29/03/2006 18:31
Fausto Oliveira
Na semana passada, o Dia Mundial da Água trouxe mais uma vez o debate sobre este recurso natural fundamental para a vida. Este é um debate ainda pouco amadurecido, o que não corresponde à sua urgência. Dados da ONU mostram que 1,2 bilhão de seres humanos não têm água de qualidade para beber. Há estudos afirmando que a escassez de água vai duplicar nos próximos dez anos. Tudo por causa da poluição de mananciais combinada com o consumo insustentável praticado pela grande agricultura e pelas indústrias. Diante desse quadro, a região do Brasil mais pródiga em água doce realizou a Semana da Água em Belém do Pará. A Amazônia se reuniu para discutir o desafio de se criar uma nova cultura em relação à água. A FASE Amazônia estava lá.
Matheus Otterloo, coordenador da FASE no Pará, falou ao Fase Notícias sobre a Semana da Água. Ele representou a instituição em debates que também contaram com entidades como o Fórum da Amazônia Oriental, o Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Caritas. Entre os muitos riscos para a sobrevivência da bacia Amazônica, Matheus destaca o uso dos rios para produção de energia elétrica.
“Estamos muito preocupados com a questão da energia. Ficou claro que existe um plano decenal de energia para o Brasil. Nesse plano, os rios da Amazônia são vistos como fonte de energia barata. Estão planejando dezenas de usinas hidrelétricas para a região”, diz ele. A usina de Belomonte é apenas a parte já visível de um projeto que vai fazer muito mal à Amazônia e possivelmente colocará em risco a sustentação dos recursos hídricos na região do Brasil mais abundante em água doce subterrânea.
O coordenador da FASE relatou que estudiosos da Universidade Federal do Pará trouxeram um interessante estudo aos debates da Semana da Água. Segundo os pesquisadores, países ricos que já vivem o começo de uma crise de escassez de água estão dispostos a pagar por água do Brasil e outros países abundantes em água doce. Uma vez que poluíram para sempre suas fontes de água com industrialização massiva, passariam a dispor da fonte alheia. “Daqui a seis anos navios poderão estar nos rios da Amazônia levando água para fora do Brasil, segundo estes pesquisadores”, diz Matheus.
Talvez a previsão soe absurda para uma sociedade acostumada a ter água à vontade, a ponto de desperdiçá-la como é usual nas cidades brasileiras. Mas é preciso saber que, assim como o petróleo mobiliza guerras porque a sociedade dos Estados Unidos não concorda em usar menos automóveis, no caso da água já está em ação um plano de transformá-la em uma mercadoria como qualquer outra. Se os países aceitarem isso, estará aberto o caminho para estes funestos navios de expropriação dos recursos hídricos públicos brasileiros.
Falar em uma nova cultura relacionada à água significa propor todo um novo modelo de gestão que jamais aceite fazer dos recursos hídricos uma mercadoria. Mais especificamente, significa dar um freio ao abuso cometido pelos grandes agricultores: somente eles, com a irrigação intensiva, usam cerca de 70% da água doce do planeta. O consumo humano, segundo a ONU, representa apenas 18% do total. É por isso que as organizações sociais de todo o mundo apontam a necessidade de controlar o uso industrial e agrícola, conter a poluição de rios e nunca aceitar que a água vire mercadoria.
Para que uma nova cidadania global possa ser responsável pela garantia do acesso universal aos recursos hídricos, será necessária uma nova cultura relacionada à água. Isso implica uma mudança geral de comportamento, eliminando os desperdícios e ao mesmo tempo dando à sociedade a chance de ser co-gestora da água junto ao poder público. Para Matheus Otterloo, “a base social não pode estar ausente. Se entregar a água para as empresas, será comercializada. Consideramos a água como um bem coletivo ao qual todo ser vivo tem direito”.