24/06/2015 16:39
Maria Emília Pacheco¹
O que é comida de verdade na visão dos povos da Amazônia? Por que os índices de insegurança alimentar e nutricional da região são os mais altos do país? Quais os desafios para a segurança alimentar e nutricional do maior bioma do Brasil? Estas e outras questões foram tratadas no encontro sobre soberania e a segurança alimentar e nutricional da Amazônia, que ocorreu de 9 a 11 de junho, em Belém (PA). Organizado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão de assessoramento imediato da Presidência da República, o evento reuniu 200 participantes, representando os estados da Amazônia Legal.
A riqueza da biodiversidade da Amazônia e o seu valioso patrimônio cultural representado pelo conhecimento tradicional de seus povos sobre as plantas medicinais e comestíveis, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre, peixes, deveria representar uma abundante oferta e utilização de proteína, calorias, vitaminas, minerais, e assim, garantir a saúde, nutrição e qualidade de vida para sua população.
Mas infelizmente a insegurança alimentar e nutricional ainda atinge boa parte dos povos das águas e das florestas, como os povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais nessa região.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dezembro de 2014, revelou que 1,3 milhão ou 7,8% dos moradores da região Norte sofrem de insegurança alimentar grave, ou seja, “privação de alimentos que pode chegar à sua expressão mais grave, que é a fome”.
No mês passado, o Ministério da Saúde divulgou dados da Pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada em 2014 nas 27 capitais brasileiras. Um dos itens medido pela pesquisa foi o consumo mínimo de 400 gramas semanais de frutas e hortaliças, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Entre as 11 capitais de menor consumo, seis estão na Amazônia Legal. Belém está em 27º com 15%; Rio Branco em 26º com 17%; depois aparecem Macapá, Manaus em 23º com 19%; Cuiabá e São Luís em 18º com 20%.
Um exemplo que nos fala desse preocupante cenário vem de um estudo do pesquisador Afonso Rabelo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), publicado no livro “Frutos Nativos da Amazônia comercializados nas feiras de Manaus-Am”. Ele constata que alguns frutos do extrativismo como piquiá, pajurá, sorvinha, uxi, bacaba, patauá e outros estão cada vez mais escassos nas feiras livres da cidade em decorrência dos desmatamentos provocados para abertura de estradas e expansão agropecuária.
Também constatamos mudanças nos hábitos alimentares na Amazônia. Alimentos tradicionais com baixo teor de gordura como farinha e peixes de água doce, consumidos pelos ribeirinhos, vêm sendo substituídos por itens alimentares de alto teor de gordura, como os frangos congelados.
Mas é também na Amazônia que se destaca a importância da fauna silvestre nas práticas alimentares, que é parte de uma rede de trocas e de reciprocidade, mostrando-nos o sentido da cultura alimentar para suas populações, como nos mostra um estudo dos pesquisadores Rodrigo Augusto Alves de Figueiredo e Flávio Bezerra Barros da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Considerando esses exemplos do contexto da Amazônia definimos como temas do encontro: direito à terra, território e água e sua relação com o Direito Humano à Alimentação; os sistemas alimentares na Amazônia, sua expressão cultural e os impactos das mudanças pelas quais vem passando, e os desafios para a adequação das propostas de políticas públicas para a região.
Este encontro regional foi uma das etapas preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que terá como lema “Comida de verdade no campo e na cidade – por soberania e direitos” e será realizada de 3 a 6 de novembro em Brasília.
(1) Maria Emília Pacheco integra o Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE e é presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Saiba mais por meio do site do Consea:
Grupos discutem estratégias para segurança alimentar na Amazônia.
“Comida de verdade é a cara da Amazônia”.