26/01/2007 12:27
Fausto Oliveira
Um seminário ocorrido no Ceará em fins do ano passado revelou um quadro desolador. Empreendimentos de criação de camarões em cativeiro, beneficiamento de coco, turismo, produção de cachaça e outros estão provocando verdadeiros descalabros na vida de comunidades inteiras e no meio ambiente. Diversas denúncias foram divulgadas durante o 1º Seminário Cearense contra o Racismo Ambiental. São casos diferentes com vários traços em comum: as vítimas são sempre comunidades tratadas como descartáveis pelos promotores do desenvolvimento capitalista do Ceará.
Tânia Pacheco, consultora do Projeto Brasil Sustentável e Democrático da FASE, participou do seminário em Fortaleza e trouxe informações importantes. Num momento em que o mundo todo começa a perceber que o desenvolvimento econômico descuidado traz imensos prejuízos ambientais, cabe olharmos em detalhe certos processos que estão na base de flagelos globais como o aquecimento do planeta. Cada lagoa morta, cada rio assoreado, cada mangue arrasado, ou floresta derrubada contribuem para o mal maior. O seminário de Fortaleza foi farto em denúncias de como episódios localizados se juntam para conformar um quadro geral de devastação ambiental.
A carcinicultura – cultivo de camarões em cativeiro – é responsável por vários crimes ambientais no Ceará. As fazendas de camarões são feitas em área de manguezal apropriadas de modo irregular por empresários rurais. Eles cercam áreas enormes e iniciam um ciclo produtivo que acaba por matar as espécies vegetais e animais do mangue. Em paralelo, arrasam as condições de vida de comunidades que sempre ocuparam a região de maneira responsável, como indígenas, pescadores, marisqueiros, ribeirinhos e outros.
“As fazendas são monstruosamente grandes. Não só arrasam com o manguezal como também afetam o entorno”, afirma Tânia Pacheco. Alguns exemplos surgidos no seminário: na cidade de Aracati, uma fazenda de camarões tem nada menos do que 700 hectares, e pertence ao prefeito. Ás margens do rio Jaguaribe, duas comunidades de pescadores estão dizimadas porque foram feitas 129 fazendas de camarão nas proximidades. Em Porto do Céu, a fazenda foi cercada por cerca elétrica, o que impede as comunidades locais de pescar e até mesmo de ter acesso à água. Enquanto isso, de acordo com um estudo do professor cearense Jeovah Meireles em mais de 200 fazendas, a carcinicultura emprega de maneira precária apenas 3,2 pessoas por hectare.
Outro caso escandaloso é relacionado à fabricante de cachaça Ipióca. A empresa usa água da Lagoa Encantada para fazer cachaça e despeja resíduos industriais na mesma lagoa. É evidente que a lagoa está quase completamente contaminada. Ocorre que ali vive um povo indígena, os Canindés. Este povo está sofrendo com a morte da lagoa que sempre garantiu sua sobrevivência, à qual sempre tratou com todo cuidado. Outro povo indígena, os Tremembés, estão em conflito com a empresa de coco ralado DuCoco. As terras indígenas dos Tremembés foram invadidas e hoje são ocupadas por coqueirais de dimensão industrial.
O turismo também tem grande impacto ambiental no Ceará. Uma empresa chamada Atlântida quer fazer, com capital europeu, mais de 60 hotéis a partir de São José do Buriti. Um dos empreendimentos quer fazer cinco marinas em uma área de manguezal. A obra foi autorizada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente e depois, mas o Ministério Público foi acionado para evitar o dano. “Foi feita uma licença ambiental em que sequer há a palavra ‘indígena’”, diz Tânia.
Mas a capital Fortaleza também tem casos de empreendimentos que assolam pessoas e o meio ambiente. A intenção da prefeitura de ampliar o traçado da avenida Beira-Mar está vitimando comunidades pobres dos bairros de Bom Jardim e Pirambu. A obra chega e expulsa as comunidades “simplesmente jogando-os fora, às vezes dando uma indenização mínima e outras vezes dando nada, alegando que a terra é da Marinha ou com outro argumento”, como diz a historiadora Tânia Pacheco. E depois que desocupa o território, a prefeitura aterra o mar e ergue prédios e hotéis. Como não há estrutura de esgotamento sanitário, os dejetos vão para o mar.
O diagnóstico feito no Ceará em apenas dois dias de seminário mostra um pouco do que ocorre em todo o Brasil. Essa combinação de dano ambiental e agressão a comunidades desfavorecidas em nome de interesses empresariais é uma constante em nosso país. Daí podemos concluir que o Brasil tem exercido um triste papel na crise ambiental que já se anuncia tão claramente no mundo todo. E se o efeito ambiental não é sempre imediato, a situação de pessoas tratadas como descartáveis por estes empreendimentos é caso de emergência. Por tudo isso, os participantes do 1º Seminário Cearense de Racismo Ambiental consideraram que, para seu estado, para o Brasil e para o mundo, um outro modelo de desenvolvimento é essencial.