10/11/2014 21:58

Gilka Resende, do Rio de Janeiro (RJ)

Organizações e movimentos sociais de todo o país têm alertado que os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) se consolidaram como perigos para territórios preservados e seus habitantes. Esses mecanismos, ainda pouco conhecidos pela população, estão cada vez mais frequentes em projetos empresariais e governamentais. Se antes apenas a tora de madeira explorada era comercializada, agora também querem colocar preço na árvore que fica de pé, na cachoeira limpa ou no solo rico em biodiversidade. Nessa lógica, o cuidado com a natureza vira um “serviço ambiental” e também pode vir a ser cifra no mercado financeiro. Mas quem realmente ganha com isso? E quem perde?

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Essa foi a terceira oficina de processo de construção coletiva de conhecimento iniciado em 2012. (Foto: FASE)

A oficina “Visões Alternativas ao Pagamento por Serviços Ambientais”, realizada no Rio de Janeiro nos dias 29 e 30 de outubro, refletiu sobre essas questões. O evento promovido pela FASE, pelo Grupo Carta de Belém, pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), pela CUT e pelo Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) reuniu cerca de 40 pessoas. Elas expressaram críticas às “falsas soluções de mercados para os problemas socioambientais”, como os créditos de carbono por exemplo. Ao mesmo tempo, debateram alternativas de incentivo às atividades produtivas desenvolvidas pelos povos e que preservam o meio ambiente, como a agroecologia.

Alessandra Cardoso, do Inesc, destacou que é preciso entender que existem diversos tipos de PSA. Alguns, promovidos por empresas, trabalham com a ideia “resultados” e acabam dando uma “roupagem verde” a corporações de setores conhecidos historicamente como poluidores e violadores de direitos humanos, como a mineração e o agronegócio. Estão geralmente relacionados a ações de responsabilidade social corporativa. Para Marcelo Calazans, coordenador da FASE no Espírito Santo, é importante barrar as “licenças para poluir”. “Não podemos aceitar um ‘pagador que seja poluidor’. O PSA não pode ser uma licença de poluição, uma licença que permita pagar em um local e destruir em outro”, afirmou durante a oficina, chamando atenção para possíveis “armadilhas”.

Mercado de olho nos territórios

Durante o evento, muitas falas lembraram que os territórios mais preservados costumam ser os de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros povos. “Estamos em um processo de expansão do extrativismo no capitalismo. A terra tem água, minérios, florestas, e pode virar até soja. Um novo elemento é a possibilidade de usar áreas com biodiversidade preservada para compensar danos. Então, a terra e os recursos naturais são mais um objeto de cobiça”, alertou Alessandra, do Inesc.

Já Marcela Vecchione, do Grupo Carta de Belém, expôs que o tema tem sido tratado somente de forma técnica, quando na verdade se trata também de uma questão política. Ela disse que organizações internacionais têm resumido a questão ambiental às mudanças climáticas. “Você não tem uma discussão sobre justiça socioambiental. No Brasil, por exemplo, o desmatamento nas terras indígenas não chega a 0,2%. Por isso, nessa visão, é importante investir em gestão ambiental, já que ali você terá um resultado positivo. Mas não se vê o problema da demarcação das terras, os conflitos que eles passam por isso. Fica muito despolitizado, nesse sentido. A esfera dos direitos é colocada de lado. A gestão ambiental é priorizada, e não seus direitos”, criticou.

Em defesa das políticas públicas

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Generosa de Oliveira, da Articulação Nacional de Agreocologia (ANA)

Generosa de Oliveira disse que o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), aprovado em outubro de 2013, avança no sentido de se fortalecer uma agricultura em harmonia com o meio ambiente, porém ressaltou que o texto não traz uma questão fundamental: a Reforma Agrária. Ela, que integra a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), defende que a agroecologia seja debatida de forma ampla na sociedade. “Foi uma vitória fazer o governo federal entender a necessidade de envolver 10 ministérios na questão”, pontuou. E continuou: “A formação técnica no campo da agricultura familiar no país é o que há de mais atrasado. Se o MEC [Ministério da Educação] não entrasse na história, não daria certo em longo prazo”.

Assim como ela, Marciano Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), acredita que políticas públicas podem criar condições materiais para a população permanecer no campo, em especial as voltadas para a juventude rural. Disse, no entanto, que essas políticas não podem ter cunho neoliberal, sendo preciso fazer o “enfrentamento a quem está do outro lado da cerca”. Ou seja, ao agronegócio, setor que contamina o solo e as águas com agrotóxicos, dentre outros impactos relacionados à crise climática. Crítico ao PSA, o militante expôs que o MPA recusa até mesmo o nome “pagamento por serviço ambiental”, defendendo uma “retribuição pelo modo camponês de fazer agricultura”.

Serviços ambientais ou modos de viver?

Entre as entidades, existem diferentes visões sobre como tratar os dilemas diante do frequente assédio de programas de PSA. Em consenso, a necessidade de construir políticas públicas que fortaleçam verdadeiras soluções para resfriar o planeta, como a agricultura camponesa, agroecológica, assim como as formas de viver de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, dentre outros povos. Essa é a terceira vez que organizações e movimentos se encontram para debater e avançar no entendimento da pauta, traçando estratégias para resistir à mercantilização da natureza.

capa do PSA 2Durante o evento, a FASE e o Grupo Carta de Belém lançaram um novo caderno de acúmulos sobre o tema. A publicação reúne textos que relacionam o PSA a questões como concentração fundiária, direitos trabalhistas, produção de alimentos saudáveis, dentre outras. Dessa maneira, mostra um pouco como a sociedade civil organizada já vem construindo soluções para o aquecimento global calcadas em outro modelo de desenvolvimento.

Letícia Tura, diretora executiva da FASE, disse que esse trabalho de construção coletiva de conhecimentos irá continuar entre as entidades. “Um grande desafio para os próximos anos será aproximar organizações e movimentos sociais urbanos para o debate”, afirmou. A oficina produzirá um documento de recomendações para políticas públicas de incentivo à preservação ambiental e  à produção de alimentos  com foco na agricultura familiar e camponesa, e na garantia de direitos coletivos de comunidades tradicionais. A ideia é publicar o texto antes da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 20), a ser realizada em dezembro no Peru.

Acesse mais fotos e relatos do evento na página da FASE no Facebook. E clique aqui para ler o primeiro caderno com “Visões Alternativas ao Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), publicado em 2013.