10/04/2009 13:05

Fátima Mello – Coordenadora do Núcleo Brasil Sustentável: Alternativas a Globalização (FASE) e membro da REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos

O mundo vive um ciclo de aceleradas transformações.  Nos últimos 20 anos temos assistido a rupturas de natureza estrutural no sistema e na política internacionais como não se via desde o fim da II Guerra Mundial. Em 1989 a ordem internacional passou por uma drástica alteração com o fim da bipolaridade da Guerra Fria.  A década seguinte, que alguns denominaram de “fim da história”, marcou o curto período em que parecia que não existiam alternativas a hegemonia norte-americana e ao capitalismo em sua forma neoliberal batizado de Consenso de Washington.  Porém, ao final dos anos 90 os protestos de Seattle, EUA, durante uma reunião ministerial da OMC, selaram o fim do “fim da história” e inauguraram um novo ciclo de quebra da hegemonia neoliberal e de busca de alternativas ao unilateralismo, que se manifestaram no crescimento do Fórum Social Mundial e na re-ascensão dos movimentos sociais globais.  Hoje, exatos 10 anos depois de Seattle, a crise de paradigmas obriga o sistema internacional a se repensar em profundidade.

A reunião do G20 foi o momento de consolidação do fim dos recentes ciclos bi e unipolares.  Brasil, China, India e outros países chamados emergentes são convocados ao núcleo duro do processo decisório global, visando dar-lhe maior legitimidade e solidez simbólica, política e econômica, e apontando para a perspectiva de finalmente o sistema internacional entrar em um ciclo marcado pela multipolaridade e pela democratização da governança global.

No entanto, as resoluções adotadas pelo G20 revelam a distância entre a profundidade da crise e a inconsistência das soluções adotadas.  Apesar da aparente tendência a multipolaridade e a adoção de algumas medidas merecedoras de elogios – como uma maior regulação do sistema financeiro, o fim dos paraísos fiscais e o aperto aos bônus para executivos financeiros – a aposta numa institucionalidade caduca para gerir a crise é muito preocupante. Não é de hoje que as instituições de Bretton Woods estão em crise.  Estas instituições, criadas no pós-guerra, há muito não refletem as necessidades de desenvolvimento e de governança do mundo atual.  O G20, ao invés de “fechar o caixão” destas instituições moribundas, decidiu ressuscitá-las, recolocando o FMI no centro da administração monetária e financeira da crise e anunciando a importância da retomada das negociações da Rodada de Doha da OMC.

Estas medidas não correspondem às necessidades de um mundo que vive uma crise profunda de natureza não apenas econômico-financeira, mas também com dramáticas dimensões climáticas, energéticas, ambientais, de crise alimentar, social, de valores, e que desemboca na esfera da política.  A longa crise de legitimidade do FMI, Banco Mundial e OMC tem uma motivação real que o G20 parece desconsiderar: os princípios e regras que governam estas instituições estão obsoletos e não correspondem ao atual estado do mundo e da correlação de forças na ordem internacional.  Por exemplo, FMI e Banco Mundial são governados por um sistema cujo poder de voto de cada país é proporcional a sua contribuição financeira, ao contrário do sistema das Nações Unidas (cada país um voto).  Por mais “chique” que seja o Brasil contribuir ao FMI, o peso decisório dos países do Norte sempre será infinitamente maior.

No caso da OMC não é a toa que a Rodada de Doha se arrasta há anos sem solução.  Os países membro simplesmente não aderem mais às regras liberalizantes e estruturalmente desequilibradas.  Os países do Sul não querem mais abrir mão de seu direito a ter espaço para implementarem políticas industriais e agrícolas sem sofrerem retaliações e sanções. Não é condizente com um mundo em transformação que os países do Sul continuem a fornecer matéria prima e exportar recursos naturais para que os países do Norte mantenham seus padrões insustentáveis de consumo.  As negociações e regras da OMC são incompatíveis com a necessidade urgente de se reduzir as distâncias entre produção, distribuição e consumo, economizando assim energia e reduzindo a crise climática. Ao contrário da pressão da OMC pela expansão infinita do comércio global, é necessária a criação de regimes, mecanismos e instituições de natureza regional e local que estimulem a relocalização das economias, dos mercados locais, aproximando e co-responsabilizando produtores e consumidores.  É preciso que as grandes corporações parem de dominar a agenda das negociações globais de comércio, e que no lugar delas vigore a noção de bens comuns da humanidade.

Uma nova ordem multipolar deve se pautar pelo reconhecimento de uma gravíssima crise civilizatória em curso, cuja dimensão econômico-financeira é apenas um dos sintomas. Os remédios do passado só piorarão o estado de um planeta em crise generalizada.