17/11/2006 14:01
Transgênicos
A MOP-3 é a conferência que dá desdobramento à Convenção de Cartagena (discussão internacional acerca de biossegurança). E a MOP-8 faz o mesmo com a Convenção sobre Biodiversidade. (Nota da redação: ambos os encontros ocorreram no Paraná em março deste ano.) Dois pontos principais estiveram em debate: a questão da rotulagem dos transgênicos e a questão das sementes conhecidas como Terminator (sementes transgênicas produzidas pela multinacional Monsanto que não se reproduzem, forçando assim os agricultores a sempre comprar novas sementes.). A rotulagem, é claro que as empresas odeiam, porque sabem que na opinião pública mundial há oposição a alimentos a base de transgênicos. As empresas nunca se preocuparam com o princípio de preocaução e de responsabilidade, e a gente sabe que os transgênicos estão sendo liberados sem que os estudos estivessem feitos de modo aprofundado. Em relação a isso, o bom seria obrigar a rotulagem sob responsabilidade das empresas, com verificação e controle posterior. O que obtiveram foi uma solução de meio termo. Por enquanto, rotula-se o que está totalmente comprovado que contém transgênicos. Isso acontece com algumas empresas. E há o rótulo de “pode conter transgênicos” para o caso de não ser possível um rastreamento definitivo. Mas para isso acontecer elas conquistaram um prazo de seis anos. Isso é grave, no sentido de que esse meio termo pode ser simplesmente para criar o fato consumado. Já temos essa experiência com as sementes transgênicas de soja, que entraram de modo clandestino e ilegal no país, e simplesmente depois se passou por cima da lei e se legalizou. Arriscamos assim a criar fatos consumado e, de repente, descobrirmos que tem transgênicos em toda a alimentação, e que aí seria impossível voltar atrás. Então, o que pode aparecer como vitória, como foi dito por certas entidades, pode ser um fracasso. Quanto às sementes Terminator, se prolongou a moratória no Brasil (um prazo dentro do qual as sementes não podem ser vendidas no país), tornando inaceitável a colocação no mercado destas sementes. Mas não vamos cantar vitória, porque essas empresas continuam a pesquisar e trabalhar isso, e vão voltar com toda carga e pressão sobre os governos para que isso seja aceito.
A rodovia BR-163 e o agronegócio
Na sua parte matogrossense a Cuiabá-Santarém está asfaltada, mas não na parte do Pará. Houve pressão para asfaltar, porque isso é de interesse do agronegócio, produtores de soja e das empresas. A Cargill, que instalou em Santarém um porto, é, evidentemente, a primeira interessada em viabilizar sua empresa. Decidiu-se que o plano de sustentabilidade deve abranger todo o entorno, o que significa alcançar até o parque do Xingu. Também definiu-se que esse seja um processo construído com os vários setores: empresas, governos locais e sociedade civil. Este ano, a coisa ficou um pouco parada, porque se freou o avanço da soja. Mas terá lugar nisso a sociedade civil? Haverá lugar para os pequenos produtores assentados, os agroextrativistas, os povos indígenas? É uma incógnita. Ainda sobre esse caso, foi muito importante esse ano a ação do Greenpeace em relação à soja em Santarém. Não foi uma ação isolada, porque se inscreveu numa discussão com organizações e movimentos locais e que foi acompanhado de uma ação internacional. Criou-se uma pressão sobre o McDonald´s, que questionou a Cargill sobre a soja produzida na Amazônia. Isso, aparentemente, está levando a uma moratória sobre a soja produzida na Amazônia. Mas não devemos cantar vitória cedo demais.
Preservação das florestas
Está se consolidando a criação de mosaicos de preservação na região Amazônica. São Terras Indígenas, áreas de conservação integral, reservas extrativistas e outras formas de conservação. Isso tem sido muito positivo. Também é positiva a criação de algumas reservas extrativistas como a Verde Para Sempre, no Xingu, e outras em processo. Só que com uma grande preocupação sobre sua viabilização. Tanto o processo da BR-163 Sustentável, que se propõe a estabelecer na região populações rurais, lhes dar condições de sobreviver, espaço, reconhecer suas posses etc., quanto as reservas extrativistas, quais serão realmente os meios para viabilizar isso? E há uma disputa, atualmente, entre os conservacionistas e os chamados socioambientalistas. Houve artigos dizendo que os socioambientalistas são uma coisa que não existe. E a crítica é no sentido de que a reserva indígena por si não vai preservar. Chegam a dar exemplos de áreas em que as populações locais contribuem para a destruição. Ora, do nosso lado, eu acho que ninguém nunca disse que, em si, porque se cria uma reserva indígena está garantida a manutenção da floresta em pé. Isso precisa ser acompanhado de políticas públicas. Hoje, como o jovem de um povo indígena vai aceitar ficar lá isolado? E quando do lado de seu território chegam fazendas agropecuárias e plantações, como vão continuar seu modo de vida? Isso realmente não se faz sem políticas públicas. O mesmo vale para reservas extrativistas. Inclusive, na reserva Verde Para Sempre, madeireiros cotinuam a invadir. A reserva vizinha que está em criação no município de Prainhas continua a ser invadida. Qual a presença do poder público para impedir isso? Qual a presença do poder público com recursos, com projeto para ajudar essas comunidades a se fortalecer e criar alternativas para um desenvolvimento próprio delas? Então, é fácil atacar os socioambientalistas, mas na realidade deveria se atacar de um lado as grandes empresas que querem tomar posse de todo o território sem deixar espaço para outras alternativas e populações, e de outro lado, o próprio governo.
Transposição do rio São Francisco
Continua a contenda em relação à transposição do rio São Francisco. A ação do Dom Luiz Cappio e o movimento ao redor da ação do religioso conseguiram barrar, por enquanto, a transposição. Falo de um movimento porque foram muitas áreas populares, e não só de entidades que beiram o São Francisco. Não só porque os governos estaduais estavam contra, mas realmente houve um movimento muito amplo. Nos outros estados, as pessoas percebem que existe a água, mas que ela é dirigida só para indústrias e grandes proprietários e não atinge a população em geral. E também porque entidades como a Articulação do Semi-Árido (ASA) querem promover um modelo alternativo ao modelo hidráulico, com cisternas de placa, microirrigação. Então se pergunta por que esse grande projeto enquanto eles podem continuar a viver com alternativas. Ao mesmo tempo, é claro que é positiva de certo modo a posição do Ministério do Meio Ambiente e da ministra, concordando com a transposição mas condicionando à revitalização. Em tese, o governo afirmou que quer revitalizar o São Francisco. Mas onde estão as verbas? Eu não escutei falar em um grande projeto com recursos para essa revitalização. Então já podemos prever que na realidade seria muito mais rápida uma transposição do São Francisco do que qualquer revitalização. Porque as empresas e fazendas que contribuíram para a destruição das margens e dos afluentes do rio não estão nada interessadas no reflorestamento. Enquanto a transposição, pelo volume de recursos que isso significa e pelo destino de boa parte daquela água, vai interessar muito o setor privado. Se não continuar com firmeza uma ação da sociedade, acho que perderemos de novo.
Biodiesel
Outro ponto é o biodiesel. Fala-se que é a energa renovável e também que é a salvação de parte da agricultura familiar. Também dizem que o Brasil será o grande exportador de biomassa, seja de álcool, cana de açúcar ou biodiesel produzido a partir de soja, de mamona, óleo de dendê, de gordura animal etc. Isso então pode se tornar um enorme problema. Porque no primeiro momento, um programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário consolidado por uma legislação que favorece a produção familiar de biodiesel e que dá um selo social às empresas que beneficiaram a matéria prima, já está mostrando seus problemas. No Piauí, cuja experiência de produção de mamona num assentamento talvez seja a primeira, há muitas queixas dos assentados, que para conseguir dar conta da produção e ter um retorno, estão virando monoprodutores. Ou seja, em lugar de manter sua diversidade de produção, estão produzindo só mamona. E para que tenham volume suficiente, estão desmatando enormemente a região. Isso produz um impacto sobre a sobrevivência do produtor e também um impacto sobre o território e o meio ambiente. Outro problema ocorre no Mato Grosso. Um assentamento produtor de mamona utilizava um pesticida extremamente tóxico e perigoso que vai levar à contaminação das pessoas e do meio ambiente. Que energia renpvável é essa que continua a depender do modelo de monocutura, desmata, usa pesticidas e vai contaminar rios e solos? Então isso não me parece sustentável. Mas como a produção familiar de qualquer modo não vai dar conta da demanda, é claro que as empresas, e em particular os produtores de soja, querem entrar com força nesse mercado. Querem flexibilizar a lei que favorece os pequenos produtores e as empresas a quem eles fornecem. Isso pode levar à abertura de novas fronteiras agrícolas tanto no cerrado quanto na Amazônia, em nome dessa energia renovável. Isso surgiu com força em 2006 e vai continuar como questão.
Educação ambiental e empresas
Chamou minha atenção no Congresso Ibero-Americano de Educação Ambiental, promovido pelo governo brasileiro por meio dos ministérios do Meio Ambiente e da Educação, a forte presença de empresas públicas e privadas. Para realizar um encontro desse tipo, é claro, precisa-se de recursos. Como os recursos públicos estão contingenciados para pagar dívida interna, vão pegar com empresas. Mas isso me preocupou porque, de repente, empresas que historicamente destruíram e degradaram o meio ambiente agora aparecem como campeões do meio ambiente. À frente da luta ambiental, à frente da resolução de questões ambientais. Como essa educação ambiental vai se fazer se ela não pode questionar as empresas que no fundo apóiam suas iniciativas? É muito perigoso. Não quero dizer que as empresas não devam ter política ambiental, que elas não devam melhorar sua atuação, e que não devam contribuir. Mas que contribuam de modo público, via imposto ou via alternativas, para que o Estado possa implantar políticas. E não aparecer deste modo, como agora, porque daqui a pouco ninguém mais vai denunciar os transgênicos pois as empresas que produzem transgênicos vão trabalhar em atividades educativas. Ninguém vai denunciar as mazelas da Petrobrás porque vão ser apoiados pela Petrobrás, e assim por diante. As empresas de papel e celulose vão ter uma tal atuação na área de educação que quem depois vai ter uma educação crítica? Acho que estamos num momento preocupante. Devemos alertar a sociedade que a responsabilidade pelo meio ambiente e pela população que vive nesse meio é antes de tudo do Estado e também da sociedade, que tem que exercer o controle social sobre isso.
Hidrelétricas
Houve toda uma pressão que começou em 2005 sobre o licenciamento ambiental. Dizia-se que o licenciamento ambiental atrapalhava porque demorava, como se fosse uma mera questão administrativa. É verdade, em parte, que o Ibama estava sub-equipado e tinha dificuldade de prestar um serviço em tempo, de verificar os estudos e relatórios de impacto ambiental. Mas no fundo, a pressão exercida vem de pessoas do governo e de empresas que não estão nem aí com o meio ambiente e com os atingidos por barragens. Historicamente, a gente sabe que a questão social não está presenta nos EIA-Rima e nem nas estratégias empresariais, que pagam o mínimo que podem e resistem sempre em indenizar os atingidos e compensar suas perdas. No fundo, houve uma tentativa de passar como um trator em cima dos questionamentos da sociedade e dos órgãos ambientais em relação às barragens. Essa tentativa não deu certo graças em parte à pressão pública dos órgãos ambientais, em parte graças aos atingidos que resistem organizados e com coragem, e em parte graças ao Ministério Público que realmente cumpre sua função de defensor dos interesses do país e da sociedade. Mas isso não vai ficar assim, pois aos poucos a gente vê a liberação de empreendimentos que continuam a não respeitar os direitos dos atngidos e a subestimar os danos ambientais. Em particular, houve o debate sobre as hidrelétricas do rio Madeira e Belo Monte no Xingu, que continuou muito forte em 2006, com a realização de audiências. Eu mesmo estive em Porto Velho antes das audiênicas, numa discussão sobre o rio Madeira, onde tivemos alguma colocação sobre o EIA-Rima. O que vimos é que o EIA-Rima evitava certas questões, e que era esse o padrão, a marca dos EIA-Rima, e que o governo e as empresas não iam além do que diziam os estudos e relatórios. Não contemplavam, por exemplo, a possibilidade de a água atingir a Bolívia. Fazia-se ainda uma análise muito restrita às barragens e subestimavam os problemas que ainda poderiam acontecer. Não se levava em conta a bacia, só um pedacinho dessa bacia. O rio Madeira traz muitos sedimentos, ele nasce nos Andes e vem trazendo sedimentações. Isso vai se acumular na primeira barragem. Um outro exemplo é a pesca do Dourado. Eles se reproduzem no rio Madeira, depois de vir do oceano. Em Gurupá, muitos pescadores vivem, numa parte do ano, da pesca do Dourado. Como vai ser isso? Não vai mais chegar lá em cima. Isso foi mencionado, mas não tivemos resposta. E a cidade de Porto Velho, que fica oito quilômetros abaixo da barragem de Santo Antônio? O impacto sobre Porto Velho vai ser enorme. Fala-se em 40 mil empregos na construção. Mas se avalia que vão chegar mais 100 mil pessoas. E quando se sabe que já existem 80 mil desempregados em Porto Velho, então arrisca-se a ter cerca de 140 mil desempregados em Porto Velho. Isso me parece totalmente subestimado. Isso não faz parte dos custos para a construção da barragem. É uma visão muito atrasada, mas é a visão que predomina. Acho que estamos instalando uma bomba de efeito retardado com a construção dessas hidrelétricas. Sem falar que isso significa um chamamento à destruição da floresta e do avanço do agronegócio na região. E a destruição não só da comunidade reibeirinha, alguns milhares de pessoas que vão ser realocadas Deus sabe como, mas além disso haverá muitos atingidos com os quais quem quer a barragem não se preocupam, inclusive o presidente. Vamos produzir muito mais clientes da Bolsa Família do que temos atualmente.