01/12/2005 13:20
Carlos Augusto Ramos
Era uma vez um engenheiro agrônomo entendedor das coisas da pesca[1] e uma comunidade varzeira do município de Gurupá-Pa, conhecida como ilha das Cinzas[2]. Resolveram um dia tentar uma idéia revolucionária: criar camarão. Planeja pra cá, rabisca pra lá, constrói viveiro e por fim chegam a um método de engorda do crustáceo mais apreciado por aquelas bandas do estuário amazônico.
Com o passar do tempo, perceberam os envolvidos na empreita que quanto mais colocavam camarões nos viveiros a fim de criá-los, mais sumiam ao longo de algumas semanas. Armazenavam dez quilos, apareciam no final uns dois quilos. “Só pode ser roubo”, chegaram a pensar; qual nada! As caixas eram bem guardadas e vedadas o suficiente para evitar a fuga dos camarões ou a entrada de um predador. Ali, no fundo do rio onde eram depositados os experimentos reinava um mistério.
Como os naturalistas de plantão que se prezem e que estão cada vez mais raros nos dias de hoje, repararam o técnico e os pescadores que o problema estava dentro dos viveiros. E assim um pouco de estudo a mais reconheceu que a resposta estava no processo de troca da casca do crustáceo para o seu crescimento chamado de ecdise. Com a carne exposta durante a passagem de uma camada e outra, os camarões menores eram alvos de canibalismo dos maiores, agora sem a vegetação ou pedra de um rio a escondê-los da voracidade de seus inimigos.
Foi um momento de certa incerteza e desesperança. Contudo, como as maiores descobertas sempre são precedidas de um acidente de percurso ou rota errada (e aí temos a penicilina), mais uma vez a capacidade de transformação de uma dificuldade em solução do ser humano trabalhou na forma de uma singela, porém, genial conclusão: não era o 2 caso de criar, mas sim selecionar camarão. E assim reformularam o método de manejo para a adaptação de matapis e viveiros para “coar” o que se apanhava. Dessa forma, Os menores passaram a escapar pelas frestas dos apetrechos de pesca modificados, restando apenas os graúdos camarões.
Os efeitos dessa idéia repercutiram em alguns efeitos:
• Aumento do tamanho médio do camarão comercializado;
• Manutenção dos estoques do crustáceo nos rios da região;
• Aumento da renda das famílias;
• Organização da comunidade a ponto de se destacaram das demais da região, gerenciando projetos e outros benefícios;
• Reestruturação da sede da comunidade através da organização;
• Diminuição da jornada de trabalho durante a pesca;
• Fortalecimento do grupo de mulheres local, cuja participação durante as decisões da associação tem sido fundamental;
• Valorização dos jovens locais dos trabalhos feitos através de feiras e outros eventos culturais;
• Manejo de outros produtos da mata;
• Discussão fundiária e do uso dos recursos naturais da ilha.
O futuro nos mostrará se aparecerão mais reações positivas a partir do manejo do camarão de água-doce. Existem outras que se constatam a cada dia ao analisar-se o trabalho na ilha das Cinzas. Uma coisa é certa: pensar em cadeia, eis o segredo do sucesso de um empreendimento social comunitário como este de Gurupá, recém vencedor do Prêmio Tecnologia Social da região Norte, promovido pela Fundação Banco do Brasil. Viva o efeito camarão!
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[1] Jorge Pinto
[2] Representada pela Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC)