Marta Silva
05/08/2024 17:03

A Secretária de Municipal de Meio Ambiente de Santarém (SEMMA) publicou no último dia 17, no Diário Oficial dos Municípios, a portaria nº 31/2024, que proíbe o uso de fogo para limpeza e manejo de áreas urbanas e rurais, no período compreendido entre 2 de julho de 2024 a 7 de janeiro de 2025.

Como aponta a portaria, a mesma foi construída “considerando que a SEMMA deve adotar medidas preventivas para evitar focos de queimadas, principalmente, na zona rural do município de Santarém no ano de 2024”; “Considerando as condições climáticas cíclicas adversas (estiagem prolongada, altas temperaturas, ondas de calor, umidade relativa do ar baixa e intensos ventos) e que favorecem às ocorrências de incêndios florestais”, bem como, “considerando a necessidade de se definir o período de restrição do uso de fogo para as realizações de limpezas de áreas” (Fonte: portaria N.º 31/2024/SEMMA).

A portaria causou discussões e indignações, uma vez que, desde 2022 que municípios, estados e a União Federal legislam sobre a suspensão do uso do fogo, mas sempre excluindo da proibição o setor da agricultura familiar que inclui comunidades tradicionais e povos indígenas. Segundo Pedro Martins, educador popular na FASE, “em Santarém, a Portaria 31 de 2024 da SEMMA não faz essa exclusão, ou seja, ameaça a prática tradicional da roça de toco”. Pedro ainda questiona que, indo além, em Santarém a suspensão vai até o mês de janeiro, o que é contestável, já que ao menos em novembro pode voltar a chover no município. “Além disso, Santarém ainda não decretou estado de emergência”.

Nesse sentido, trabalhadores agricultores rurais têm reivindicado que a SEMMA faça alterações na portaria, bem como, questionam a falta de diálogo da secretária com a classe.

Em entrevista ao Tapajós de Fato, Ivete Bastos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), fala sobre a portaria e a questão da temporalidade ali imposta e como ela afeta os trabalhadores produtores, tanto da várzea quanto de terra firme.

“É são dois períodos muito fortes que eu considero da agricultura familiar, né, para a área de terra firme era a partir de novembro, claro que agora retardou, mas mesmo assim janeiro já não é área ou período, até porque se porventura chover antes e a folha que caiu, ela já não tem mais, só se fosse para abandonar o que já foi derrubado, que não tem mais como queimar essa área e aproveitá-la. Então, essa é uma questão, as roças da terra firme tem que ser plantadas até esse mês de janeiro. E ao contrário, agora [nesse período de julho] ela já afetou a várzea, porque é esse período em que a população se passar no beiradão, vai ver, todo mundo está plantando para produzir a melancia, para produzir as hortaliças, jerimum, abóbora, feijão, milho. Então, mas agora com essa medida, essa portaria, ela impactou muito”, pontua Ivete Bastos.

Ela enfatiza também que, tanto na várzea quanto na terra firme, a maneira de preparar a terra, na região, ainda é pela utilização do fogo. Portanto, Ivete relembra que a situação do trabalhador, quando há uma portaria proibindo uma prática que é usada de forma massiva por quase toda uma classe, fica muito complicado.

“Então é uma situação muito desafiadora, nós [agricultores familiares] não temos efetivação de políticas públicas, nem para irrigar, nem para mecanizar, nem para o crédito. Tudo é difícil esse acesso. Mas a gente precisa se alimentar e alimentar quem está na cidade”.

Incêndios florestais e os mecanismos de controle e prevenção

Os incêndios florestais na região do Baixo Tapajós em 2023 foram devastadores, afetando significativamente a Floresta Nacional do Tapajós, a Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns e áreas de assentamento em Belterra, Santarém e Mojuí dos Campos. Esses incêndios de grandes proporções causaram danos extensivos à flora, fauna e às comunidades locais, e os pesquisadores estão atualmente avaliando os impactos ambientais, econômicos e sociais.

Como aponta a própria portaria, ela se faz necessária devido às condições climáticas cíclicas adversas (estiagem prolongada, altas temperaturas, ondas de calor, umidade relativa do ar baixa e intensos ventos) e que favorecem as ocorrências de incêndios florestais.

Nesse sentido, Antônio José (Sapopema) enfatiza que “a preocupação da portaria está correta devido ao período de muita seca”. Ele lembra os casos de incêndio devastadores que destruíram áreas de produtores em 2023. Casos como o da comunidade de Jauarituba, na Resex Tapajós-Arapiuns, que enfrentou um incêndio que levou quase três meses para ser controlado e das agricultoras da Amabela (Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais Intermunicipal) na comunidade Canaã, que tiveram parte de seu plantio agroflorestal atingido pelo fogo no ano passado, destacando o impacto devastador desses incêndios nas comunidades locais e na agricultura”.

Na visão dele, a portaria ir de julho de 2024 a janeiro 2025 é uma medida de precaução devido a extensão do período de estiagem. Antonio José pontua que seria arriscado deixar um período mais curto. No entanto, alguns pontos precisam ser levados em consideração, uma vez que a portaria da SEMMA enquanto medida de controle e prevenção deve vir acompanhada de outras ações.

“A SEMMA deve proporcionar espaços de orientações de educação ambiental, preparando pessoas das comunidades para serem agentes de transmissão de conhecimento em relação ao bom manejo do fogo relacionada à agricultura”, Antônio José, Sapopema.

Nesse sentido, Francinaldo do Nascimento Miranda da assessoria de comunicação do STTR se posiciona: “a gente sabe que o ano passado aconteceu a questão de muitas queimadas e se for buscar fundo essas queimadas não aconteceram somente por conta do fogo da roça do pequeno agricultor, […] a gente reconhece que tem muitos criadores de gado que também renovam seu campo na base de fogo, né, então não seria que não tenha, assim, a medida protetiva provisória, mas que seja uma medida provisória que possibilite o trabalhador fazer a sua roça através do fogo também. Então o melhor caminho, na verdade […] seria o diálogo entre os trabalhadores, a representatividade de trabalhadores, que é o sindicato, e o governo municipal”.

Outro que se posiciona sobre isso é o Pedro Martins, ele relembra que “a suspensão de uso do fogo é válida desde que o Estado garanta no mínimo duas outras ações: assistências às famílias no período de seca e apoio ao fortalecimento de sistemas agroflorestais”.

Monitoramento ambiental e os processos de licenciamento/autorização para as atividades potencialmente utilizadoras de fogo como instrumento de limpeza de área

Em seu Art. 3º a portaria traz a seguinte redação: “O setor de monitoramento ambiental, dentro do período previsto nesta Portaria, dará prioridade aos processos de licenciamento ou de autorização para as atividades potencialmente utilizadoras de fogo como instrumento de limpeza de área”. Antônio José relembra que somente a agricultura familiar é atividade potencialmente utilizadora de fogo como instrumento, logo, essa autorização seria para os produtores.

Esse é outro ponto que causou muito questionamento aos trabalhadores rurais. Eles questionam como se dará essa análise dos processos de licenciamento para essas possíveis autorizações.

“Quando se fala da questão de monitoramento, se a gente for ver, o ICMBIO é responsável aqui pelo monitoramento da região Tapajós-Arapiuns, que é a região de Resex. Mas os outros trabalhadores que estão na região de Curuá Una, que estão na região de Várzea, que estão na região de Ituqui, região da Cuiabá, quem vai fazer esse monitoramento?”, pontua Francinaldo do Nascimento Miranda, trabalhador rural e assessor de comunicação do STTR de Santarém.

Para os trabalhadores representados pelo seu sindicato, a SEMMA não levou em consideração a realidade das diversas regiões que compõem o município de Santarém ao construir a portaria. Em seminário realizado na última segunda-feira (29), pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém e que contou com a presença do Secretário Municipal de Meio Ambiente, João Paiva, a portaria foi um dos pontos tratados.

Segundo os organizadores do evento, ao ser questionado pelos trabalhadores produtores rurais presentes, o secretário admitiu que a portaria, da forma que está, dificulta o trabalho dos agricultores.

“Na fala do secretário, ele já adiantou pra gente que a portaria, ela tinha sido publicada com o intuito de fazer esse monitoramento de queimada, mas que havia possibilidade de rever essa portaria, dando atenção a essa realidade dos trabalhadores rurais, que não conseguem fazer uma roça sem o uso do fogo. Então, ele reconhecia que os trabalhadores iam ter essa dificuldade, porque é na base do fogo mesmo que é feito as suas roças, então ele já adiantava uma possibilidade de fazer um ajuste, ou seja, uma republicação, ajustar e republicar, abrindo esse espaço para o trabalhador […] Então, o que a gente pede? Se for possível fazer ajustes, mas que também que seja para breve, né, porque essa época já é época que todo mundo já está quase começando a tocar fogo nas suas roças. Então se for esperar ainda, é, pelo processo de aprovação e tudo, acaba que o trabalhador vai sofrer esse impacto, não vai queimar sua roça porque são nove regiões que o sindicato representa e regiões com realidades diferentes”, finaliza Francinaldo Miranda.

Matéria originalmente postada neste site

*Tapajós de Fato