14/12/2016 16:40
Flávia Bernardes, Caroline Rodrigues¹ e Marcelo Calazans²
Em meio à profunda crise da civilização e do próprio humanismo, são lutas por justiça social, ambiental, climática, são cuidados com a Natureza, e suas ações de proteção e defesa dos Direitos Humanos³, que podem garantir um horizonte de transição civilizatória.
No Brasil, a expansão das indústrias petroleiras tem sido um significativo fator de violação de direitos humanos. De forma sistemática e contínua, o complexo petroleiro viola direitos econômicos, sociais e culturais, e também direitos civis e políticos. Quando destrói as socioeconomias e as condições de reprodução das culturas locais, quando contamina os territórios tradicionais, distritos industriais e periferias urbanas. Quando impõe unilateralmente suas operações, sem livre e informado consentimento dos habitantes da vizinhança dos grandes empreendimentos.
A instalação de portos, dutos, complexos petroquímicos, unidades de tratamento de gás e óleo, a perfuração de novos poços, a irresponsável técnica do fracking, bem como o consumo crescente de energia fóssil, de plástico, agrotóxicos e demais derivados do petróleo precisam ser barradas, sob o risco do colapso do clima, da água e da vida no planeta. Ao contrário, os sucessivos governos de Estado e a indústria petroleira planejam intensificar o ritmo e a abrangência da expansão, em seus sucessivos planos e políticas de desenvolvimento. Eliminam todo e qualquer obstáculo, em nome dessa expansão. Atropelam todo e qualquer direito. Buscam precificar e compensar suas claras e evidentes violações, impondo sua métrica unilateral.
Mais que isso, por todo Brasil, defensoras e defensores de direitos humanos vêm sendo perseguidos, difamados e caluniados, processados e criminalizados, mortos; por resistirem denunciando as violações causadas por grandes corporações petroleiras e suas associadas, e pelo próprio Estado. Precisam ser protegidos.
No Espírito Santo, no âmbito do projeto de defesa de direitos humanos, temos nos empenhado junto a uma vasta rede de parceiros e lutas locais na construção da Campanha “Nem um poço a mais!”, monitorando impactos e violações da expansão petroleira sobre territórios ribeirinhos, de pesca artesanal, quilombolas, campesinos, indígenas, bem como nos distritos industriais, como em Barra do Riacho, em Aracruz e na Região Metropolitana de Vitória.
No final de novembro, realizamos o giro preparatório, por alguns dos territórios em conflito petroleiro, e na sequência o Seminário da Campanha, no Espírito Santo, reunindo mais de 150 pessoas, representantes de povos tradicionais, de organizações nacionais e internacionais.
O Seminário garantiu voz para os parceiros do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Paraná, São Paulo e também da Argentina. Cada um pode contar como e o quanto tem lutado para manter seu modo de vida, como tem traçado caminhos para valorizar o seu trabalho e como tem conseguido preservar a cultura local. Ao longo do encontro e de diferentes formas, foi possível amadurecer e reafirmar a ideia de que a famigerada modernidade vendida pela indústria do petróleo é, na realidade, responsável por enormes violações de direitos humanos, que eliminam a diversidade das relações sociais, exploram os recursos naturais que são um bem comum e se apropriam do conhecimento coletivo em prol de interesses privados.
“Na Ilha do Marajó, novos poços serão perfurados e a pesca ficará proibida em um raio de cinco mil metros. Ocorre que o rio não é largo e não sobrará nada para a pesca! Em Salva Terra, na mesma região, os técnicos da empresa Total e do Ibama [Instituto do Meio Ambiente] falaram que havia 100% de certeza que o empreendimento não traria impacto negativo para a população. Acontece que aqui, nesta visita ao Espírito Santo, eu vi a verdadeira realidade dos projetos. O que estão falando lá é uma mentira. Eu precisava estar aqui, precisava ver isso para voltar reforçando esta visão e podendo dizer ‘nem um poço a mais’! Vi aqui o agravante de doenças, posso falar disso agora com propriedade”, disse Haroldo Júnior Miranda da Conceição, da Ilha de Marajó, no Pará.
Este e muitos outros depoimentos ressaltando as violações sofridas nos territórios explorados permearam falas durante todo o seminário. São antigos e novos processos de expropriação e contaminação de territórios, da luta de pescadores e pescadoras, ribeirinhas, caiçaras, quilombolas, de camponeses e camponesas, de mulheres e homens das cidades, que em suas falas relataram com propriedade os impactos gerados pela cadeia do petróleo e gás para a sua cultura, economia, educação, saúde e, sobretudo, para o seu modo de vida tradicional.
[1] Respectivamente educadoras da FASE no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.
[2] Coordenador do programa da FASE no Espírito Santo.
[3] Leia na íntegra o texto no blog da Campanha “Nem Um Poço a Mais”.