Grande do Norte, em Pernambuco-Paraíba. E áreas mais ao norte, como a bacia Pará-Maranhão e a região da Foz do Amazonas. Em terra, Alagoas, Recôncavo Baiano, Maranhão e Rio Grande do Norte estão na mira da exploração.
O mapa dos blocos, como destacou Nilo D´Ávila, do Greenpeace, não revela o que está na superfície: terras indígenas e quilombolas muito próximas, assentamentos e outras propriedades camponesas, cidades, importantes barreiras de corais, manguezais e estuários fundamentais à reprodução da vida marinha e dos pescadores. “Falamos de uma ampliação da área de exploração para mais 150 mil km² de território brasileiro e temos mais informação sobre o que vai abaixo do solo – as sísmicas, etc – do que o que está acima, como os modos de vida”, calcula. O desenho dos blocos “evita” claramente áreas de preservação ambiental – como é o caso dos Lençóis Maranhenses, para ficarmos em apenas um caso – e reservas indígenas. Mas a proximidade impressionante deve nos fazer questionar sobre os riscos socioambientais – inclusive porque 14 anos depois da primeira rodada, o Brasil ainda não tem plano de contingência para o caso de acidentes.
Enquanto o debate nacional se limita a distribuição dos royalties, o exemplo do Rio Grande do Norte, que já reveza com o Amazonas o posto de maior produtor de petróleo em terra no Brasil, pareceu emblemático. Leandro Freitas, da Diaconia, lembrou que desde a década de 1970 foram furados mais de 11 mil poços no estado e que estes poços – assim como a infraestrutura necessária ao funcionamento da indústria – estão agora em crise de produção, gerando problemas como desemprego. A perfuração de novos poços está no horizonte com o leilão. Sua localização coincide com as duas bacias hidrográficas mais importantes do estado e a região da Chapada do Apodi, maior polo de produção da agricultura agroecológica do estado, que abastece a região com alimentos. Seguindo a lógica de que um projeto não chega sozinho, a agricultura familiar também está ameaçada por um enorme projeto de perímetro irrigado voltado ao agronegócio. “A base da economia aqui é a agricultura. E vemos que em períodos como o atual, com os problemas causados pela seca, os royalties não são usados para aquilo que deveria – usados em serviços”, destaca, lembrando que cidades como Macau e Mamoré, recordistas no recebimento de royalties do petróleo, têm baixos Índices de Desenvolvimento Humano. Aliás, o Ministério Público denunciou desvio de mais de R$ 13 milhões da receita dos royalties nestas localidades no período entre 2008 e 2012, ação que flagrou também a falta de transparência, debate e participação públicos no que diz respeito à divisão das receitas provenientes da exploração de recursos naturais.
Seguindo ao sul – No debate sobre royalties, Marcelo Calazans, da FASE Espírito Santo, lembrou que os “lucros” do petróleo não têm se convertido em melhorias na qualidade de vida da população na maioria dos casos. Presidente Kannedy, no Espírito Santo, é um caso emblemático visto que ter o segundo maior PIB per capta do estado (mais de R$ 97 mil por habitante) não garante melhoria da qualidade de vida ou diminuição da desigualdade. Quem visita o pequeno município de 11 mil habitantes encontra um verdadeiro caos ao invés de serviços públicos de qualidade, como a Saúde. Marcelo defende que o debate não se concentre nas compensações – que são sim muito importantes já que os impactos afetam a vida de milhares de pessoas –, mas abarque também o uso que “esta sociedade petroleira” dá ao petróleo. “Precisamos barrar a expansão deste modelo. Considerando o petróleo como um bem tão valioso, é fundamental que seja usado com parcimônia ao invés de ser queimado, irracionalmente, nos congestionamentos das nossas metrópoles. Não podemos perder o horizonte de alguma transição para outro uso da energia”, destacou, argumentando que o petróleo pode ser mais valioso (e nosso) sob a terra, já que depois da extração, diante do capital, não controlamos mais esta riqueza.
Paulo Henrique de Oliveira, da FASE e do Fórum de Afetados por Petróleo e Gás no Espírito Santo, ironizou: “se o petróleo é nosso, decidi que não vou explorar minha parte”. Ele refletiu sobre os impactos que mapeou com um grupo de cicloativistas no Pedal Contra o Pré-sal, que seguiu por quase 400km entre Vitória e a fronteira com a Bahia. Na região, há áreas exploradas em terra desde a década de 70, onde os cicloativistas presenciaram contaminação e “uma compensação que não compensa”, na fala de pessoas e comunidades afetadas. A área tende a aumentar com os novos blocos exploratórios que serão leiloados pela ANP.
Também no sul do Espírito Santo serão vendidos novos blocos, que se aproximam de cidades como Anchieta, já pressionada pela antiga presença de empreendimentos no ramo da mineração. Adilson Ramos, o Russo, pescador de uma associação local, teme o aumento do número de plataformas: seja pela diminuição das áreas de pesca, consequência das áreas de exclusão ao redor das embarcações, seja pela poluição que mata cardumes. “Dizem que compensação é aula de preservação ambiental. Olha, pescador não precisa de aula de preservação ambiental. Os royalties são pagos, mas não para o pescador que tomou prejuízo. Não vemos isso em nada, não sabemos pra onde vai. De que forma alimentamos nossos filhos?”, questionou.