06/05/2006 14:57

Fausto Oliveira

Viena, a capital da Áustria, já está recebendo movimentos sociais e ONGs latino-americanos e europeus. Na semana que vem, começam a aportar na cidade chefes de estado de toda a América Latina e também do Velho Mundo. Por que? A cidade será a sede da Cúpula da União Européia e América Latina, que acontecerá ao longo da próxima semana. Enquanto os governos vão discutir livre comércio e outros assuntos marcadamente antipopulares, uma contra-cúpula vai tomar as ruas da capital com a finalidade de pôr no banco dos réus as empresas transnacionais que degradam as condições de vida nos países do Sul em nome do lucro e da apropriação de tudo. É o Tribunal das Transnacionais, que, longe de ser apenas um simulacro, trará efeitos jurídicos reais.

O Brasil vai participar deste tribunal. O principal caso será a acusação contra a Aracruz Celulose. Indígenas do Espírito Santo já estão lá para testemunhar contra a empresa. Além deles, movimentos sociais como o MST vão participar da acusação de crimes cometidos pela empresa nos últimos quarenta anos. Trata-se de roubo de terras através de fraude documental, violência arbitrária contra indígenas e quilombolas, desmatamento sem autorização, apropriação de corpos hídricos, entre outras más práticas que configuram a Aracruz como uma empresa criminosa.

Acusada no Tribunal das Transnacionais, a Aracruz será não apenas difamada internacionalmente. Não será apenas um fato do tipo como o que fez a família real da Suécia retirar seu capital da empresa. Desta vez, os movimentos sociais querem conformar uma acusação juridicamente perfeita contra a Aracruz. E, de posse das acusações que serão feitas em Viena durante a cúpula dos países, algumas organizações brasileiras, entre elas a FASE, vão se encarregar de abrir processos contra a empresa.

Esta oportunidade vai representar a reversão de uma tendência percersa que vem sendo construída na opinião pública nacional: a de criminalizar os movimentos sociais. Depois que o Movimento das Mulheres Camponesas ocupou a sede da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul e destruiu mudas de eucalipto e equipamentos, a mídia comercial julgou os fatos pela aparência e determinou que a ação não tinha nenhum sentido a não ser a destriuição rebelde, pura e simples. Mas tinha.

O sentido da ação das mulheres da Via Campesina é muito claro, embora a sociedade não tenha podido conhecê-lo. Tratava-se de apontar quem é o verdadeiro criminoso. Aracruz Celulose é uma empresa multinacional que há quarenta anos expulsa milhares de famílias de suas terras, arrasa as condições de vida destas pessoas e não as indeniza de forma alguma. Além disso, a Aracruz é uma das maiores responsáveis por reduzir a Mata Atlântica aos míseros 7% restantes do original da floresta. Seus eucaliptos uniformes são responsáveis pela morte de rios, riachos, córregos e nascentes no Espírito Santo, pois são plantados de maneira irresponsável, em largas monoculturas que acabaram com a biodiversidade de muitas regiões.

E, com o beneplácito de sucessivos governos, a Aracruz mantém sua expansão pelo território brasileiro se apropriando do quanto de terra precisa para plantar eucalipto. Sempre a despeito de quem quer que esteja no caminho. Agir contra as monoculturas de eucalipto e contra a Aracruz é agir a favor da vida, da biodiversidade e das muitas populações rurais do Brasil que estão cada vez mais encostadas na parede por um modelo de produção do qual a prática da Aracruz é um exemplo funesto. O Tribunal das Transnacionais vai começar a virar esse jogo justamente no terreno onde a empresa tentou jogar a sociedade: agora vai ficar claro quem se deve criminalizar.