30/01/2009 15:58
Uma das mais combativas redes de entidades da Amazônia brasileira organizou ontem, segundo dia de FSM, uma mesa de debates. O FAOR (Fórum da Amazônia Oriental) reúne em 9 grupos de trabalho diversas organizações de quatro estados amazônicos: Pará, Tocantins, Amapá e Maranhão. Sua reunião contou com a participação de gente de todo o Brasil para discutir terra, segurança alimentar e agronegócio na região. Jean Pierre Leroy, que é coordenador do Núcleo Brasil Sustntável e Alternativas à Globalização da Fase, estava presente e falou aos participantes. Dono de uma vasta experiência no campo socioambiental e tendo vivido por muitos anos dde sua vida na Amazônia, Jean Pierre abordou uma variedade de temas. Confira.
O totalitarismo do capital – Todo mundo conhece a palavra “totalitarismo”. Trata-se de impor que as coisas sejam de um jeito e não possam ser de outro. Foi o que Hitler fez na Alemanha. No Brasil, estamos assistindo o avanço do totalitarismo do capital. Um exemplo são os transgênicos. Talvez no futuro quem quiser plantar alimentos orgânicos não possa mais, porque a contaminação de uma cultura transgênica é muito freqüente. Então mesmo que ele rotule sua cultura como nao transgênica, pode haver um grão de transgênico em sua carga, e na hora de vender a fiscalização vai pôr este agricultor na mesma condição dos geneticamente modificados.
A hegemonia e a dependência – O capital na Amazônia precisa das populações tradicionais. Ele precisa dizer “eu Alcoa, eu Cargill, eu Bunge, quero também proteger esses povos indígenas”. É muito bom para a marca deles. Mas sob a condição de que estejam bem no canto, sob a condição de que tenham o menos de terra possível. Mas eles precisam. Precisam do pequeno produtor que produza leite, porque isso libera o pecuarista para produzir carne para o mercado internacional. E no mercado local, a carne de segunda classe e o leite ficam para o pequeno produtor. Então o pequeno produtor libera o pecuarista e o frigorífico para que ele sim ganhe dinheiro. Isso é hegemonia. Essa é a situação que estamos vivendo na Amazônia.
A possibilidade de resistência – Esse desenvolvimento, que a maioria do governo quer para a Amazônia, não vale. Esse desenvolvimento vai arrasar com a Amazônia. A região de Marabá tinha em 1980 duas mil famílias sobrevivendo ali. Hoje há 100 mil, porque conquistaram através das lutas políticas por terra para as famílias. Mas se você sai de Marabá em viagem a Belém, passa por centenas de quilômetros onde não há ninguém. Não há nenhum povoado, só pasto, eucalipto, dendê e outras coisas. Mas sobretudo há o pasto totalmente degradado. Mas o caso de Marabá mostra que ainda há uma disputa possível.
Alimentos e a nova economia – A terra para o capital é qualquer coisa. Hoje está aqui, amanhã pode estar em outro lugar. O capital se interessa pela terra não porque ele quer se enraizar. Quando falamos de segurança alimentar e nutricional, terra e agronegócio, estamos juntando as lutas da cidade e do campo. É um novo modo de olhar a Amazônia e o território. Na realidade, a gente está falando de uma outra economia. De algo que está totalmente for a da Organização Mundial do Comércio e outros fóruns econômicos. Estamos falando de uma economia que é para nós, para a sociedade brasileira.
Segurança e soberania alimentar – Soberania alimentar é algo que a gente deve colar à segurança alimentar e nutricional. O que é isso? Significa que os alimentos não são feitos para passear através do mundo. O que a gente produz é feito primeiro para abastecer a família, depois a comunidade, depois a cidade vizinha. É feito para isso, primeiro. Vejam o que acontece com o México. Com os acordos de livre comércio, os Estados Unidos obrigaram o México a eliminar as taxas de importação do milho. Aí o milho dos EUA entrou e acabou com o milho dos camponeses. Com isso, a miséria aumentou, e além disso a tortilha ficou ruim e pouco nutritiva, devido à má qualidade do milho. A soberania alimentar é algo que visa proteger o campesinato dos nossos países. E garantir que no futuro teremos o que precisamos: comida de qualidade para todos.
Biodiversidade agrícola – Aos poucos, tudo vira a mesma coisa. Daqui a poucos anos, nos Estados Unidos sobrarão apenas três ou quatro tipos de batata. No Peru, há centenas de tipos de batata. Um tipo delas é comido somente uma vez ao ano, num dia sagrado da cultura quetchua. Uma variedade fantástica que hoje sofre erosão genética. A biodiversidade agrícola, que é a base da nossa alimentação, vai junto com a sociodiversidade. Se quisermos proteger a diversidade de alimentos, temos que garantir a diversidade entre nós. Os povos indígenas de várias regiões têm diferentes formas de produzir. Essa diversidade é uma riqueza muito importante para o povo.
Serviço ambiental – A terra não é mais só a terra, é o território. A gente poderia dizer que tem o território do capital e o território dos povos. Porque além de produzir um feijão ou uma mandioca, trata-se de produzir os serviços ambientais. Isso é muito importante, algo que eu considero um serviço público. Guardar a Amazônia, somente os povos indígenas, os extrativistas e os pequenos produtores conseguirem manter a diversidade da região. Eles prestam um serviço público.
Povos indígenas – Os povos indígenas não querem ser o folclore da democracia, querem ser agentes e protagonistas da democracia. Aqui se mostra uma luta por outro modelo de território efetivamente construtor de democracia. A juventude tem que saber que o novo está entre nós. Povos indígenas e também as mulheres. Já tem muito tempo a sua luta, mas aos poucos vamos percebendo que as mulheres trazem idéias novas. Devemos reconhecer o papel de todos os atores sociais.
Projetos para o futuro – Em disputa, está o futuro. O neoliberalismo não ganhou. Na realidade não estamos só apresentando queixas. Os indígenas Apinagés e as quebradeiras de coco-babaçu têm alternativas. Nós queremos viver melhor e sabemos como. A disputa é pelo projeto de futuro.