03/03/2009 16:32

Clóvis Zimmermann (1)

As recentes declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em relação às ações de integrantes do MST me deixaram perplexo, especialmente pelo fato do ministro defender, a partir de uma única ação do movimento, que não haja mais disponibilização de verbas públicas para entidades que trabalham com os sem-terras. Isso é estranho, especialmente por se tratar de uma generalização sem rigor e qualidade objetiva.

O grande problema dos argumentos do ministro é utilizar apenas um caso no interior de São Paulo e uma situação no Pernambuco para julgar todo esse movimento social. Assim, a qualidade e, sobretudo, a validade de seus argumentos fica anulada, uma vez que o ministro confunde diferentes circunstâncias, tais como ocupações de terras, conflitos, convênios e contratos assinados entre organizações e o governo, questionando inclusive as autoridades responsáveis pelo repasse das verbas. O mais estranho de tudo é que a partir de um único caso o ministro faz generalizações que demonstram o quanto ele é imparcial, algo que não se esperaria de um ocupante de um posto desses. Aliás, nunca se ouviu do ministro uma reprovação dos latifundiários armados no campo, que recentemente mandaram assassinar um camponês em Casa Nova, no interior da Bahia. Nos estudos acadêmicos, um tipo de generalização dessa natureza não tem nenhuma validade científica, já que do ponto de vista metodológico, isso simplesmente não pode ser feito. Somente para exemplificar. O fato de um governador do PSDB ser cassado por corrupção eleitoral não significa que todos os governadores desse partido sejam corruptos. Por isso, quando as universidades elaboram estudos, procura-se manter um rigor metodológico, justamente para não ser injusto com os resultados.

Nesse caso, o ministro foi extremamente injusto com todo um movimento social reconhecido internacionalmente por sua luta pelos direitos humanos e em favor de uma sociedade mais justa. Aliás, o filósofo alemão Jürgen Habermas em seu livro Direito e Democracia chama atenção para as teorias implícitas, a “construção social da realidade” que os juízes carregam ao tomar decisões. Na opinião desse autor, o exercício da justiça não pode ficar alheio aos pressupostos dos direitos humanos. O desafio que o novo paradigma do direito deve superar, segundo Habermas, é o propalado particularismo da ordem jurídica.

Estimular o corte de verbas e o processo de criminalização dos movimentos sociais de fato em nada contribuirá para o avanço da justiça social e do Estado de Direito no Brasil. Ao contrário, a criminalização apenas estimulará a violência e os conflitos. E de insegurança e violência nós todos já estamos sobrecarregados.

(1) Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e Relator Nacional para o Direito à Alimentação e Terra Rural.