01/12/2009 18:33
O Grupo de Direitos Humanos, Educação e Cultura (GTDHESC-GT Cultura) do Fórum do Movimento Social de Manguinhos reuniu cerca de 50 atores sociais para a construção participativa do Plano de Cultura de Manguinhos, no último sábado, 28 de novembro, na ENSP, das 9h às 17h. Entre os convidados estiveram presentes a ouvidora da representação do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro Lúcia Pardo, a secretária estadual de cultura Ana Maria Rattes e a equipe da Secretaria responsável pelas ações da área em Manguinhos e, no período da tarde, o subsecretário de Democratização e Difusão Cultural da Secretaria Municipal de Cultura Humberto Araújo, e mais de 40 atores sociais e agentes culturais (músicos, artistas plásticos, poetas, atrizes, jornalistas, lideranças, entre outros) de Manguinhos. O evento contou com apoio técnico e logístico do Projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos, que atua para a formação de Jovens Promotores Populares e exigibilidade de Direitos, realizado pelo Núcleo de Direitos Humanos da FASE em parceria com o Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos da RedeCCAP, e financiado da União Européia.
O Plano de Cultura vêm sendo construído participativamente pelo GT Cultura desde sua emergência dialética, na contradição entre a oportunidade de desenvolvimento/territorialização de uma política pública de Cultura, surgida na esteira do PAC-Manguinhos, e as demandas sócio-comunitária pelo acesso aos meios de informação e produção cultural, desde o início de 2008. Mais de duas centenas de atores sócio-culturais de Manguinhos já participou das oficinas e debates promovidos pelo Fórum para a construção deste Plano. “Hoje (sábado) demos um passo fundamental para a constituição do Plano. As atividades do GT continuarão. Nos reunimos toda terça, às 16h, no 4° andar da ENSP. A idéia é ampliarmos ainda mais a participação, em rede, para a construção do Plano. Mas já temos uma primeira edição em processo de consolidação (análise e sistematização coletiva). A edição desta primeira versão poderá ampliar ainda mais o processo de participação, oportunizando a revisão crítica do que vem sendo feito mas também o surgimento de novas idéias.”, comemora Michelle Oliveira, pedagoga, ativista da Capela São Daniel Profeta e jovem Promotora Popular de Justiça (FASE-LabDHM/RedeCCAP).
A abertura do evento contou com a participação do músico Kleber Daltro, um dos Jovens Promotores de Justiça de Manguinhos, morador da subcomunidade Mandela de Pedra de Manguinhos, e do grupo Música na Calçada, alunos da Escola de Música de Manguinhos, projeto do Espaço Casa Viva (RedeCCAP) em convênio com a Escola de Música da UFRJ e com a Fiocruz.
O processo dialético ficou evidenciado já na parte inicial do debate com as autoridades, pela manhã, quando houve um debate em torno da avaliação das políticas públicas, de seu processo de produção no conflito entre o regime estatal, privado e as perspectivas de subjetivação coletiva dos atores sócio-comunitários. A questão da escuta aos movimentos sociais foi mais uma vez enfatizada. A Secretária se comprometeu a voltar ao Fórum, no dia 7 de dezembro, para reconhecer e pactuar as demandas com o movimento social de Manguinhos. “Estamos aqui, pessoalmente, dispostos ao diálogo com o movimento social. Queremos ampliar este diálogo a todos os que fazem cultura em Manguinhos. Compreendemos as questões que emergem do passado e da política tradicional, mas queremos promover uma nova forma de fazer política cultural, que reconheça a emergência e o direito de acesso prioritário de grupos sócio-comunitários minorizados e em processo de transformação urbano-social e o seu protagonismo nas políticas de cultura.”, disse, respondendo às críticas ao Programa de Ocupação Cultural da Secretaria, aplaudida, Ana Maria Rattes.
No debate com a platéia, a Ana Maria e a ouvidora do MinC Lúcia Pardo, reconheceram as dificuldades enfrentadas pela população, em territórios d’exceção (ETM, 2009), para sua participação social no processo conferencial de cultura, e se comprometeram a possibilitar o reconhecimento das propostas do movimento de Manguinhos para o processo conferencial.
“Enfrentamos um processo histórico que nos induz à desubjetivação de nossas identidades sócio-comunitárias, um histórico de práticas clientelistas, do neocoronelismo urbano, de um processo de controle ostensivo, biopolítico (em referência filósofo francês Michel Foucault) dos potenciais sócio-políticos destas comunidades minorizadas, mas que representam um segmento fundamental da sociedade. O reconhecimento histórico-crítico destas comunidades, em si (Marx, 1848), deve ampliar as perspectivas de protagonismo, participação, gestão democrática e sustentabilidade dos investimentos públicos nestes territórios e das cidades, conforme enunciou David Harvey no último Fórum Social Mundial, de Belém. Este é o nosso desafio.”, sintetizou o representante do GTDHESC Fernando Soares, morador de Manguinhos, coordenador do Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos da RedeCCAP, técnico comunitário do Projeto Acesso à Justiça.
No período da tarde, o grupo se dividiu em Grupos de Trabalho temáticos para a elaboração de princípios, diretrizes, estratégias e propostas de ação do Plano de Cultura. No final da tarde, a plenária ainda teve tempo de incluir outras propostas e de debater alguns dos princípios e diretrizes. O documento final do evento contou com aprovação consensual. O subsecretário municipal de Cultura Humberto Araújo demonstrou interesse pela diretriz estratégica que conjuga mapeamento, formação de redes e fomento a organização de cadeias produtivas, geração de trabalho e renda, no âmbito da economia da cultura. “Somos favoráveis, neste processo de cartografia, a auto-declaração. Temos trabalhado nesta perspectiva. Conheci um caso de uma pessoa que foi caracterizada pela pesquisa como ‘catador de lixo’ que se reconhecia como artista plástico, me disse ele: ‘o ceramista não busca o barro como matéria-prima? A base da minha arte são materiais recicláveis’”, relembrou Humberto Araújo.
O subsecretário também comentou que a Secretaria teve dificuldade em trabalhar em 2009 com apenas 0,5% do orçamento municipal. Mas que este orçamento foi duplicado, para 1%, o que deve ampliar as possibilidades de promoção de políticas públicas. Ele também mostrou disposição em manter o diálogo com o movimento social de Manguinhos.
Músico de Manguinhos, morador da subcomunidade de Vila Turismo, Leonardo Sobral de Jesus avaliou o evento: “este movimento é extra-ordinário. Mostra que os artistas não estão isolados. E que a nossa organização é fundamental para o reconhecimento de Manguinhos, dos talentos daqui, e para a transformação da cultura, conforme os valores (princípios) que definimos no Plano: da solidariedade, da cooperação, da igualdade, como forma de resistirmos a um cenário competitivo que nos coloca uns contra os outros.” Leonardo também participa do Projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos.
A primeira edição do Plano de Cultura de Manguinhos entra agora em processo de análise e sistematização. Novas consultas serão feitas, pelo grupo responsável, aos atores sociais, para a validação do mesmo. O GT Cultura prevê que até março de 2010 esta versão deverá estar pronta e disponível para consulta também na Biblioteca Multimídia da ENSP.