18/02/2008 14:56
Jean Pierre Leroy
Nas últimas semanas, a Amazônia tomou as primeiras páginas e as telas de todo o país em um debate sobre o desmatamento, que voltou a crescer de forma descontrolada associado aos fatores de sempre: a exploração madeireira, o agronegócio, a pecuária e outras formas de expressão do atual modelo de desenvolvimento. O governo viu-se obrigado a expor suas posições acerca do futuro da região e o que se escutou foram falas desencontradas. De fato, mesmo que sejam realizadas ações de repressão aos desmatadores, o que vale mesmo é o PAC. Falta apresentar um efetivo plano de longo prazo que garanta a sustentabilidade da Amazônia.
O aumento escandaloso do desmatamento veio nos lembrar que o futuro da região já começou, e que o longo prazo começa nas ações e omissões de agora. Enquanto permanecer a situação em que os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente disputam suas posições e a Presidência da República intervém no debate com seu habitual imediatismo, continuaremos assistindo períodos de descontrole com perdas cada vez maiores de área verde, biodiversidade e condições de vida.
Por isso, saudamos a chegada do assunto Amazônia ao Palácio do Planalto, pois seria um erro histórico deixá-lo exclusivamente sob os cuidados do Ministério do Meio Ambiente. Porém, isso será insuficiente se a região não for tratada como assunto de interesse público e nacional, o que deve se expressar na criação de um espaço de diálogo e deliberação na Presidência, em que o Ministério de Meio Ambiente terá um papel fundamental, mas não poderá ter sobre si uma responsabilidade que, como se vê hoje, é incapaz de carregar sozinho.
Destacamos que a população amazônida deve ser interlocutora privilegiada de um planejamento de longo prazo para a Amazônia. O fato de conhecerem tão profundamente a região, de conviverem com o drama do uso econômico abusivo do território e da floresta, deveria bastar para garantir-lhes naturalmente essa condição. No entanto, eles são excluídos do debate com o poder público à mesma medida em que empresas como a Vale, a Cargill, a Alcoa e muitas outras, ou que políticos sojicultores como Blairo Maggi (governador do MT), têm acesso privilegiado aos salões do poder. Em nossa história de contato com os povos e populações amazônidas, aprendemos que indígenas, agroextrativistas, pequenos produtores rurais, pescadores e outros grupos sociais são parte da solução. Devem ser ouvidos. Talvez somente eles consigam, pela força do que já viram e sentiram de perto, explicar que o aproveitamento mercantil de curto prazo da Amazônia é o responsável pela devastação, enquanto eles detêm embriões de soluções.
Pensar a Amazônia no longo prazo significa aceitar a urgente necessidade de rever nossos padrões de desenvolvimento econômico. É evidente a relação entre as oscilações de mercado das commodities produzidas na Amazônia e a intensificação do desmatamento. Há anos essa denúncia é feita, com base em numeroso e bem qualificados estudos feitos por universidades, ONGs, inclusive a Fase, e movimentos sociais, além de uma impressionante quantidade de depoimentos dos habitantes. Não se pode mais aceitar que um bioma tão importante para o mundo seja invadido por madeireiros e grileiros que destroem a mata pelo corte ou pelo fogo, sendo seguidos por pecuaristas e outros médios e grandes produtores rurais, numa rede que começa no banditismo, continua no silêncio da cumplicidade e termina na glorificação dos heróis do desenvolvimento.
Um redirecionamento desta tendência predatória do uso da Amazônia envolverá uma ação estratégica de longo prazo do Estado brasileiro, e não somente deste governo. É uma questão de opção política e de assumir o combate ao desmatamento como missão. Este trabalho deve combinar o emprego imediato das forças públicas com o investimento em políticas efetivamente inovadoras, que incluam as vozes e os saberes dos povos da região na criação de alternativas de desenvolvimento e de preservação do bioma, baseadas na valorização ambiental, social e econômica da floresta em pé. No que toca a repressão direta e imediata, a presença da Polícia Federal e do Ibama devem ser constantes, uma vez que a presença esporádica se converte num jogo de gato e rato em que as máfias locais sempre saem vitoriosas. Queremos menos governo e seu imediatismo e mais Estado e ação estratégica; menos a onipotência do Legislativo e mais debate democrático com a sociedade; menos auto-suficiência das tecnoburocracias públicas e mais reconhecimento das vozes que vêm da sociedade; menos do faz-de-conta das empresas que se vangloriam de seus feitos ambientais e mais controle público e rigor na aplicação da lei.