Paula Schitine
02/12/2024 14:48
Entre os dias 11 e 22 de novembro, foi realizada em Baku, capital do Azerbaijão, a 29ª Conferência das Partes (COP29) das Nações Unidas (ONU) sobre mudança climática. O evento, que é um dos mais relevantes no combate à crise climática, reuniu líderes mundiais, cientistas, ativistas e representantes de diversos setores da sociedade para discutir metas e implementar ações para conter o avanço do aquecimento global.
A COP deste ano aconteceu em um momento crítico, com desafios crescentes para alcançar as metas do Acordo de Paris e assegurar um desenvolvimento sustentável. O Acordo de Paris foi assinado na COP21 em 2015, quando as nações se comprometeram a limitar o aumento da temperatura global a 2 °C, o que ainda é acima dos níveis pré-industriais.
No centro das discussões da Conferência estavam questões fundamentais, relacionadas às mudanças vividas pelo planeta. Entre elas, ações para a redução de emissões, além do financiamento de iniciativas climáticas e a adaptação a eventos climáticos extremos, como, por exemplo, estiagem e seca, incêndios florestais, ondas de calor e de frio, inundações e enchentes, deslizamentos de terra, ciclones, tornados e vendavais.
A FASE na COP29
A FASE foi representada pela diretora-executiva, Letícia Tura, a coordenadora do Núcleo de Políticas e Alternativas (NuPA), Maureen Santos, e a coordenadora da FASE Amazônia, Sara Pereira. Elas participaram de conferências de imprensa, debates, painéis e manifestações junto a ativistas pelo clima e contra a indústria do carbono.
No dia 18 de novembro, Letícia Tura participou do painel “Transição Justa e trabalho: conectando o campo e a cidade”, no Pavilhão Brasil ao lado de representantes de outras organizações sociais, como a CUT e a CONTAG, e a representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Luciana Jacob. A diretora da FASE apontou a agroecologia como um modo de produção sustentável e que promove justiça social. “A agroecologia busca articular a conservação das florestas com a soberania territorial, porque também não haverá transição justa se os povos do campo e das cidades não tiverem soberania sobre o seu território, e segurança alimentar e nutricional”, defendeu ela. “Ou seja, a agroecologia garante a diversidade produtiva e diversidade de culturas alimentares, a descentralização dos circuitos de comercialização e o abastecimento, além da distribuição de renda, de terras, e a equidade porque sem feminismo não há agroecologia, e com racismo não há agroecologia”, concluiu.
Maureen Santos participou da coletiva de imprensa “Líderes latino-americanos e o caminho para a COP30 em Belém”. Ativistas climáticos da América Latina e do Caribe colocaram as principais demandas na segunda semana da COP29, concentrando nas baixas expectativas em relação à política voluntária para fornecer fundos, especialmente para perdas e danos, e também na redução de metas de emissões no setor agrícola. Mas, apesar do resultado incerto das negociações em Baku, em particular sobre os mercados de carbono e as falsas soluções, os representantes presentes foram unânimes em afirmar a importância do caminho que está sendo construído para Belém, no próximo ano, onde se espera que a Cúpula dos Povos exerça pressão sobre a presidência brasileira da COP30 e reduza o impacto da crise climática nos territórios.
“O processo até Belém se mostra fundamental para construir um movimento mais forte ao redor do mundo globalmente e ao mesmo tempo enfrentar muitos desafios que não apenas relacionados à agenda climática e toda a crise ambiental e socioambiental que estamos vivendo agora, mas também relacionados à extrema direita que retira direitos civis e que está crescendo ao redor do mundo criando muitos desafios para alcançar uma agenda sobre soluções reais”, disse Maureen Santos. “Então para a Cúpula dos Povos, estamos construindo esse processo junto com as organizações, mas muito focados, no Brasil, na ideia de como apoiar os territórios e os direitos à terra também”, completou.
Sobre o principal tema da COP29, o financiamento climático, ela questionou: “que tipo de financiamento climático queremos? O que realmente queremos buscar com esse financiamento? Nós não queremos mais dívidas climáticas. Então, que tipo de financiamento queremos de verdade? O que chamam de integridade ambiental, que aqui é referida apenas como contabilidade dupla, isso realmente seria integridade ambiental, ou é sobre a proteção das florestas, da biodiversidade e proteção de bens comuns? E entender que não há florestas sem pessoas!”, pontuou ela.
Manifestações silenciosas
No sábado, ativistas e representantes da FASE participaram de um protesto silencioso para exigir a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, financiamento climático para o Sul Global e uma transição justa para energia limpa. Manifestantes da COP29 pediram embargo de energia devido ao genocídio em Gaza e à catástrofe climática. E em outra, promovida por várias redes internacionais como a Coalizão Global de Floresta/GFC, ativistas se manifestaram contra o mercado de carbono e as falsas soluções.
A coordenadora da FASE Amazônia, Sara Pereira, que também integra a Cúpula dos Povos Rumo à COP30, esteve presente nas manifestações e também participou da mesa “Envolvimento da sociedade civil na UNFCCC: caminho para a COP30 e além”, onde falou sobre as expectativas para a próxima COP com a construção deste evento paralelo, que pretende mobilizar organizações e movimentos sociais na capital paraense. “Teremos uma grande mobilização da sociedade civil com povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, não apenas do Brasil mas de diversas partes do mundo, pressionando os governos, para tomarem decisões efetivamente eficazes no enfrentamento à crise climática”, aposta. “Porque a gente sabe que com a força e a pressão da sociedade civil a gente tem mais chances que as pautas cheguem na mesa dos negociadores com esse clamor”, completa.
Análise dos resultados
O documento final da COP29 gerou duras críticas de analistas internacionais e das representantes da FASE. Porém, ambientalistas e ativistas avaliam que esse valor é insuficiente e vai causar o endividamento dos países do sul global, pois o valor real da conta para o enfrentamento à crise climática é da ordem de 1,3 trilhão de dólares (R$ 5,77 trilhões). Além disso, as especialistas da FASE concluem que a COP29 foi mais um espaço para negociação de mercado de carbono e a financeirização da natureza, que são falsas soluções, do que para a discussão de soluções reais.
Para Maureen Santos, há uma polarização nas negociações onde se criticam os países produtores de petróleo sem olhar para toda a cadeia e quem são os países que mais demandam energia fóssil. “Às vezes a gente olha para o petróleo, e isso virou um grande debate, então é importante falar sobre isso. Fazendo uma comparação é como falar que reduzir o consumo individual resolve o problema. Se a gente está falando de transição energética, são muitas camadas, porque o petróleo é uma cadeia não é só quem está produzindo o petróleo, mas quem demanda essa quantidade de petróleo? Não somos nós do sul global, mas as grandes indústrias de fertilizantes e agrotóxicos, de plástico, de tecido sintéticas, as big techs”, critica. “É preciso olhar para toda a cadeia do petróleo e não somente nos países produtores porque se não entra no jogo dos países do norte que só querem criticar os países do sul e a gente entra numa lógica de não analisar a questão geopolítica”, analisa.
A diretora executiva da FASE, Letícia Tura, analisa que a COP29 que deveria ser do financiamento se tornou a COP da financeirização da natureza. “Isso se dá apesar de todos os impactos que isso poderá ter para as políticas públicas, para a participação social, para as políticas públicas que efetivamente garantam a autonomia e a soberania dos pobres sob seus territórios. Essa cota do financiamento pode também avançar para um financiamento que não necessariamente seja um financiamento público de cooperação, não baseado em dívidas, mas para um financiamento com diferentes engenharias financeiras cada vez mais avançando para a financiarização da natureza, das florestas e da biodiversidade”, destaca. “Da mesma forma, a adaptação, programas de mitigação, transição justas ficaram para frente. Dessa forma, precisamos mais do que nunca de uma estratégia muito forte da sociedade civil, dos movimentos sociais, para a Cúpula dos Povos, rumo à COP30, onde a gente possa efetivamente ter propostas para uma transição justa, com justiça climática e a garantia da superação das diferentes desigualdades”, completa.
*Comunicadora da FASE Nacional