29/10/2009 16:37

Socializamos aqui o emocionante discurso de nosso colega:

Caras amigas, caros amigos do MHuD
Boa noite,

Ao perguntar a Generosa o porquê de ter sido escolhido para receber este Prêmio, ela me respondeu que era devido a minha luta pelos Direitos Humanos ligados ao meio ambiente. Eu penso que, antes de ser minha, essa luta é de muitos outros e, por isso, convido para ocupar simbolicamente o palco pessoas ausentes, que são totalmente merecedoras deste Prêmio.

Osvaldino Viana de Almeida, o “Profeta”, liderança de Afuá, município sentinela do Amazonas, defensor das águas, das matas e do povo, assassinado em 2001, depois de ter sido barbaramente torturado;

Vocês, caciques Cinta Larga que não nomeio aqui para não chamar mais atenção sobre vocês, que já sofrem tantos processos; herdeiros sem herança dos seus pais e avôs massacrados pelo branco, acorrentados ao diamante que é a sua perdição;

Cacique Xavante Damião, da Terra Indígena Marawatsede, reconquistada depois de 40 anos de exílio. Num canto da Terra devastada, debaixo da lona, sem perspectiva nem de plantio, nem de colheita nem de caça, pressionados pelos grileiros da T.I. e pela polícia, 500 xavantes esgotados depois de oito meses de acampamento na beira da estrada. Você dizia: “Somos como pintinhos perdidos no terreiro. Mas queremos recuperar toda a nossa terra”;

Ademir Alfeu Federicci, o Dema, coordenador do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu – MDTX. Morto em 25 de agosto de 2001 dentro de sua própria casa e na frente de sua família. Você denunciava a exploração ilegal da madeira e o autoritarismo e a forma arbitrária com que a Eletronorte queria impor Belo Monte;

Irmã Dorothy, missionária e liderança de Anapú, e suas companheiras e companheiros dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável pelos quais se batiam;

Jeffer Castelo Branco e Marcio Antonio Mariano da Silva, da ACPO – Associação de Consciência à Prevenção Ocupacional, com seus companheiros que enfrentaram a Rhodia, que contaminou parte da baixada santista e agora se vêem com a pesada tarefa de denunciar o lobby industrial que nega suas responsabilidades;

Fernanda Giannasi, corajosa auditora do trabalho e os membros, mulheres e homens, da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – Abrea, cuja persistente luta transforma vocês de vítimas em vencedores;

Raquel Rigotto e Islene Ferreira Rosa, pesquisadoras guerreiras que fizeram, em nome do MP e da UFC, um relatório sobre os graves impactos sobre a saúde de moradores de uma comunidade, causados pela Agripec/Nufarm, empresa produtora de agrotóxicos do Estado do Ceará; e estão sendo criminalizadas por esta;

Jeovah Meireles, geógrafo, grande defensor dos povos do litoral do Ceará; criminalizado pelas empresas Ypióca e uma empresa que quer construir a Cidade Nova Atlântica. Pela Ypiocá, porque denunciou o uso ininterrupto da água da Lagoa Encantada (sagrada para os Jenipapo-Kanindé) e pela poluição por vinhoto do lençol freático da reserva; e pela empresa que queria construir a Cidade Nova Atlântida, uma Cancun cearense, na Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti, por ter realizado estudos que mostravam a destruição do litoral e do povo Tremembé que decorreria do empreendimento;

O trabalhador rural Valmir Mota de Oliveira, o Keno, executado por uma milícia armada no Centro Experimental da transnacional Syngenta, no acampamento Terra Livre, em Santa Tereza do Oeste (PR), quando o MST denunciou a realização de experimentos ilegais com sementes de milho transgênico. Ontem mesmo, estava sendo celebrada em Curitiba uma missa pelo segundo aniversário da sua morte.

Convido a todas e todos da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e da Plataforma DhESCs que clamam incessantemente por justiça e direitos.

Tive um professor de teologia que nos dizia: se queremos usar uma imagem para falar de transcendência, não seria olhar para cima, mas ir ao mais profundo da nossa humanidade. E fazer emergir, vir à tona, aflorar, desabrochar, vibrar e gritar o sagrado da vida, a infinita dignidade dos seres vivos e da humanidade, a incomensurável exigência de solidariedade e de igualdade. E é isso que celebramos aqui.

Humanos Direitos Humanos. Demasiadamente humanos. Proclamam-se os direitos humanos universais, mas busca-se reduzi-los à ajuda humanitária. Em nome da sua universalidade, são negados os direitos das vítimas de injustiça.

Pede-se aos quilombolas esquecer a escravidão, pois veio a abolição que lhes “deu” direitos iguais aos dos brancos, nesta grande nação miscigenada. Em nome desses direitos universais, renunciem ao direito a um pedaço de chão! Só falta chamá-los de racistas quando a proposta de Estatuto que reconheceria seus direitos está sendo chamada de racialista.

E os povos indígenas, os ribeirinhos, os camponeses da Transamazônica e do Xingu que o Dema e Dorothy defendiam, e tantas e tantos com eles. Em nome do nosso direito ao desenvolvimento, à energia farta, ao consumo que equipare o Brasil e a classe média (nós?) aos padrões de consumo dos países do Norte do mundo, seus direitos lhes estão sendo negados.

Vejam como os direitos humanos associados ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que enraízam a humanidade no que tem de melhor no seu passado e no seu presente, anunciam o futuro. Na última vez que lhe encontrei, Dorothy, foi na calada da noite, no salão escura, você e um punhado de companheiros do Projeto de Desenvolvimento Sustentável contando dos seus projetos de viver e produzir sem destruir a floresta e de como os grileiro malfeitores atiraram contra a casa de um, buscaram atropelar outro, ameaçaram de morte outros… Você começou a contar como um deles tinha derrubado a mata de um lote, a partir da periferia, avançando em círculos em direção ao centro do terreno. No começo, os pássaros e os outros bichos fugiam para a periferia, mas depois fugiam para o centro da área ainda intacto. Quando chegou o dia da queimada, escutavam-se os gritos de desespero dos animais. E nesse momento, as lágrimas vieram aos olhos de você e dos seus companheiros que, logo antes, falavam sem pestanejar das atrocidades das quais eram vítimas.

Nessa noite, ao mesmo tempo em que lembravam o sagrado da vida, nos transmitiam uma mensagem: os que queriam destrui-los e aos seus projetos e à natureza e acabar assim com a nossa maravilhosa sociobiodiversidade, é o nosso futuro que estavam destruindo.

Quando moradores e trabalhadores de subúrbios industriais protestam contra a contaminação industrial, povos indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas, camponeses contra estradas, barragens, mineração, portos, resorts etc. defendem seus direitos, é o nosso direito ao futuro que eles defendem. Por uma terra que seja de todos, cada um do seu jeito. E é isso que celebramos.

Nosso clamor e nossa ação pelos Direitos Humanos não podem ser somente atitudes individuais. Só podemos realmente nos fazer ouvir se nos juntarmos, aumentando a nossa força. É por isso que o MHuD e o Prêmio são tão importantes. Essa celebração nos une e nos enche de forças e de esperança por um mundo de mais justiça. Muito obrigado ao MHuD por me dar essa chance de compartilhar esse momento.

Jean Pierre Leroy, 22 de outubro de 2009.