28/01/2010 11:39

Egnaldo Ferreira França
Estudante do Curso de História da
Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
Idealizador e fundador do Projeto Encantarte
egnegao@hotmail.com

Eis que chega dezembro, e como uma grande e afinada orquestra, a civilização
cristã volta-se aos mais puros sentimentos de amor, religiosidade e solidariedade.
Poucos são os que não desejam arranjos e adereços ornamentais para suas residências. A cidade fica mais bonita com suas luzes coloridas e ruas movimentadas em busca das
esperadas promoções natalinas para assim poder presentear a quem se ama. Mas este
estado de hipnose emocional, que atrai cada vez mais consumidores, costuma fazer
brilhar os olhos diante das lojas, dos produtos, das aparências, mas não permite perceber quem por vezes os atendem. E ali, naquele atendimento, pode está configurado uma denúncia social ignorada pela maioria: o trabalho infantil.

Entre os dias 07 e 13 de dezembro deste ano em curso, dediquei-me a uma
pesquisa no centro de Itabuna e na feira livre do Bairro São Caetano com um único
interesse: encontrar crianças trabalhando e analisar o quanto essa realidade tem ceifado
o direito a infância desses meninos e meninas desprotegidos dos seus direitos. Neste
curto espaço de tempo entrevistei 26 crianças entre 10 e 13 anos de idade e certamente não foi alcançado nem 10% do contingente precocemente ativo no mercado de trabalho desta cidade. Comum em cada uma dessas crianças foi o olhar e o sentimento ao expressar seu amor ou repulsa ao período natalino e também à figura do Papai Noel. Nenhum dos encontrados estava trabalhando porque seus pais ou responsáveis os forçaram, mas eles, por não terem na família o necessário para sua sobrevivência lançaram-se no mercado para ajudar seus familiares, o que caracteriza uma postura adulta por mais que eles assim não entendam. Dessas 26 crianças, apenas 02 estavam fora da escola; 04 afirmaram que brincam durante a semana e trabalham no fim de semana, as demais disseram ter uma jornada dupla – estudar um turno e trabalhar no outro, sendo que uma grande parte desses continuam trabalhando também nos fins de semana; 23 disseram que ajudam no sustento da família. Ao questionar Porque trabalhavam, entre as respostas chamaram a atenção a do menor de 12 anos: “Pra mim ganhar meu dinheiro.”; outro com 10 anos disse: “Por causa que eu gosto.”; o carregador de 10 anos afirma: “Porque eu gosto, e quando dá dia de domingo, quando eu querer comprar arguma coisa eu tenho o dinheiro pra comprar.”; o garoto 13 anos disse: “Pra mim ajudar minha família.” Já este outro, carregador, de 10 anos afirma: “Pra ajudar a minha mãe”. Seja para si ou para ajudar seus familiares, fica evidente que esta vulnerabilidade socioeconômica faz com que essas crianças assumam a responsabilidade diante da dificuldade.

Quando perguntados sobre o que acham do período natalino, um disse: “nada”; dois disseram :“ … não sei…” ou “sei lá…”; muitos se limitaram a dizer: “bom” ou simplesmente responderam com um silêncio acompanhado por um triste olhar para o chão ou para o horizonte… Mesmo assim, 25 disseram gostar do Natal. Ao perguntar o que acham do Papai Noel, se destacaram as seguintes respostas: “…Eu nunca vi ele.”;
“Eu acho que ele não existe”; “Ele é bom, mas que pena que ele não existe”; “Eu acho… Eu gosto dele, mas ele não existe…”; “Nada! Não existe!”; “… Eu não acredito em Papai Noel não”; “Nada”; “Não conheço ele…” Dos 26, 15 afirmaram categoricamente que não gostam do Papai Noel e 20 disseram que não acreditam no “bom velhinho”. A última pergunta foi o que gostariam de ganhar nesse Natal. A bicicleta continua liderando os sonhos infantis, mas, dois desejos, em especial, chamaram à atenção: o vendedor de vale transportes de 11 anos respondeu: “…Deixa eu ver… Dinheiro”; o carregador disse: “Uma galinhota nova (…) porque a minha ta estragada…” Depoimentos dessa natureza, vindo de crianças, não deve ser encarado como algo normal. Essas crianças perderam, ou na verdade, não vivem sua infância. O consumismo desenfreado em perfeita comunhão com o capitalismo faz aumentar a pobreza. Mas os desejos depositados nos corações neste período certamente não vão resolver essa questão. Alguns pedem paz, prosperidade, amor ou felicidade. Como pode haver paz se a fome ainda é problema para a maioria da população brasileira? Como pode haver prosperidade se o trabalho infantil ainda é fonte de sustento para muitas famílias? Como pode haver amor se nos negamos a enxergar o sofrimento das nossas crianças? Como pode haver felicidade se nossas crianças já não sonham mais sonho de criança e existem como adultos em miniaturas?

Para onde vão, portanto, os valores éticos, morais e espirituais se ignoramos o absurdo? Para que nos serve o espírito natalino se a maioria das nossas crianças não vive a felicidade vendida pelo Papai Noel? Eis que chega o Natal… E amanhã, certamente, surgirão novos vendedores de água de coco, de bolo, de tempero, de dvd /cd, de vale transporte, de roupa, de verdura, de caranguejo, guardadores de carro, carregadores e outros, todos crianças, pois o consumismo desenfreado está aí, mas a beleza do bom velhinho ofusca a realidade dura vivida por muitas crianças neste país das maravilhas. Precisamos rever urgentemente os nossos conceitos…