18/10/2008 12:47

Fausto Oliveira

Nesta semana em que celebrou-se o Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro, a Fase realizou um seminário sobre alguns dos problemas mais graves relacionados à segurança e à soberania alimentar dos povos: as monoculturas, os agrocombustíveis e o modelo de uso da terra atualmente adotado no Brasil. Duas importantes entidades com as quais a Fase está inteiramente comprometida participaram da organização, a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). As três entidades organizadoras do seminário convidaram representantes de várias organizações e movimentos sociais para dois dias de discussões no Rio de Janeiro. A cobertura deste seminário é o que você vai ler nesta edição do Fase Notícias.

São temas muito caros a toda a população. À parte da sociedade que vive no campo, são temas fundamentais porque os atingem diretamente. A expansão desenfreada das monoculturas, sempre respondendo aos novos ciclos de reprodução de capital em larga escala, desloca famílias de seus lugares, depreda as condições de vida de regiões inteiras, desmata em grandes proporções, intoxica o solo e a água subterrânea, gera, enfim, uma perda muito grande de biodiversidade. Atualmente no Brasil, um destes novos ciclos da monocultura é ligado aos chamados agrocombustíveis, dos quais o etanol é a nova estrela. Proveniente da cana de açúcar, o etanol arrisca tornar-se o vilão socioambiental deste início de século, pois a demanda pelo produto está grande e o governo e as elites agrárias parecem ter acordo fechado para transformar o país num grande canavial. Para além das divisas financeiras da exportação do etanol, que continuarão sempre concentradas no grande empresariado rural, deve-se pensar que a exportação de etanol é a exportação de nossos recursos naturais, é a opção por um Brasil insustentável, poluidor, que assina embaixo do modelo de consumo desenfreado de combustíveis. Ou seja, um Brasil que contribui para o aquecimento global sem deixar de aprofundar suas próprias desigualdades.

Isto porque quando se ouve o que têm a dizer os agricultores populares, homens e mulheres do campo que dependem da produção de alimentos para sobreviver, não se pode chegar à conclusão diferente. Sua fala contém muitos receios com relação à possibilidade de continuar no campo, produzindo alimentos com independência para escolher o que produzir, como produzir e como vender sua produção. Com pouco crédito e pouca terra – pois o agronegócio exportador tem todos os privilégios financeiros e assim concentra ainda mais a terra em grandes propriedades -, a agricultura familiar tem cada vez mais dificuldade de sobreviver fazendo aquilo que sempre fez: levar comida para a mesa da população.

E é aí que a questão se torna um problema nacional. Discutir o uso da terra também é uma tarefa de quem vive na cidade pois sem apoio à produção de alimentos, haverá crises e mais crises alimentares. Quanto mais a terra for usada para produção de agrocombustíveis, menos será usada para produção de alimentos. Resultado imediato: alta de preço de alimentos, o que significa menos segurança alimentar e índices mais altos de desnutrição. Quanto mais monocultivos de mercadorias de exportação, menos variedade da produção de alimentos, com efeitos semelhantes. Quem vive numa cidade e precisa comer está tão dentro destas questões como qualquer agricultor que depende de produzir comida para ter sua renda.

O debate, afinal, é sobre este modelo agrícola exportador que cada vez mais revela-se insustentável. Segundo a assessora da Fase Maria Emília Pacheco, uma pergunta foi feita e refeita durante o seminário desta semana: é possível conciliar a produção de alimentos com a produção de combustíveis por parte da agricultura familiar camponesa? A pergunta é complexa, dado que várias experiências vêm sendo feitas em que a pequena produção consegue estabelecer cadeias fechadas de produção e auto-consumo em que um dos produtos é combustível. Mas estes são casos completamente diferentes do projeto hegemônico e destruidor das largas monoculturas. “Se há um consenso, é uma crítica muito incisiva à expansão da produção de cana para etanol”, ela disse. Convidar toda a sociedade brasileira a participar deste debate é um necessário gesto de respeito e consideração com a população, de hoje e do futuro.