03/04/2009 13:26
Mabel de Faria Melo – Assessora da FASE e Membro da Coordenação da
Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.
O principal resultado deste fórum foi a recusa em reconhecer a água como um direito humano pela maior parte dos países, dentre eles o Brasil, que junto com Estados Unidos e Egito, foi um dos principais opositores ao reconhecimento deste direito na declaração final do encontro.
É lamentável que o Brasil defenda nos espaços internacionais e nacionais tal posição. No mínimo, é um retrocesso ou uma contradição em relação à posição do país defendida pelo presidente Lula em 2006, quando declarou que “a água pura, acessível e a um bom preço é um direito humano. É também um dos pilares do desenvolvimento econômico e social” (PNUD- Relatório de Desenvolvimento Humano/ 2006, Capítulo 2)
E mais: é desastroso que este direito fundamental ainda não seja assegurado por leis nacionais e convenções internacionais. Como é possível ignorar que 900 milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável e que 2,5 bilhões não contam com serviços de saneamento adequado? Que 125 milhões de crianças menores de 5 anos vivem em casas sem acesso a água potável, vulneráveis a doenças fatais? A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que, em 2030, cerca de 3,9 bilhões de pessoas (metade da população do mundo), enfrentarão graves problemas para ter acesso a água. Isso sem considerar os efeitos das mudanças climáticas, que poderão agravar substancialmente este quadro, visto que a água é o primeiro elemento que sofre os efeitos das mudanças climáticas.
Este cenário tende a se agravar ainda mais com os impactos da crise financeira mundial, que fatalmente adiará os investimentos em infra-estrutura para o abastecimento, aumentando o número de pessoas sem acesso à água potável.
Segundo declarações de representantes do governo, o Brasil, que detém no seu território 12% de toda a água doce disponível no mundo, não defende o reconhecimento da água como um direito humano para evitar riscos à soberania do país sobre os recursos hídricos. Mas esta posição não se sustenta diante do simples fato de que basta que as leis nacionais e internacionais garantam a soberania dos países sobre as águas em seus territórios, como defendem os movimentos globais em defesa da água, para que o domínio e gestão das águas estejam assegurados aos países e seus povos.
Denunciamos a total falta de transparência no processo. O governo brasileiro não convocou nenhum debate público durante os vários meses em que se preparou para este evento e não informou a posição que o país apresentaria no FMA. Oportunidades não faltaram. Às vésperas do Fórum Mundial da Água, enquanto representantes do governo reuniam-se no Itamaraty para finalizar sua posição, o Comitê de Saneamento do Conselho das Cidades reunia-se ao lado, debatendo o marco regulatório da lei de saneamento. Ali estavam vários segmentos da sociedade e do governo diretamente envolvidos no tema e que deveriam ser ouvidos e contribuir para a formulação da posição do Brasil em Istambul.
Na verdade, o que está em disputa é a garantia da água como um bem comum, público e um direito fundamental, acessível a todos e todas no mundo, principalmente para a população pobre dos países do Sul, ou então assegurá-la como uma mercadoria, fonte de riqueza para poucos que a exploram para aumentar seus lucros. Tratá-la como necessidade humana básica, como foi definida na declaração final do FMA, permite que ela continue sendo objeto de exclusão e acirramento da pobreza, já que não impede a sua comercialização, ao contrário, reforça sua apropriação e a liberalização dos serviços através de políticas neoliberais, sustentadas pelos acordos de livre comércio e por instituições multilaterais, como o Banco Mundial.
Apesar de identificarmos avanços em algumas questões tratadas no FMA, levadas principalmente por países como Bolívia, Uruguai e Espanha, sensíveis às reivindicações de seus povos, o resultado não poderia ser diferente, tratando-se de um espaço organizado pelo Conselho Mundial da Água, composto por representantes das principais empresas privadas de água, como Suez, Vivandi e Sauer, que controlam 75% do mercado mundial de água.
O movimento global em defesa da água não reconhece a legitimidade deste fórum e exige que estas questões sejam tratadas em uma instância democrática e de forma transparente. Esta reivindicação foi incorporada por 16 países latino-americanos, asiáticos e africanos, dentre os 25 que assinaram a declaração alternativa em que reconhecem a água como um direito humano. Estes países agregaram um ponto complementar, convocando os Estados a criarem um espaço de debate global da água nos marcos da ONU, baseado nos princípios de democracia, participação plena, eqüidade, transparência e inclusão social. O Brasil também não assinou esta declaração.
Seguimos na defesa da água como um direito humano e afirmando que ela não é uma mercadoria. Por isso, rechaçamos todas as formas de privatização, inclusive as parcerias público-privadas, que já mostraram seu total fracasso em todo o planeta. Por fim, reafirmamos que a gestão da água e seu controle devem permanecer em mãos públicas, com eqüidade, participação social e sem fins lucrativos.