08/10/2014 17:33

Ativista em ato da Cúpula dos Povos ironiza a "sustentabilidade do agronegócio" (Foto: Marcelo Casall Jr/ABr)

Ativista em ato da Cúpula dos Povos ironiza a “sustentabilidade do agronegócio” (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)

Neste segundo turno das eleições presidenciais, o Brasil vive, entre outras encruzilhadas cruciais para o seu futuro, momentos decisivos em relação ao destino de suas lutas socioambientais. Marina Silva (PSB) e representantes de um setor do ambientalismo identificado com as privatizações, a ampliação do mercado na agenda ambiental e climática e com a redução do papel do Estado decidiram apresentar ao candidato Aécio Neves (PSDB) uma agenda de sustentabilidade, entre outros pontos, como caminho para apoiá-lo. Alguns ambientalistas assinaram um manifesto em apoio a Aécio junto com Marcos Jank, Pedro Malan, Rubens Barbosa, Gustavo Franco, Eduardo Giannetti, entre outros porta-vozes do pensamento neoliberal.

A FASE, junto com um amplo conjunto de organizações e movimentos sociais que travam lutas socioambientais em todos os cantos do país, considera incompatível e irreconciliável a conquista do direito humano ao meio ambiente e à Justiça Ambiental em um cenário de avanço do receituário privatizante. Em seus 53 anos de existência, a FASE atua em diversas regiões do Brasil combinando, junto com seus aliados, a luta por participação social, democracia, igualdade, direitos e Justiça Ambiental, o que requer um Estado robusto e capaz de garantir políticas públicas redistributivas.

Na Rio 92, quando organizações e movimentos sociais, inclusive a FASE, realizaram o Fórum Global no Aterro do Flamengo, um dos tratados ali aprovados afirmava que “a expansão presente da ideologia do livre comércio mina o poder dos Estados de formular políticas para a proteção dos recursos naturais e da vida humana”. Apontava ainda que “a ideologia neoliberal transforma as relações sociais e as comunidades em meras variáveis econômicas”.

Há dois anos, a declaração final da Cúpula dos Povos, paralela à Rio+20 em que a FASE participou ativamente, organizada por um amplo conjunto de forças socioambientais, reiterava o diagnóstico feito duas décadas antes: “Há vinte anos o Fórum Global, também realizado no Aterro do Flamengo, denunciou os riscos que a humanidade e a natureza corriam com a privatização e o neoliberalismo. Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema econômico-financeiro (…). A construção da transição justa supõe a liberdade de organização e o direito à contratação coletiva e políticas públicas que garantam formas de empregos decentes. Reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, à cultura, à liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação, e à saúde sexual e reprodutiva das mulheres”.

As lutas socioambientais travadas pela FASE junto com seus parceiros em diversas regiões e territórios nos ensinaram que o direito a terra, a sistemas de produção agroecológicos e agroflorestais em prol da agricultura familiar e camponesa e dos povos e comunidades tradicionais, à água, saneamento, segurança e soberania alimentar, moradia e alimentos saudáveis só pode se viabilizar longe de ambiente dominado pelo mercado.

Perguntas ao ambientalismo de mercado. (Foto: Marcello Casal Jr)

Ativista na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20. (Foto: Marcello Casal Jr)

Por participar destas lutas, nos causa espanto e indignação a tentativa de sequestro das lutas ambientais pelas forças privatizantes e do conservadorismo. Não é possível compatibilizar proteção ambiental e redução de desmatamentos com independência para o capital financeiro, pois é sabido que quanto maior a liberdade para os fluxos de capitais, maior é a dependência da economia em relação ao agronegócio e à mineração, setores  insustentáveis dos pontos de vista social e ambiental, e que o país tem usado para fechar as suas contas.

A ampliação do direito a terra e dos direitos territoriais para indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais requer o apoio de políticas públicas aos seus sistemas de produção, o que é incompatível com a ideia de se reduzir o papel dos bancos públicos. Estes direitos também são ameaçados quando as propostas privatistas avançam os interesses do mercado financeiro sobre os territórios por meio da criação de mercados de carbono e de precificação das emissões de CO2. Não é possível garantir direitos para as populações que lutam contra as injustiças sociais e ambientais com uma política econômica que prega o arrocho salarial e as privatizações.

Ao constatar que alguns ambientalistas assinam um manifesto pro-Aécio junto com Rubens Barbosa, defensor da submissão do Brasil aos interesses dos Estados Unidos por meio da assinatura de acordos de livre comércio, nos perguntamos: como garantir políticas de sustentabilidade como o direito à água, saneamento, soberania e segurança alimentar se o Brasil assinar acordos de livre comércio que eliminariam a autonomia brasileira na definição destas políticas e exporiam o país à concorrência desigual com mercados e corporações transnacionais?

O apoio a Aécio deste setor do ambientalismo identificado as propostas privatizantes aprofunda a cisão que há tempos vinha se desenhando no ambientalismo brasileiro. Cada vez fica mais claro que o meio ambiente é palco privilegiado da luta de classes.